A noite caía como um véu de silêncio sobre Bangkok, mas nem mesmo a escuridão era capaz de esconder o que se movia nas sombras. Havia algo diferente naquela noite — o ar parecia mais denso, como se pressentisse o que estava por vir.Pravat e Bela estavam no antigo escritório do avô dele, dentro da mansão ancestral da família. Era um lugar raramente usado, com móveis de madeira escura, cheiro de couro antigo, estantes pesadas abarrotadas de livros jurídicos e comerciais, e lembranças pesadas demais para serem ignoradas. Ali, cercados por retratos de gerações passadas e objetos que contavam silenciosamente a história dos Arunraksa, eles vasculhavam arquivos escondidos atrás de uma estante falsa, revelada por um mecanismo secreto que Bela havia descoberto acidentalmente ao pressionar um símbolo entalhado de flor de lótus.O mecanismo rangeu como um sussurro de um fantasma, revelando um compartimento oculto de aço. Dentro dele, uma pasta antiga, protegida por uma manta de seda preta com b
O eco das palavras de Arun ainda pairava no ar, como uma lâmina suspensa sobre todos na sala. Após sua saída, o ambiente permaneceu mergulhado em um silêncio tenso, como se ninguém ousasse ser o primeiro a quebrar o feitiço que sua presença deixara para trás. Pravat permaneceu parado, sentindo o peso das palavras do tio ressoando em sua mente como sinos de alerta: “Nem todas as verdades são fáceis de suportar.”— Ele apareceu… — Bela murmurou ao seu lado, os olhos ainda fixos na porta por onde Arun saíra. — E com ele, tudo mudou.Pravat assentiu, mas não respondeu. Seu coração batia em um ritmo descompassado, como se tivesse acabado de sair de um campo de batalha. E, de certa forma, tinha. Um campo de guerra velado, onde as armas eram olhares, palavras e histórias enterradas.Sabia que não podia simplesmente deixar as coisas como estavam. A presença de Arun, tão repentina quanto ameaçadora, era um sinal claro de que o jogo havia escalado. Aquilo não era apenas uma disputa por poder —
O ar na casa estava espesso, pesado com o peso das últimas revelações. Pravat havia se retirado para o escritório, tentando organizar seus pensamentos, mas as palavras de Sinn reverberavam como um tambor retumbando em sua mente."Ele quer reescrever tudo o que seu pai fez."A ideia de Arun, seu tio, tentando apagar o legado de seu pai, fazer desaparecer tudo o que a família Silken representava, fez seu sangue ferver. Ele não sabia até onde estava disposto a ir para proteger o que ainda restava da memória de sua família, mas sabia que não poderia ficar parado. Não agora. Não depois de tudo o que ouviu.Enquanto isso, Bela estava no outro cômodo, absorta em seus próprios pensamentos. Ela estava com um arquivo nas mãos, um pequeno caderno de couro envelhecido, cujas páginas estavam repletas de anotações feitas à mão. Era algo que Pravat nunca tinha notado antes, mas que Bela parecia ter descoberto quando procurava nos arquivos antigos da empresa. Ela virou a página com cuidado, como se t
O avião pousou com um leve solavanco, como se a própria terra estivesse reagindo à chegada de algo inevitável. Bangkok se estendia além das janelas, vibrante e caótica como sempre — uma tapeçaria viva de concreto, fios elétricos e cores intensas, pulsando sob um calor úmido e opressivo. Para Pravat, era como voltar ao centro de um furacão que nunca parou de girar.Do lado de fora, o céu estava nublado, como se a cidade soubesse que algo se aproximava. Era início da tarde, mas uma estranha penumbra envolvia o horizonte. Kaipo, Mikhail, Takeshi, Kwame, Achille e Lobo saíram um a um, os rostos marcados pela viagem, os corpos tensos pelo que sabiam que teriam de enfrentar. O grupo estava unido, mas o peso do passado parecia ter embarcado junto com eles.— Bem-vindos ao inferno tropical — murmurou Pravat com um sorriso amargo, enquanto puxava a alça da mochila. — Lar doce lar.O calor os atingiu como uma parede ao deixarem o aeroporto. Um bafo quente, espesso, carregado de gasolina, especi
