Ele se entregou à vida com Mariana, aos jantares românticos, aos passeios pela orla, às risadas despreocupadas, as compras de móveis para o berçário, o enxoval, exames, o médico de Ana havia se tornado o médico de Mariana, o berço que ele havia comprado com Ana foi repintado para agradar aos gostos de Mariana, as roupas de bebê que Ana tinha feito e as que tinha comprado foram todas para o filho que ele teria com Mariana.
O tempo voava, e ele não pensava em casa fora para pegar os itens que precisava, nem se quer deixava Mariana entrar para não se machucar, na para não ver as fotos rasgadas. Acreditava que estava vivendo sua nova vida, e Ana apenas uma lembrança distante que desapareceu no fundo da sua mente, uma lição dolorosa, mas necessária. E ele faria questão de ensinar seu filho a não cair no papo de mulher manipuladoras para que ele não sofresse. "Eu vou te proteger de tudo meu filho." ele falou uma noite para a barriga plana de Mariana, a cabeça encostada na pele branca, a respiração acalmando até dormir. Mal sabia ele que Ana, longe de ser a mulher frágil e arrependida que ele imaginava, estava em um caminho de transformação, forjando uma vida longe dele e de tudo que se quer sonharia em conhecer, uma que nunca mais faria seus mundos se chocarem. O plano dela era muito mais profundo e devastador do que ele poderia sequer conceber. À medida que Pedro se afundava cada vez mais em sua nova realidade com Mariana, completamente alheio à verdadeira natureza dos acontecimentos, Ana, por sua vez, estava se desvencilhando das amarras de um passado que a aprisionava sua alma com correntes de dor e abuso. Ela sentia pontadas em sua alma, os pensamentos do que poderia ter acontecido, mas nenhumas dessas pontadas era de arrependimento, arrependimento esse que Pedro havia pintado em sua mente, mas sim uma mulher em plena ascensão, com a mente fervilhando de planos e uma determinação inabalável para conseguir uma vida melhor longe da confusão que seu ex marido havia criado. O voo de Ana para uma nova vida não era só um desejo, era algo que já tinha planejado a muitos anos, o futuro da sua carreira estava lá, mas sempre se conteve pra proteger seu casamento. A decisão dela de ir para São Paulo não foi impulsiva; foi o ápice de um meticuloso planejamento. Em sua mente, cada detalhe estava sendo lapidado para garantir que o corte com o passado fosse não apenas limpo, mas definitivo. Demoraria para se cicatrizar e ela dúvida de que um dia iria esquecer tudo o que passou, mas a vida não para, como Pedro gostava de repetir, então ela iria seguir, sem ele. Ana visualizava o apartamento que alugaria, talvez um studio, a rotina que estabeleceria, o novo círculo de amigos, o emprego que antes mesmo de assinar o contrato já estava a desafiando a continuar. Ana não buscava uma fuga, mas sim uma reconstrução completa de sua existência. Não havia espaço para a raiva ou o ressentimento em seus pensamentos, apenas uma fria e calculada certeza de que merecia mais do que a vida que Pedro havia relegado a ela, sem mais dor, sem mais a incerteza, agora era somente ela. Em seus dias finais na cidade que estava regada de lembranças com Pedro, Ana agiu com uma eficiência quase robótica. Organizou seus documentos, dobrou melhor suas roupas e guardou seus itens essenciais, e descartou, sem hesitação, tudo que pudesse servir de âncora ao passado. Ela não revisitava memórias, não se permitia momentos de nostalgia. O foco estava inteiramente no futuro, mais exata no dia da viagem. Ela não podia mentir, durante aquela última semana ela esperou que Pedro viesse atrás dela, pedisse desculpas e assim os dois poderiam continuar a viver juntos, acreditava que podia superar tudo o que passaram, mas ele não veio. A imagem de Pedro se desvanecia gradualmente de sua mente, tornando-se apenas um vulto em um cenário distante. Para ela, ele já não existia e nem fazia mais diferença. Enquanto Pedro abraçava a ilusão de uma nova vida, convencido de que Ana era uma lição superada, a mente dela traçava rotas de crescimento e empoderamento. Assim que pisou no avião ela começou a imaginar os cursos que faria, as novas habilidades que aprenderia, os desafios profissionais que enfrentaria e venceria. Sem Pedro e sem Mariana, sem a sombra que o relacionamento deles foi. Em sua visão, São Paulo não era apenas uma cidade grande; era um portal para uma versão de si mesma que Pedro jamais conheceria – uma mulher forte, independente e inabalavelmente feliz. A cada passo, a cada embalagem lacrada, a cada despedida silenciosa, assim que o avião saiu do chão, Ana sentia um alívio crescente. Ela estava se libertando de um fardo invisível, se preparando para respirar um ar que era verdadeiramente seu. Ana fechou os olhos, sentindo o leve balançar do avião. Não era um adeus à cidade que ficava para trás, mas um "olá" silencioso para a mulher que ela estava prestes a se tornar. As nuvens lá fora pareciam algodão, e Ana sentiu como se estivesse flutuando acima de todas aspas suas antigas preocupações, do peso que Pedro e o passado exerciam sobre ela. Aquele voo não era apenas uma mudança de endereço, mas um rito de passagem, uma libertação. Uma única lágrima escorreu pelo seu rosto. Não era de tristeza, nem de arrependimento, mas de um alívio avassalador que se misturava com uma pontada de incerteza. Era a lágrima do fim de uma era e do início de outra, de uma dor que agora se transformava em força. A aeromoça, percebendo o momento, aproximou-se discretamente. "Está tudo bem, senhorita?" ela perguntou com uma voz suave. Ana abriu os olhos e forçou um pequeno sorriso. "Sim, está tudo ótimo", respondeu, a voz um pouco embargada, mas firme. A aeromoça assentiu e seguiu seu caminho, deixando Ana em sua bolha de pensamentos, rumo ao seu novo destino.