Capítulo 5

Ethan 

Ela chegou às 6h58.

Dois minutos antes do horário. Claro.

Mas eu já a tinha visto duas vezes antes disso.

Primeiro, no parque.

Domingo de manhã. Eu tentando correr e por o estresse pra fora do corpo e da cabeça. Dobrei a curva e lá estava ela: discreta, decidida, com aquele andar que parece ignorar o mundo.

Ela fingiu que não me viu.

Mas o corpo vacilou. E o corpo nunca mente.

Depois, hoje cedo, no corredor do nosso andar.

Elevador, silêncio. Um jogo de olhares disfarçado de rotina.

Ela ainda acha que tem o controle.

Quase, sinto pena.

Agora, ali está ela — recém-chegada à UpperConstruction — como se estivesse entrando numa reunião, não no primeiro dia de trabalho.

Serena. Racional.

Mas o que ela não sabe é que eu gosto de observar o que as pessoas tentam esconder.

Desci para recebê-la pessoalmente. A conduzi pelo andar como quem mostra um novo campo de guerra para a aliada que ainda não sabe que está sendo testada.

— Essa será sua estação. Mas antes, revise isso — entrego a pasta. — Projeto em Itupeva. Veja se algo te chama atenção.

Ela leu. Três páginas depois, levantou os olhos.

— Linha 42. Estimativa otimista demais para o tipo de solo. O reforço estrutural foi subestimado.

Pontual. Precisa.

Deliciosamente irritante.

— Vai trabalhar comigo nesse projeto — informei. — Diretamente.

— Entendido.

— Vai conseguir lidar com isso?

Ela me fuzilou com o olhar mais frio que já vi em alguém que ainda está em período de experiência.

— Projetos não me intimidam, senhor. E tampouco o senhor.

Sorriso contido. Vontade de rir? Imensa.

----

Mais tarde, na minha sala, Dex apareceu. Sem bater, como sempre.

Camisa amarrotada, café na mão, cara de quem dormiu pouco e vive muito.

— Ouvi falar que a nova funcionária veio com pedigree — disse, se jogando na poltrona da frente.

— Quem está espalhando isso?

— Natália. E metade do andar. Você sabe que quando você aparece com alguém novo, o povo surta. Acham que é sua nova protegida. Ou seu novo passatempo.

— Eles sempre acham — respiro fundo. — Mas essa é diferente.

— Ah. É mesmo? — Dex arqueia uma sobrancelha. — Você falou isso da arquiteta de Milão. E da estagiária da comunicação. E da consultora ambiental…

— Elas eram interessantes. Por motivos diferentes.

— E essa?

— Essa me desafia. Não tenta me agradar. Não tropeça na própria língua. E, o mais curioso… tem um olhar que diz “não estou nem aí pra você”, mas o corpo inteiro grita o contrário.

Dex riu, curto.

— Então você está obcecado por uma mulher que finge não estar obcecada por você. Que saudável.

— Eu não estou obcecado.

— Claro. Só desceu até a recepção pra recebê-la pessoalmente. Só observou cada reação dela como quem estuda um mapa. Só tá aí com esse sorrisinho idiota…

— Vai trabalhar comigo. Quero saber como ela funciona.

Dex se levantou, dando dois tapinhas na mesa.

— Só cuidado pra não desmontar o brinquedo antes de entender o mecanismo. Às vezes, a peça mais interessante é a que não veio pra jogar.

Fiquei em silêncio.

Ele foi embora, e eu me vi olhando pela janela de novo.

Melo ainda estava na estação dela. Atenta, concentrada.

Inacessível.

Mas até o código mais fechado tem uma brecha.

E eu sou muito bom em encontrar brechas.

Continue lendo este livro gratuitamente
Digitalize o código para baixar o App
Explore e leia boas novelas gratuitamente
Acesso gratuito a um vasto número de boas novelas no aplicativo BueNovela. Baixe os livros que você gosta e leia em qualquer lugar e a qualquer hora.
Leia livros gratuitamente no aplicativo
Digitalize o código para ler no App