O frio me envolveu de novo. Mas dessa vez, não era da chuva. Era medo puro. Um tipo de medo que nunca senti, mesmo nos piores plantões da faculdade.
— Você está dizendo que minha vida corre perigo
— Estou dizendo que ela já mudou. — Ele me encarou de novo. — E se quiser viver… vai ter que confiar em mim.
Dei um passo para trás.
— Confiar em você? Um mafioso? Você invadiu minha casa sangrando, caiu no meu chão, me contou uma história absurda e agora quer que eu confie?
Ele suspirou fundo, com um cansaço que parecia pesar mais do que as balas.
— Eu poderia ter lhe deixado no escuro. Poderia ter morrido na rua ou invadido qualquer outro lugar. Mas vim aqui. Porque o sangue do seu pai corre em você. Porque ele salvou o meu pai inúmeras vezes. E agora… eu estou pagando essa dívida.
A confusão se misturava com a adrenalina. Eu não sabia o que era verdade, mas sabia que aqueles olhos — frios e intensos — não mentiam.
— O que você quer de mim? — perguntei, a voz baixa.
Ele me olhou por um longo momento. Então, com esforço, estendeu a mão.
— Quero que viva. E se confiar em mim… talvez eu consiga impedir que te matem.
O tempo congelou. Meus olhos na mão dele. Naquela escolha.
A vida que eu conhecia estava prestes a sumir. E tudo o que restava… era ele.
Luca Moretti.
O homem que podia ser minha ruína.
Ou minha única salvação.
Costurei a última linha com as mãos trêmulas, meu pulso ainda sentindo o peso do toque dele. A luz da luminária da sala projetava sombras longas no rosto de Luca, e o sangue seco contrastava com a palidez de sua pele. Ele era perigoso. E ainda assim, ali, estirado no meu sofá como um homem ferido e em silêncio, parecia mais humano do que eu imaginava possível.
Peguei a faixa de tecido e comecei a enrolar em volta de seu abdômen, com cuidado para não tocar as áreas suturadas.
— Isso vai manter os pontos firmes até eu conseguir antibióticos de verdade. E você precisa de repouso. No mínimo 72 horas. Mas duvido que vá me ouvir, não é?
— Inteligente e sarcástica. — murmurou com um meio sorriso. — Meu tipo favorito de médica.
Revirei os olhos. Era como se ele achasse graça de tudo — até mesmo da morte batendo na porta. Homens assim não sabiam temer. Não sabiam parar.
— Consegue se levantar?
— Já passei por piores. — retrucou.— Isso não é exatamente um elogio à sua condição atual. — rebati, ajeitando o curativo final.
Afastei-me e fui até a cozinha. A torneira aberta preenchia o silêncio com o som da água correndo. Lavei as mãos com movimentos automáticos, ainda ouvindo minha pulsação nos ouvidos. A informação sobre meu pai martelava na minha mente. Como um sussurro antigo que eu nunca ouvi direito, mas que sempre esteve ali, escondido.
Mas não havia tempo para pensar. Nem processar. Algo dentro de mim dizia que aquilo era só o começo.
Dei dois passos em direção à sala quando ouvi.
CRASH!
A porta da frente explodiu em estilhaços.
O grito ficou preso na minha garganta. O som da madeira se partindo reverberou nas paredes, e meu coração saltou para a garganta.
Um homem atravessou o batente como um demônio saído do inferno. Alto, ombros largos, roupas encharcadas e uma expressão vazia. O olhar escuro caiu em mim primeiro, depois em Luca, ainda apoiado no sofá.
— Achei você, desgraçado. — cuspiu as palavras como veneno.
— Sara, corre. — Luca falou baixo, tenso, se erguendo com esforço, pressionando a lateral do corpo.
Mas eu estava paralisada.
O intruso sacou uma pistola prateada. Os olhos brilharam com uma fúria animalesca. Eu deveria ter fugido. Ter me escondido. Mas fiquei ali. Como se meus pés tivessem sido cravados no chão.
Luca puxou um revólver pequeno de dentro da calça, escondido sob o cinto. Abaixou-se atrás do sofá. O movimento rápido fez o sangue escorrer outra vez, manchando a faixa.
— Você não devia ter vindo aqui, idiota. — o homem falou, dando um passo à frente.
