POV Joey Sinclair
A primeira segunda-feira com Henry Blackwood de volta à torre foi como ligar um interruptor de alta tensão. A diferença entre a semana anterior, dominada pela calma austera de Patrick e Liz, e o dia de hoje era palpável. O silêncio no 35º andar não era mais de concentração; era de tensão absoluta. O ar parecia mais fino e os funcionários andavam mais rápido com olhares fixos nas telas. Eu mal tive tempo de deixar minha bolsa na mesa antes que Sophie, a assistente, anunciasse a reunião matinal na sala de conferências do CEO. Ao entrar na sala a presença de Henry me atingiu com a força de um soco no estômago. Ele estava de pé ao lado da tela de projeção impecável em um terno cinza-chumbo com uma postura que irradiava poder e controle total. Seus olhos que na entrevista haviam sido curiosos e penetrantes agora eram impessoais. Sentei-me discretamente na ponta da mesa ao lado de Patrick. Henry esperou que todos estivessem em seus lugares. — Bom dia. Vamos ser rápidos. — Sua voz era baixa mas projetada sem a familiaridade que eu havia sentido na entrevista ou na troca de e-mails. — Eu estava fora e o mercado continuou a se mover. Não temos tempo para recuperação. A reunião foi uma demonstração de frieza tática. Ele destrinchou os projetos fez perguntas duras sobre métricas de desempenho e cortou qualquer divagação de seus gerentes com uma eficiência brutal. Ele se dirigiu a Patrick, a Diana e até a Liz, mas quando o olhar dele passou por mim, ele não parou. Era como se ele estivesse me riscando da lista de pessoas relevantes. Eu era apenas Sinclair, uma funcionária novata a ser ignorada. Quando Patrick me deu a palavra para uma atualização breve sobre os compliance checks, Henry nem sequer moveu a cabeça. — Analista Sinclair — ele disse com a voz plana. — Seus relatórios devem ser sucintos. A Blackwood Tech não investe em prosa. O sarcasmo disfarçado de eficiência me atingiu. Ele estava me colocando no meu lugar reafirmando que eu era apenas código e números, nada mais. O desafio que ele havia lançado na entrevista estava sendo cobrado agora, com juros. — Entendido senhor — respondi mantendo o tom o mais neutro possível mesmo sentindo o calor subir ao meu rosto. O resto daquela semana seguiu o mesmo padrão, uma repetição diária de frieza calculada. Henry construiu uma barreira invisível entre nós, mantendo-se sempre a três níveis de gerência de distância. Quando eu precisava de sua autorização ou feedback em projetos cruciais a comunicação era sempre através de Patrick ou Sophie. Eu estava frustrada mas não intimidada. Aquele jogo de poder apenas inflamou a minha determinação. Henry Blackwood queria números? Eu daria a ele a análise de dados mais limpa e eficiente que ele já tinha visto. Ele queria distância? Eu faria o meu trabalho ser tão indispensável que ele seria forçado a quebrar essa distância. Era o final da tarde de sexta-feira. Enquanto todos se preparavam para o fim de semana, eu estava na minha mesa vasculhando os dados de um novo lançamento de software que deveria ocorrer na semana seguinte. Notei uma inconsistência sutil um pequeno erro de cálculo que em escala global poderia significar um risco de milhões em perda de receita. Ninguém mais havia detectado pois era um erro de lógica muito bem mascarado dentro de uma sub-rotina do código principal. O grande erro residia na forma como o algoritmo de streaming de dados do Sigma-7 — o carro-chefe da empresa — lidava com a conversão de moedas voláteis em mercados emergentes. O sistema estava arredondando para cima em demasia nas microtransações. Era uma diferença de centavos, mas quando multiplicada pelos bilhões de transações diárias que a plataforma da Blackwood Tech processava, o desvio representava um rombo de US$ 2.3 milhões por dia em conformidade regulatória. Se as auditorias descobrissem antes de corrigirmos, a multa seria catastrófica. Eu não estava apenas salvando um projeto; eu estava salvando a reputação financeira da empresa. Eu poderia ter enviado o relatório para Patrick, mas desta vez, eu quebrei o protocolo. Eu me levantei, respirei fundo e caminhei em direção ao escritório de Henry. Sophie tentou me interceptar com a cordialidade firme de sempre. — A Zoey. O Sr. Blackwood está em uma