O céu de Bangkok parecia mais carregado do que o habitual naquela tarde abafada. O calor era sufocante, mas Pravat mal notava. Seus olhos estavam fixos na janela do táxi enquanto os prédios passavam como vultos borrados. A cidade fervilhava como sempre, mas algo dentro dele estava congelado, suspenso entre ansiedade e antecipação.Ao lado dele, Bela observava cada movimento, sentindo a tensão que irradiava do corpo do amigo. Ela sabia o que aquela viagem significava. Estavam prestes a encarar uma parte da história que Pravat sempre evitou: o passado da sua mãe, e o elo misterioso com Kaew, a mulher que surgia nos relatos como sombra e promessa.— Estamos quase lá — disse o motorista, apontando com a cabeça para o cruzamento que se aproximava. — A residência Kaew Ratanakosin fica depois daquela rua.Pravat assentiu sem falar. O nome soava pesado. Kaew. Sua mãe sempre mencionara essa mulher com um tom ambíguo — entre respeito, medo e ressentimento. E agora, finalmente, ele estava a minu
O silêncio após a revelação de Kaew pairava no ar como uma tempestade suspensa. Cada segundo era um fio tenso prestes a romper. A presença dela ali não apenas surpreendia — desafiava a lógica. O que ela ganharia ao ajudá-los? Ou seria só mais uma peça num tabuleiro de intenções ocultas?Ela deu um passo à frente, com a mesma serenidade calculada de quem já esteve várias vezes à beira do abismo. De dentro do casaco tirou um envelope de couro escurecido pelo tempo e pelas memórias que carregava. O som do couro se dobrando ecoou pelo quarto abafado, onde a luz fraca filtrava-se pelas cortinas pesadas do hotel.— Isto pertenceu ao seu pai — disse ela, entregando a Pravat o objeto com um olhar denso. — Ele me deu para guardar quando tudo começou a ruir.Pravat segurou o envelope como se ele pudesse queimar suas mãos. Dentro, encontrou uma chave metálica, fria como gelo e marcada com um número: 55-B. Sua garganta secou ao reconhecer o estilo. Cofre bancário de segurança máxima. Não era qual
O calor era diferente. Não o abafado que Bela conhecia no Brasil — era como se o ar na Tailândia, mais especificamente em Bangkok, fosse mais denso, mais úmido, quase líquido. Como se o mundo transpirasse junto com ela. Assim que cruzou as portas do aeroporto, um bafo quente e carregado a envolveu por completo, como se alguém tivesse aberto a porta de um forno tropical. O suor brotou quase instantaneamente em sua testa, escorrendo pelas têmporas mesmo sob o ar-condicionado que tentava sobreviver nos saguões.O mundo pareceu girar: motos cruzavam as ruas sem regra, letreiros coloridos piscavam em tailandês, e o cheiro de especiarias se misturava com o escapamento dos tuk-tuks. Era caos. Puro, desorganizado, quase agressivo. Mas também fascinante.Ela parou por um instante no meio do saguão externo, com a mochila pesando nas costas e a mala surrada na mão, tentando absorver tudo ao mesmo tempo. Um taxista gritou algo que ela não entendeu, acenando com uma placa improvisada; ao lado, uma
O primeiro dia na Universidade de Artes de Bangkok parecia uma montagem de filme: jardins meticulosamente cuidados, esculturas modernas ao lado de templos tradicionais, e estudantes vestindo uniformes impecáveis misturados a outros com estilo ousado, quase rebelde. Bella sentia como se estivesse em dois mundos ao mesmo tempo — o antigo e o novo, a tradição e a ousadia, em um contraste que a deixava ao mesmo tempo fascinada e um pouco perdida.Ela prendeu o cabelo em um coque alto, tentando domar os fios rebeldes que insistiam em escapar, vestiu sua camisa branca do uniforme com um jeans de cintura alta — uma pequena rebeldia permitida — e colocou sua melhor tentativa de confiança no rosto. Por dentro, sentia o coração disparado. Tudo era novo. O idioma, o clima, os rostos, os sons. Mas ela estava ali, de corpo e alma. Era o começo de uma nova vida.Ao entrar na sala, todos a encararam por alguns segundos. Um daqueles momentos de silêncio desconfortável, onde até o ranger das cadeiras