— Você também está sangrando, Lorenzo. Foi só um aviso. — Luca grunhiu. — Se continuar, não sairá vivo.
— Você acha que isso me assusta? Depois do que fez com meu irmão? Eu vim terminar o que comecei. E agora ela também vai pagar.
O olhar dele voltou para mim. Foi quando percebi: ele estava ali para matar os dois.
Luca agiu antes que eu pudesse reagir.
BANG!
O som do tiro foi tão alto que meus ouvidos zuniram. A bala acertou o homem no ombro, fazendo-o recuar com um grito de dor. Ele cambaleou, mas não caiu. Levantou a arma e atirou.
A bala passou rente à minha cabeça e atingiu a parede.
Gritei. Me joguei atrás do balcão da cozinha, o coração batendo como uma bateria de guerra.
— Fica abaixada! — ouvi Luca gritar.
Outro tiro. E outro.
O som metálico do revólver sendo recarregado. Respirei fundo, tentando ignorar o cheiro de pólvora e sangue.
Não era um pesadelo.
Era minha casa.
Era a minha vida que estava sob ataque.
Ouvi passos pesados se aproximando. Estavam vindo até mim.
Peguei a faca da gaveta atrás do balcão. Tremia tanto que mal conseguia segurar, mas a agarrei como se fosse minha única tábua de salvação. Ele virou o canto da cozinha. Eu gritei e ergui a lâmina.
BANG!
O corpo do homem caiu a menos de um metro de mim. O sangue respingou no chão, quente, viscoso. Luca mancou até ele, ainda segurando o revólver. Os olhos frios. Mortos por dentro.
— Eu disse que não sairia vivo.
Fiquei ali, imóvel, com a faca na mão e a respiração acelerada. O silêncio que se seguiu foi ensurdecedor. A morte tinha entrado no meu lar e deixado uma marca impossível de apagar.
Luca caiu de joelhos. A ferida tinha reaberto.
Corri até ele.
— Luca!
— Estou bem… só… perdi sangue demais. — murmurou, a voz falhando.
— Cala a boca. Você não está bem, idiota. — falei, rasgando o lençol para improvisar outro curativo.
Meus dedos sujos de sangue tremiam enquanto o pressionava novamente.
— Ele… ele sabia meu nome. — murmurei.
— Sabem mais do que você imagina. — ele disse, com os olhos quase fechando.
— Quantos estão atrás de mim?
Ele abriu os olhos. Fixou os dele nos meus, e havia algo ali que não era mais só dor. Era…culpa.
— Todos.
A resposta me atingiu como um soco no peito.
— E você trouxe isso para mim, Luca. — minha voz saiu trêmula. — Você trouxe a morte para dentro da minha casa.
— Eu trouxe… a verdade. — ele respondeu, antes de desmaiar.
O sangue ainda escorria.
O corpo do inimigo jazia no chão da minha cozinha.
E eu, Sara Vasquez, estudante de medicina, filha de um homem que eu achava conhecer, agora era caçada por assassinos profissionais por causa de uma dívida antiga. E a única pessoa que poderia me manter viva… era Luca Moretti.
O homem que sangrava nos meus braços.
O homem que me destruiu, antes mesmo de me tocar.
O corpo estava ali, caído no meio da minha cozinha, com os olhos ainda abertos. O sangue se alastrava como uma sombra, manchando o chão de azulejos brancos. Eu tentava manter a mente funcionando, controlar a respiração, lembrar de algum protocolo de emergência…, mas nada na faculdade de medicina me preparou para isso.Nada no mundo poderia preparar alguém para isso.Luca ainda estava inconsciente, o corpo desfalecido no chão da sala, a respiração superficial e lenta. Seu rosto, apesar da palidez, ainda carregava a expressão endurecida de quem cresceu entre a violência. Mesmo inconsciente, ele parecia pronto para matar.— Droga… — murmurei, ajoelhando-me ao lado dele.Toquei seu pescoço, verificando os batimentos. Fracos. Mas constantes. A hemorragia havia recomeçado com o esforço e a troca de tiros. Pressionei novamente o curativo com força, tentando manter o sangue dentro do corpo dele enquanto minha mente girava em desespero.Então ele se mexeu.Os olhos se abriram devagar, pesados.
