Alicia encostou a cabeça no vidro do táxi, os olhos fixos nas luzes que passavam rápidas pela cidade.
A avenida parecia silenciosa, mas dentro dela... um furacão dançava sem controle. Victor D’Abruzzi. Ela não sabia o nome dele, mas jamais esqueceria o gosto, o toque, o modo como ele a fez se abrir, se derreter, se perder — e, de alguma forma, se encontrar. Nunca havia sido tocada daquele jeito. Seu corpo ainda vibrava, mesmo sob o vestido alinhado. As coxas tremiam suavemente. Os lábios ardiam. O coração... esse não sabia se corria ou parava. Assim que entrou em casa, trancou a porta, encostou-se à madeira fria e deixou o ar escapar com um suspiro profundo, quase um soluço. Tirou os sapatos, a bolsa, e caminhou em silêncio até o banheiro. Na frente do espelho, se encarou. Quem era aquela mulher? Como pôde se entregar a um desconhecido... assim? Como pôde deixar que alguém invadisse sua alma com tanta naturalidade, como se fosse dono de cada parte do seu corpo? A culpa era avassaladora. A vergonha a corroía. Mas... a felicidade a desarmava. Sentia-se leve. Sentia-se viva. Sentia-se liberta. — Eu não sou assim... — sussurrou para o próprio reflexo. Mas a imagem no espelho não a repreendia. Ela apenas sorria. Um sorriso tímido... mas satisfeito. Entrou no chuveiro, e conforme a água morna descia por sua pele, as lembranças vieram com força. As mãos dele. A boca dele. Os gemidos. Os olhos cravados nos dela enquanto seus corpos se uniam com uma entrega absurda. A língua. Instintivamente, Alicia passou a mão pelo próprio corpo, relembrando cada toque. Fechou os olhos, apertou os seios, desceu lentamente pelos quadris, e sentiu de novo... o calor. O desejo. Queria mais. Mais dele. Mais daquilo. Mais de tudo. Como alguém desconhecido pôde fazê-la sentir tanto? Como pôde perder tanto o pudor? Mas não havia volta. Nunca mais seria a mesma. Ela terminou o banho, enxugou-se devagar, vestiu um pijama leve e deitou-se na cama com os cabelos ainda úmidos. Queria lembrar seu rosto, mas estava tão confusa... Pensou no lenço. No toque respeitoso ao final. No beijo terno após o prazer selvagem. Ele era real? Ou apenas uma fantasia que o universo lhe concedeu por uma noite? Adormeceu com o corpo saciado, mas a mente em ebulição. Sonhou com mãos. Com bocas. Com olhos escuros e a voz rouca sussurrando “você é perfeita”. O despertador não tocou. Acordou num salto, assustada, olhando o celular: 08h00. — Oh céus! — exclamou, saindo da cama como um raio. Alicia sempre chegava ao escritório às 08h45. Gostava de estar adiantada, de ter tempo para organizar sua mesa, revisar o que fosse necessário, e tomar seu café com calma. Mas naquela manhã, nada estava sob controle. Vestiu-se às pressas — uma calça de alfaiataria cinza e uma blusa de seda branca, e um belo casaco Off-Whit longo e elegante — enquanto ajeitava o cabelo no espelho e passava o batom com pressa. O rosto estava bonito como sempre. O olhar... diferente. Mais intenso. Mais brilhante. Mais mulher. Pelo menos, pensou aliviada, morava a poucos minutos do escritório. Vestida, elegante e no salto, Alicia saiu às pressas. O sol frio da manhã parecia zombar do caos em sua mente. Ainda estava atordoada — não apenas pelo atraso, mas pela lembrança latejante daquela noite. Um estranho que a tocou como nenhum homem jamais fizera. Um estranho que jamais esqueceria. Chegou ao edifício moderno onde funcionava o prestigiado escritório de advocacia Whitmore & Hunt LLP, subiu pelo elevador de vidro e tentou respirar fundo. — Controle. Discrição. Foco. — sussurrou a si mesma. Assim que entrou no andar principal, cruzou com ele. Adrian Leal. O terno azul marinho, o olhar confiante, a mesma expressão de