Capítulo 8

A semana que se seguiu ao desaparecimento de Ana da casa de família foi um período de estranha normalidade para Pedro, uma normalidade carregada de uma densa negação. Ele passou aqueles dias com Mariana, imerso na bolha confortável e efêmera que havia criado com a mulher que lentamente entrava em seu coração, criando raízes e firmando seu lugar. A presença dela, leve e despretensiosa, era um bálsamo para a ferida aberta que Ana causou com seu afastamento, um escape bem-vindo da tensão e da frustração que haviam se tornado a tônica de seu casamento.

Pedro, em sua mente, apagava cada vez mais a presença da ex esposa, cada beijo que trocava com Mariana, cada carícia, cada momento acalorado onde os seus corpos se conectavam, era um prego no caixão do seu relacionamento com Ana. As fotos rasgadas e a certidão de divórcio cortada tinham sido esquecidas em um canto do quarto, para ele, apenas parte do drama exagerado de uma mulher ferida que queria chamar sua atenção. Ele se recusava a aceitar a profundidade da decisão dela, a gravidade de suas ações. Era mais fácil vê-la como imatura e vingativa do que admitir sua própria parcela de culpa na ruptura. Ele se convenceu de que ela estava apenas tentando puni-lo, que logo se arrependeria e voltaria para casa de joelhos, e ele tinha paciência o suficiente para esperar que ela voltasse de joelhos, implorando por perdão. Essa autoenganação o permitia seguir em frente, aliviado, nos braços de Mariana.

Mariana, por sua vez, vivia em um apartamento moderno e espaçoso no centro de Ilhéus, um contraste gritante com a casa de Ana, em uma rua dos subúrbios. Ela era uma mulher independente, bem-sucedida em sua carreira de arquiteta, com uma aura de liberdade e leveza que atraía Pedro. Com ela, não havia a sombra da infertilidade, as conversas difíceis, a pressão constante. Eles falavam sobre viagens, sobre projetos de vida, sobre os lugares que ela havia conhecido na Europa. Pedro se sentia renovado, revigorado, como se tivesse encontrado um novo fôlego para sua vida.

"Pedro?" Mariana chamou uma noite, do banheiro. "Você pode vir aqui?" ele reconheceu o tom de voz, implorativo e manhoso, então não demorou para se juntar a ela no banho.

Foi assim que os dias passaram para Pedro.

Naqueles dias, ele sentia uma espécie de alívio perverso. Ana havia, em sua visão distorcida, liberado-o de um fardo. A ausência dela significava a ausência das cobranças, das lágrimas silenciosas, do peso da infertilidade. Ele a via como a responsável pela tristeza que havia se instalado em seu lar, e agora que ela "havia ido embora", ele podia respirar, buscar sua própria felicidade sem remorso. A cada dia, ele se convencia mais de que Ana estava apenas testando seus limites, e que ele deveria se manter firme.

Quando a semana chegou ao fim, Pedro decidiu que era hora de voltar para casa. Não para se desculpar, ou para implorar. Mas para reforçar a ideia de que ele não cederia à "birra" dela. Ele acreditava que, ao vê-lo firme em sua decisão e vivendo sua vida normalmente, Ana cederia, entenderia o erro e voltaria para casa, pronta para conversar sobre a adoção. Ele se imaginava voltando para uma Ana arrependida, que o receberia com os braços abertos, pedindo que ele fizesse a dor passar, chorando para que ele não fosse embora outra vez, que não se deitasse de novo com outra mulher.

Dirigiu de volta para casa com uma confiança renovada, mas também com uma ponta de ansiedade. Ao chegar em casa, o sol já se punha, pintando o céu com as mesmas cores vibrantes de uma semana antes. Ele estacionou o carro e desceu, sentindo o familiar cheiro de maresia. No entanto, ao se aproximar da casa, a mesma sensação de estranheza e vazio o atingiu.

A porta estava entreaberta, exatamente como ele a havia deixado ao sair apressadamente. As luzes estavam apagadas, a casa mergulhada em um silêncio sepulcral. Pedro empurrou a porta e entrou. A sala estava em desordem, não bagunçada, mas desorganizada. Os panfletos de adoção que ele havia deixado sobre a mesa de jantar estavam espalhados pelo chão. As fotos mutiladas, o envelope e a certidão de casamento rasgada ainda estavam ali, intocados, como um memorial silencioso. A caneta que Ana havia usado para escrever o bilhete estava jogada ao lado.

Alguns móveis tinham sumido, a televisão, o rádio e até mesmo a cadeira da varanda onde Ana gostava de ficar.

A mesa, que ele esperava encontrar posta para o jantar, estava vazia e empoeirada. A cozinha estava limpa, sem o microondas e airfryer, geladeira entreaberta e sem comida, mas não havia sinal de vida. Ele caminhou pelos cômodos. O quarto de hóspedes, onde Ana havia se trancado, continuava exatamente como ela o havia deixado. O armário no quarto principal ainda estava aberto, vazio do lado dela. As joias que ele havia presenteado, também tinham sumido, a gaveta aberta.

A percepção de que Ana não havia voltado, de que a casa ainda estava vazia e ainda foi invadida enquanto estava fora, o atingiu com uma força brutal. Não era uma birra. Ela não havia se arrependido. Ela havia realmente o deixado, deixado tudo para trás. O choque inicial deu lugar a uma onda de raiva furiosa. Raiva por ter sido tão subestimado, por ter sido abandonado daquela forma fria e calculada. Aquele cenário de desolação era um ato deliberado, uma tortura. Depois de tudo que tinha feito pela vida de casal dos dois, por aquela casa.

