Melô
Domingo. Dia de silêncio e controle.
Era o plano.
Um dia antes de começar no novo emprego, eu precisava focar: corpo em movimento, mente em branco.
Vestida com legging preta, camiseta básica e boné, fui para o parque que ficava a duas quadras do prédio. Já era parte da minha rotina pré-mudanças: caminhar, organizar os pensamentos, preparar minha mente para o que estava por vir.
O que não fazia parte da rotina? CEOs sem camisa correndo no parque.
Mas foi exatamente isso que aconteceu.
Dobrei uma curva da trilha e quase colidi com ele. Ethan Gonzales.
Sem camisa. Pele dourada pelo sol, suor deslizando pelo peito definido, fones de ouvido pendurados no pescoço e um sorriso perigosamente à vontade.
Meu passo vacilou — imperceptível, espero.
Controle, Melo.
Continuei andando como se não tivesse notado. Mas claro que ele notou.
— Bom dia, Srta Cross — a voz veio atrás de mim, casual, quase divertida.
Respirei fundo, tirei um fone de ouvido e me virei.
— Bom dia, Sr. Gonzales.
Olhei diretamente para ele. Sem sorrir. Sem um traço de emoção.
Ele diminuiu o ritmo, correndo devagar ao meu lado.
— Que coincidência agradável. Não sabia que você frequentava o parque.
— Agora sabe.
— Sempre tão objetiva — ele sorriu. — Me diz… a caminhada faz parte da sua agenda cronometrada?
— Sim — respondi, seca.
Ele soltou uma risada baixa.
— Aposto que tem até um cronômetro escondido aí.
Não respondi.
Controle.
Não morda a isca.
Ele continuou correndo ao meu lado.
Eu aumentei um pouco o ritmo.
Ele acompanhou.
— Você sempre foge assim das conversas casuais?
— Eu não estou aqui para socializar, senhor.
— Que pena. Eu gosto de conversar durante a corrida. Ajuda a distrair a mente.
— Minha mente não precisa de distrações.
Ele riu de novo.
— Ah, claro que não. A Srta Cross já tem tudo sob controle, não é?
Continuei andando. Sem responder.
— Sabe… — ele prosseguiu, como se falasse sozinho — eu sou fascinado por pessoas que acham que conseguem controlar tudo. São as mais interessantes quando descobrem que não conseguem.
Parei abruptamente.
Ele parou também, me olhando com um brilho divertido nos olhos.
— Algo errado?
— Nada, senhor. Apenas concluí meu percurso.
— Perfeito. Nos vemos amanhã, então — ele disse, dando um passo para trás com um aceno leve. — Tenha um ótimo resto de domingo… cronometrado.
Controlei a respiração e virei sem dizer mais nada.
Mas meu coração batia mais rápido do que eu gostaria.
Variável inesperada.
Muito inconveniente.
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Seis e trinta da manhã.
Blazer ajustado, cabelo preso, franja alinhada , pasta em mãos. Pronta para o primeiro dia na UpperConstruction.
Controle absoluto.
Abri a porta do apartamento e dei um passo para fora.
E… bati de frente com uma parede humana.
O Sr. Gonzales.
De terno escuro impecável, pasta na mão, sorriso no rosto como se aquilo fosse a cena mais natural do mundo.
— Bom dia novamente, Srta Cross.
Controle.
— Bom dia, Sr. Gonzales.
Dei um passo para o lado, tentando passar.
Ele também se moveu, propositalmente, bloqueando por um segundo o caminho.
— Coincidência engraçada… morarmos no mesmo andar.
— Coincidências não me interessam, senhor.
Ele sorriu ainda mais.
— Ah, mas eu acho que você vai gostar dessa.
— Não tenho tempo para gostar ou não gostar de variáveis aleatórias.
Ele deu um meio passo atrás, com um gesto teatral, abrindo caminho.
— Então, Srta Cross… vejo você no elevador?
— Parece inevitável.
Entramos. Ele se recostou na parede com um ar de puro divertimento.
— Espero que seu domingo tenha sido… produtivo.
— Como deveria ser.
Ele inclinou levemente a cabeça.
— Sem distrações?
Não respondi. Apenas olhei para frente.
Mas quando a porta do elevador abriu no térreo, ele sorriu e falou baixinho, só para mim:
— Vamos ver quanto tempo você consegue manter esse controle.
Controle, Melo. Controle.
Mas o calor subindo no meu pescoço denunciava o que eu não queria admitir:
Aquela variável inesperada estava começando a mexer demais com a equação.