teleconferência crucial. Deixe o relatório com Patrick. — Eu entendo, Sophie — insisti. — Mas é uma falha de back-end na Linha de Produtos Sigma-7. Envolve um risco de US$ 2.3 milhões diários em perdas de compliance. Ele precisa ver isso agora. A menção exata do prejuízo convenceu Sophie. Ela hesitou por um momento e bateu na porta de vidro fosco. Henry estava de costas olhando para a vista panorâmica de Eversfield falando baixo ao telefone. Ele gesticulou para a tela de projeção indicando que ela fizesse silêncio. — Sim. Eu entendo o risco — ele dizia sua voz carregada de impaciência. Sophie sussurrou no meu ouvido: — Seja rápida. Ele não está de bom humor. Entreguei o tablet a Sophie que o colocou na mesa de Henry. Ele desligou a chamada abruptamente virou-se e viu que eu estava parada ali. Seu maxilar se apertou. — Sophie eu disse que não queria interrupções. — Senhor é a Analista Sinclair. Ela insiste que é urgente sobre a Sigma-7 e mencionou o risco de compliance nos dados. Henry pegou o tablet e olhou meu relatório. Seus olhos escanearam a análise de risco, fixando-se no destaque em vermelho onde eu sinalizei a inconsistência no código. A frieza na sua expressão vacilou pela primeira vez. Ele leu o valor do prejuízo diário e a gravidade da falha. Ele me olhou de cima a baixo sua voz voltando àquele tom grave da entrevista porém mais urgente. — Siga-me, Sinclair. Agora. Ele não me deu tempo de respirar. Em vez de ir para uma sala de reuniões ele me levou para uma sala de servidores escura e gelada cheia de ruído de ventiladores. O espaço era apertado mal cabiam nós dois e o terminal de monitoramento que ele acionou. Ficamos lado a lado ombro a ombro. Eu podia sentir o calor de seu braço contrastando com o frio do ar condicionado. O cheiro de seu perfume amadeirado era esmagador naquele espaço confinado. — Mostre-me a linha de código. Exatamente onde está a falha — ele ordenou o tom impessoal quase se desfazendo em necessidade. Enquanto eu digitava o caminho e explicava a lógica por trás da minha descoberta minha concentração estava em 100% no código e não mais nele. Eu estava na minha zona de conforto sendo a Zoey genial que ele havia contratado. — É uma falha de arredondamento, senhor. Um erro minúsculo que se torna catastrófico quando multiplicado pelos bilhões de transações diárias do Sigma-7. Não é um erro de lógica de negócio é um erro de cálculo base na conversão de moeda. Eu já isolei a sub-rotina. Henry não disse nada por um longo momento. Ele apenas olhou para a tela. Seu dedo roçou o meu brevemente quando ele apontou para uma linha de código, o toque foi elétrico. — Esta sub-rotina... ela foi aprovada pelo Patrick na revisão final — ele sussurrou, a voz quase perdida no zumbido dos ventiladores. Havia incredulidade e fúria contida em seu tom. — Como ele deixou passar algo dessa magnitude? — O erro só se manifesta em volumes muito altos e com taxas de câmbio específicas, senhor. É um ponto cego — expliquei, mantendo meu olhar focado na tela, mas completamente consciente de sua proximidade. — Foi necessário rodar uma simulação de estresse de cinco dias para detectá-lo. Ele soltou uma lufada de ar. Era um sinal de alívio e frustração. Ele se inclinou, aproximando o rosto para enxergar melhor o código, e eu pude sentir sua respiração quente em minha têmpora. — Você entende a gravidade disso, Sinclair? Se você não tivesse entrado agora... — Entendo. E estou pronta para aplicar o patch assim que o senhor der a ordem de acesso. O risco é real e imediato. Henry endireitou-se, e aquele breve momento de colaboração técnica se encerrou. Lentamente, ele virou a cabeça e olhou para mim. Desta vez, não houve frieza, não houve desprezo. Havia apenas aquele olhar intenso, faminto e incontrolável que eu havia encontrado na entrevista. Um olhar que não via a Analista Júnior, mas sim a mulher que ele não conseguia ignorar e a profissional que tinha acabado de salvar sua empresa de um prejuízo maciço. Aquele momento durou apenas um segundo antes que ele se recompusesse voltando a encarar a tela. — Corrija. Imediatamente, Zoey. O uso do meu primeiro nome, pela primeira vez no ambiente de trabalho, soou como um choque elétrico. Eu sabia: o jogo de distância dele havia acabado de falhar.