POV Henry Blackwood
Minha vida sempre foi feita de controle. Mas ninguém nasce com ele — aprende-se. Cresci sob o olhar exigente dos meus pais, em uma casa onde o sucesso era esperado, não celebrado. Meu pai, Charles Blackwood, acreditava que emoções atrapalhavam decisões. Era o tipo de homem que media o valor de alguém pelo resultado, não pelo esforço. Minha mãe, Eleanor, era elegante e inteligente, mas tão contida quanto ele. Afeto, em casa, vinha em forma de metas atingidas, prêmios conquistados e comportamentos impecáveis. Meu sobrenome sempre abriu portas, mas nunca me iludi com isso. Desde cedo entendi que heranças não constroem legados, apenas testam se você é digno de tê-los. Aos doze anos, já acompanhava meu pai em reuniões. Ele não falava muito, apenas observava e esperava que eu fizesse o mesmo. Foi assim que aprendi a ler expressões, prever intenções e entender que confiança é a moeda mais cara no mundo dos negócios. Quando entrei na universidade de negócios, muitos achavam que eu teria o caminho fácil. Estavam errados. Escolhi não depender da influência da família. Trabalhei em silêncio, criando minha própria rede, meus próprios investimentos, enquanto outros se apoiavam em sobrenomes. Aos vinte e cinco anos, lancei minha primeira empresa de tecnologia. Pequena, mas promissora. E a partir dali tudo cresceu rápido demais para que eu olhasse para trás. Meu pai me observava à distância. Raramente elogiava, mas o olhar dele dizia mais do que qualquer palavra. Orgulho contido, misturado com o incômodo de perceber que o filho havia ultrapassado o pai. Minha mãe, sempre diplomática, dizia estar feliz, mas sua preocupação era nítida, temia que eu me perdesse no ritmo do próprio sucesso. Hoje, quando olho para tudo o que conquistei, sei que a base que eles me deram foi essencial, mas o império que ergui é inteiramente meu. A Blackwood Tech não nasceu de herança, e sim de noites sem dormir, de riscos calculados e de decisões que poucos teriam coragem de tomar. Tenho o nome Blackwood, sim, mas o poder que o acompanha… esse eu conquistei sozinho. Mesmo assim, há momentos em que o silêncio do meu escritório me lembra o que perdi no caminho. Os jantares de domingo que deixei de comparecer, as conversas nunca tidas, o “estamos orgulhosos de você” que nunca veio da forma que eu esperava. Talvez seja por isso que o sucesso, apesar de absoluto, às vezes soe vazio. O último andar da torre da Blackwood Tech é o único lugar onde consigo respirar. De lá, Eversfield se estende diante dos meus olhos em linhas de vidro e aço, e tudo parece sob controle. Gosto da rotina: chegar cedo, revisar relatórios, acompanhar cada projeto, cada decisão. É exaustivo, mas previsível. E previsibilidade me dá paz. As pessoas costumam me descrever como frio. Talvez eu seja. A objetividade é uma forma de defesa, um mecanismo para manter as emoções sob rédea curta. Dentro destas paredes, não há espaço para distrações, e todos sabem disso. No entanto, naquela manhã, algo quebrou a sequência habitual de previsibilidade. Sophie, minha assistente, entrou no escritório com uma pasta nas mãos. — Senhor Blackwood, chegaram os perfis finais para a vaga de analista júnior. O senhor pediu para revisar pessoalmente — disse com a eficiência de sempre. Assenti e peguei o dossiê. Naquele momento, era apenas mais uma pilha de currículos. Mas, ao abrir o arquivo, um nome chamou minha atenção: Zoey Sinclair. Formada pela Universidade Blackstone de Tecnologia, boas notas, histórico limpo, nenhum sobrenome conhecido. Apenas esforço. Li as observações dos avaliadores e vi algo que raramente aparecia nos relatórios: “brilhante, mas ainda em formação. Entusiasta, determinada e com senso de propósito acima da média.” Não sei por que continuei lendo, mas