Por alguns segundos, tudo ficou em silêncio. Um silêncio tão absoluto que até o som do meu coração pareceu desacelerar. A pergunta dele ainda pairava no ar, como fumaça de pólvora depois de um tiro: “Vem comigo, ou fica e espera eles virem de novo?”Eu sou racional. Sempre fui. Treinada para pensar sob pressão, tomar decisões rápidas em meio ao caos. Mas aquilo… aquilo era diferente. Não era uma escolha clínica entre vida e morte. Era uma ruptura. Um abismo.E eu pulei.— Eu vou. — disse, sentindo a própria voz trêmula. — Só preciso de alguns minutos.Luca assentiu, exausto, e voltou a recostar-se no sofá, enquanto Marco me lançou um olhar breve — de aprovação, talvez, ou de pena. Não sei dizer.Corri para o meu quarto e puxei a mala que ficava guardada embaixo da cama. Ainda tinha poeira dos tempos em que eu imaginava que viajaria o mundo. Engraçado como a vida vira tudo do avesso num estalar de dedos. Agora, era fuga.Joguei a mala aberta em cima do colchão e comecei a pegar roupas
O quarto parecia mais uma cela de luxo do que um refúgio. Tudo ali era bonito, limpo, sofisticado... e absolutamente impessoal. As paredes tinham tons escuros e neutros, e a mobília era moderna demais para ter qualquer afeto. Como se ninguém tivesse vivido ali, mas tudo estivesse pronto para receber alguém em fuga.Eu.Sentei na beira da cama e soltei o ar que nem sabia que estava prendendo. Ainda estava com a roupa do plantão. O sangue nas mangas já tinha secado.De Luca, do invasor, talvez até meu. Nem sei mais. Cada batida do coração parecia um soco no peito, mas meu corpo ainda se mantinha em modo de alerta.De repente, alguém bateu à porta.— Doutora? — uma voz masculina, grave e educada.Me levantei com cuidado e destranquei a porta.O homem do outro lado era alto, de pele morena e olhos âmbar. Tinha o porte de um soldado, mas o rosto de alguém que já sofreu demais. Carregava uma bandeja com o que parecia ser comida.— Matteo pediu que eu trouxesse algo para você comer. E Luca q
POV LucaA chuva batia contra as enormes janelas da sala como uma mão inquieta, tentando entrar. Um prenúncio. Senti a umidade impregnada no ar, como se o próprio tempo pressentisse o que estava por vir.Abaixei a cabeça, apoiando os cotovelos na mesa pesada de carvalho escuro. Cada movimento fazia minhas costelas reclamarem, mas eu não me permitia demonstrar fraqueza. Não na frente dos meus homens. Não agora.Marco entrou sem bater. Como sempre fazia. Lealdade não precisava de convites formais.— Precisa descansar, chefe. — disse ele, de pé diante de mim, as mãos cruzadas atrás das costas.Ergui os olhos para ele. Marco parecia uma parede humana. Imóvel. Inquebrável. Alguém que eu teria ao meu lado até o fim — e que, se eu caísse, cairia junto.— Depois. — murmurei. — Primeiro, temos que falar sobre ela.— A garota?Assenti, olhando para o andar superior, onde sabia que Sara estava se preparando para dormir. Se é que conseguiria.— O que descobriu? — perguntei, puxando um cigarro da
A chuva caía como se quisesse lavar o mundo inteiro. As gotas batiam contra meu casaco encharcado, e cada passo pela calçada vazia ecoava como um sussurro incômodo no meu ouvido. Eram 23h37 quando girei a chave na porta de casa. Exausta, com o corpo pedindo socorro depois de mais de dezoito horas no hospital, tudo que eu queria era uma ducha quente e silêncio.Mas o que encontrei foi o oposto.Fechei a porta atrás de mim e deixei as chaves caírem na mesinha do corredor. Minha mochila escorregou do ombro. Ia direto para o chuveiro, mas então vi, um rastro escuro no chão. Gotas vermelhas. Não, não gotas. Marcas de Sague.Meu coração deu um salto seco. Travei. A luz fraca da luminária da sala desenhava sombras no chão de madeira, e o silêncio da casa parecia mais pesado do que nunca. Eu deveria ter corrido. Deveria ter ligado para polícia. Mas minha mente treinada em emergência agiu antes de qualquer medo.Meus olhos seguiram o rastro. As marcas iam do parapeito da janela até o centro d