Ele pegou a certidão de casamento rasgada, o bilhete, as fotos mutiladas. A mensagem dela era clara: ela o havia excluído de sua vida, e da forma mais cruel possível. A sensação de abandono, misturada com uma raiva avassaladora, consumiu Pedro de dentro para fora, o sufocando como uma mão invisível apertando sua garganta.

Em um acesso de fúria, ele jogou os papéis de volta na mesa, fazendo com que caíssem e se espalhassem pelo chão. Chutou uma das cadeiras da cozinha, derrubando-a com um estrondo. Andou de um lado para o outro na sala, sentindo-se encurralado, traído. Como ela pôde fazer isso? Como ela pôde simplesmente ir embora, sem uma palavra, sem uma despedida, deixando apenas o rastro de sua vingança?

O que ele não sabia, em sua cegueira egoísta, é que Ana havia sim deixado uma mensagem. Não apenas o bilhete na mesa, mas um documento formal que ele ignorou em sua raiva inicial. Na pressa de sair de casa, na ânsia de fugir para os braços de Mariana, ele não havia notado, sob os panfletos de adoção, um envelope mais formal, um documento que Cecília havia encaminhado por e-mail para Ana e que ela havia impresso e deixado visível. Era um documento de divórcio. Não um simples bilhete de "você escolheu", mas a materialização legal da dissolução de seu casamento. Ana não havia apenas ido embora; ela havia iniciado o processo formal para desatar os nós de sua união.

Pedro não viu o documento. Sua mente estava nublada pela raiva e pelo orgulho ferido. Ele se convenceu de que Ana estava apenas tentando uma última cartada, uma forma de forçá-lo a correr atrás dela. E ele não correria. Não depois de tudo que ela o fez passar nos últimos anos.

A raiva, paradoxalmente, o impulsionou de volta para a casa de Mariana, agora o seu porto seguro. Se Ana queria jogar aquele jogo, então ele jogaria também, de uma forma que ela se arrependeria de ter começado. Se ela queria seguir em frente sem ele, ele faria o mesmo. Ele pegou as chaves do carro novamente, sem sequer desempacotar sua mala, sem se preocupar em arrumar a bagunça que sua fúria havia causado. A pequena casa em Ilhéus permaneceu vazia, os vestígios da partida de Ana espalhados como evidências de um crime, a casa que um dia foi colorida e cheia de vida agora estava apagada.

Pedro chegou ao apartamento de Mariana tarde da noite, a raiva ainda borbulhando em suas veias. Mariana o recebeu com preocupação, notando sua agitação. “Pedro, o que aconteceu? Você está pálido.” ela segurou o braço forte do homem e o puxou para dentro de casa, o fazendo se sentar.

Ele desabou no sofá, a frustração explodindo. “Ela me deixou, Mariana. Ana me deixou. Foi embora. Rasgou todas as nossas fotos, cortou a certidão de casamento e deixou um bilhete dizendo que eu escolhi. Eu escolhi! Como se fosse fácil para mim! Ela agiu como uma criança, fugiu como uma covarde, por que ela não podia ser mais como você?!”

Mariana o ouvia com atenção, oferecendo-lhe um copo d’água e palavras de consolo, seu dedo indicador passando por entre os fios cacheados de Pedro. Sua presença era calmante, um contraste nítido com a tempestade que Ana havia se tornado. Naquele momento de vulnerabilidade de Pedro, Mariana se apresentou como um anjo protetor, a compreensão que ele tanto ansiava.

“Eu sinto muito, Pedro,” ela disse, tocando seu braço. “É terrível passar por isso. Mas talvez... talvez fosse inevitável. Vocês pareciam estar em caminhos diferentes, com desejos diferentes.” Mariana passou a mão na barriga plana, um olhar de dúvida passando em seu rosto.

As palavras de Mariana, embora simples, serviram para Pedro como uma validação de seus sentimentos. Era isso. Era inevitável. Ana estava sendo egoísta, fechada em sua própria dor, e ele, em sua busca por uma família, estava sendo justo. Ele havia sido liberado da prisão que havia se colocado por amor a ela.

"O que foi?" Pedro falou a notar a quietude da mulher.

"Nada." ela respondeu, aproximando o rosto do dele para beija-lo, ela não precisava ter pressa agora que Pedor estava com ela.

Assim, Pedro permaneceu na casa de Mariana. Os dias se transformaram em semanas. Ele contava com ela, com sua leveza, com a ausência de cobranças. Ele se convencia de que Ana estava arrependida, esperando por ele em casa, mas que ele não deveria ceder. Ele estava certo de que, em algum momento, ela bateria à porta de Mariana, implorando para que ele voltasse. Aquele seria o seu triunfo, a prova de que ele estava certo. Ele se permitiu acreditar na narrativa que sua própria raiva e orgulho construíram, afastando-se cada vez mais da realidade e da verdadeira magnitude das decisões de Ana.

Até que um dia Mariana o chamou para jantar em um restaurante, os dois usando suas melhores roupas e quando ele ofereceu vinho para Mariana e ela negou uma pontada de esperança apareceu em seu peito, mas ele logo apagou, não adiantava manter algo que só o faria sofrer.

No meio do jantar a mulher tirou da bolsa uma pequena caixa em um tom de amarelo pastel e com a tampa branca, Pedro sorriu, então abriu, e ali estava, um pequeno para de sapatos de bebê.

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