continuei. Talvez fosse o modo como aquelas palavras soavam diferentes, quase… vivos. Havia algo autêntico ali. E autenticidade é rara em um mundo movido por aparências. Fechei a pasta e disse: — Quero entrevistá-la pessoalmente. Sophie levantou o olhar, surpresa. — O senhor? — Sim. Agende para amanhã de manhã. Não precisei explicar o motivo. Ela sabia que eu não perdia tempo com entrevistas de base. Mas, por alguma razão, aquela candidatura não podia ser delegada. Na manhã seguinte, quando ela entrou no meu escritório, o ar pareceu mudar. Zoey Sinclair era diferente do que imaginei. Tinha postura firme, mas o olhar curioso, quase inocente. O tipo de olhar que o tempo e o mercado ainda não tinham corrompido. Ajeitei a gravata, um gesto automático, e me obriguei a manter a expressão neutra. — Zoey Sinclair? — perguntei, mantendo o tom profissional. Ela assentiu, ligeiramente nervosa. — Por favor, sente-se — apontei para a cadeira em frente à minha mesa. Enquanto ela falava sobre sua trajetória, sua voz soava sincera, sem adornos. Falou de desafios, de superação, de vontade de crescer. Perguntei: — Vejo que se formou recentemente pela Universidade Blackstone de Tecnologia. Como foi a experiência? — Desafiadora mas transformadora — respondeu. — A universidade exigiu muito de mim e me preparou para enfrentar situações complexas. Aprendi a trabalhar sob pressão e a encontrar soluções criativas para problemas inesperados. Observei cada palavra, cada pausa. — E por que a Blackwood Tech? Há tantas empresas no setor. O que fez você escolher justamente a minha? — Porque acredito que aqui está o futuro. A Blackwood Tech é referência em inovação e em impacto global. Eu quero aprender com os melhores e contribuir para algo que realmente faça diferença. Minha sobrancelha ergueu levemente — sinal de que ela havia me surpreendido. — E o que você acredita que pode oferecer a esta empresa? — perguntei inclinando-me levemente à frente. — Dedicação, resiliência e capacidade de aprender rápido. Sei que ainda não tenho anos de experiência mas tenho a determinação necessária para compensar isso. Estou disposta a crescer junto com a empresa. O controle escorregou por um instante. Ela tinha algo que a maioria das pessoas aqui não tinha: verdade. — Você se considera competitiva, Zoey? — Considero sim, mas acredito que competir não significa derrubar os outros e sim buscar constantemente a minha melhor versão. Um leve sorriso quis escapar, mas contive. — E se eu disser que não tenho interesse em contratar alguém inexperiente, mas que há algo em você que me faz reconsiderar? Ela respirou fundo. — Responderia que acredito no meu potencial. Sei que preciso provar meu valor e estou disposta a trabalhar duro para isso. Por um momento, o tempo pareceu desacelerar. O olhar dela sustentava o meu — intenso, firme, desarmado. Encerramos com formalidade. Ela agradeceu e se retirou, mas quando a porta se fechou, percebi que algo dentro de mim havia se movido. Peguei o telefone. — Sophie, siga com a contratação de Zoey Sinclair. Coloque-a na equipe de desenvolvimento. — Entendido, senhor. Horas depois, no meu apartamento no centro de Eversfield, o silêncio da noite era quase incômodo. A cidade brilhava abaixo, viva e impaciente, refletida nas janelas panorâmicas. Eu me servi de um uísque e sentei no sofá, tentando não pensar nela. Mas é difícil controlar o que a mente insiste em repetir. A imagem de Zoey voltava como uma lembrança indesejada. Jovem, determinada, com aquele olhar que parecia ver o que eu escondia. Balancei a cabeça. Era só uma funcionária. Um nome entre centenas. Ainda assim, havia algo nela que eu não conseguia ignorar. E enquanto a cidade dormia, percebi que, pela primeira vez em muito tempo, algo havia escapado do meu controle.