sempre — como se o mundo o admirasse. E, de fato, admirava. O problema era saber demais quem ele era de verdade. Ele a observou de cima a baixo, como quem avalia uma propriedade que tem nas mãos. Sorriso de canto. Suficiente. Arrogante. — Acordou atrasada? — comentou com falsa leveza. — Isso não é muito seu estilo. Alicia manteve o olhar firme. Não valia a pena dar-lhe o gosto de qualquer reação. — Tem razão. Mudanças de hábito às vezes vêm acompanhadas de... revelações. Ele arqueou a sobrancelha, confuso. — Como assim? Ela se aproximou um passo. — Como, por exemplo... descobrir que certas viagens de negócios não passam de desculpas para se estar com outra mulher. O sorriso dele sumiu por completo. — Eu... — ele começou, mas nada saiu. Alicia inclinou a cabeça com elegância. — Pode guardar a explicação, Adrian. Eu vi. E já passou da hora de deixar de ser cega. Virou-se e seguiu pelo corredor. O salto ecoava como um veredicto. Adrian ficou ali, imóvel. Os ombros tensionados, a mandíbula cerrada. Alicia sentiu o olhar dele queimando em suas costas. Mas não se abalou. Ela havia mudado. Seguiu até sua sala e fechou a porta com calma. Encostou-se na madeira por um instante, tentando controlar a respiração. Foi então que ouviu a voz animada de sua colega e amiga, entrando sem bater como de costume: — Bom diaaa! Meninaaaa, me conta TUDO! — disse Lorena Tavares, advogada brilhante do mesmo escritório, mais velha que Alicia, 32 anos, sua confidente e parceira de cafés fora de hora. — Eu não consegui ir ontem! Atendi uma emergência no interior com um cliente surtado. Mas fiquei sabendo que a festa estava maravilhosa... Cadê os babados? Alicia respirou fundo, abriu um leve sorriso e se sentou à frente do computador. — Lorena, você não faz ideia... — Ai, não enrola, mulher! Me conta! Como estava o buffet? Os figurões? E, mais importante: aquelas mulheres do jurídico da Mendes Tech estavam se achando mesmo? Alicia riu baixo. Aquela era Lorena: tagarela, observadora, afiada. — O buffet estava ótimo. As Mendes Tech também... mas — hesitou, encarando a amiga com um olhar mais sério — o que aconteceu comigo ontem foi... inesperado. — Ué? O que houve? — Lorena se sentou de frente para ela, curiosa. — Aconteceu alguma coisa? — Eu... — Alicia desviou os olhos. — Eu vi o Adrian com outra mulher. — O quê? — Lorena arregalou os olhos. — Na festa? Na frente de todo mundo? Alicia assentiu, mordendo levemente o lábio inferior. — Foi humilhante. Eu não esperava... mesmo depois de tudo. Foi como se ele tivesse rido da minha dor, publicamente. — Aquele filho da... — Lorena conteve-se. — Ai, eu sabia que ele não prestava. Mas você tá bem? Alicia respirou fundo. — Eu não sei. Acho que sim. Eu fiquei muito abalada, bebi um pouco demais e... fui tentar achar o banheiro. Foi aí que... — ela hesitou — um homem apareceu. — Hmmm... um homem? — Lorena cruzou os braços e se inclinou pra frente com aquele sorrisinho malicioso. — Bonito? — Lindo. Impressionante, na verdade. Alto, elegante, discreto, mas... com um olhar que desarma. Ele me viu meio pálida e tonta, perguntou se eu estava bem... e depois sumiu. — Sumiu? Assim, do nada? — Sim. Ele desapareceu. E eu... acabei indo embora. Sozinha. Ela não podia contar a verdade. Não sobre aquela parede. Não sobre aquele beijo. Não sobre aquele toque. Ainda não. Lorena assentiu, compreensiva. — Bom... pelo menos não terminou a noite com o Adrian, né? Esse já devia ter sumido da sua vida faz tempo. Alicia sorriu de leve, melancólica. — É... eu também acho. Mas, no fundo, ela só conseguia pensar na boca daquele homem. Na voz. Na maneira como ele a olhou como se enxergasse sua alma... e como a despiu como se já a conhecesse.