Capítulo 7

O sol escaldante de Ilhéus já começava a se pôr no horizonte, pintando o céu de tons alaranjados e roxos, quando Pedro, finalmente, estacionou o carro em frente à pequena casa de fachada colorida. Os dia que passou na casa de Mariana foram como encontrar água no deserto, sem q cara triste de Ana no fundo dos cenários da sua vida, com o cuidado, amor e paciência que recebeu por esses quatro dias, nem mesmo se lembrou que tinha discutido com Ana até passar na porta de casa. E ainda tinha seu trabalho, era como se sua esposa simplesmente tivesse deixado de existir junto com todos os seus problemas. Ele sentia os músculos doloridos, o corpo um pouco cansado e sujo de suor, tinha acabado de sair da fazenda e veio pra casa. Essa era o momento em que a rotina de sete anos de casamento se manifestava: Ana estaria esperando-o na porta, talvez com um sorriso gentil e um copo de água fresca, ou no mínimo, com a mesa posta e o aroma de comida caseira preenchendo o ar. Era um ritual, um pequeno conforto em meio à tensão que vinha crescendo entre eles.

Só que agora era diferente, ele ia fazer ela parar com essa maluquice, ficar louca por causa de fetos mortos? "Mariana disse isso, não eu." sua mente concluiu o pensamento, evitando a culpa que ele sabia que ia sentir.

Pedro desceu do carro, o sol lançando sombras longas e distorcidas pelo quintal. Ao se aproximar da porta, notou o silêncio incomum. Não havia luzes acesas nas janelas da frente, nem o som suave da música que Ana costumava ouvir enquanto cozinhava, muito menos o cheiro da comida deliciosa. Franziu a testa, um leve pressentimento começando a se instalar em seu peito. "Estranho", pensou ele. Ana quase nunca saía sem avisar, especialmente àquela hora. Talvez estivesse no quarto, lendo, ou no jardim.

"Sempre tão triste, será que não poderia ser mais como Mariana?" ele pensou ao lembrar do sorriso da mulher que tinha se despedido dele pela manhã, dando um beijo no canto dos lábios antes de fechar a porta na cara dele.

Girando a chave ele abriu a porta e o ar da casa o atingiu, frio, estático e levemente empoeirado. Não havia o cheiro de comida, nem o calor familiar, nenhuma música tocando no rádio, a casa estava estática. A sala estava imersa em uma penumbra, apenas alguns raios de sol poente atravessando as janelas, iluminando partículas de poeira suspensas no ar. A quietude era quase palpável, pesada, diferente do silêncio costumeiro que vinha se estabelecendo entre eles; este era um silêncio absoluto, de ausência total.

“Ana?” Pedro chamou, a voz um pouco hesitante, ecoando na sala vazia. Nenhum som em resposta. Ele caminhou até a cozinha, verificou a pia, o fogão. Tudo limpo, intocado. O jantar não havia sido preparado e não tinha sobras do almoço da geladeira. Um calafrio percorreu sua espinha. Isso não era normal. Ana era metódica, e a cozinha intocada àquela hora era um alerta.

Voltou para a sala, acendendo as luzes. Seus olhos percorreram o ambiente, buscando qualquer sinal, qualquer explicação. Foi então que ele viu. Sobre a mesa de jantar de madeira rústica, onde poucas horas antes ele havia espalhado panfletos sobre adoção, havia uma pequena pilha de objetos. Seu olhar foi imediatamente atraído pelo envelope, mas o que chamou mais atenção foi uma foto em cima dele. Era uma foto do casamento, mas algo estava terrivelmente errado. A figura de Ana não estava lá.

Pedro se aproximou da mesa, o coração batendo forte no peito, um pressentimento gelado se transformando em pânico. Ele pegou a foto. Era o dia mais feliz de suas vidas, mas agora, onde deveria estar o sorriso radiante de Ana, havia apenas um buraco irregular, um espaço vazio onde ela havia sido cortada da imagem de forma estranha. O rosto de Pedro permanecia na foto, sorrindo sozinho para o nada, um monumento estranho e perturbador.

Ele sentiu um nó na garganta. Aquilo era loucura. Uma brincadeira de mau gosto? Não, Ana não faria isso. Não daquela forma. Com as mãos trêmulas, ele pegou o envelope. Dentro, encontrou mais fotos, todas mutiladas da mesma maneira. O rosto de Ana havia sido friamente removido de cada uma delas, deixando apenas a imagem de Pedro, ou paisagens incompletas, ou objetos sem contexto, algo assustador para se fazer quando quer ser vingar. Era um ato de exclusão, uma negação de sua presença.

O ar parecia rarear nos pulmões de Pedro. Ele sentiu um calor subir por seu corpo, uma mistura de raiva, confusão e um medo crescente. Era uma mensagem. Uma mensagem clara e cortante. Ele sentiu a bile subir à garganta.

Entre as fotos, Pedro viu um pedaço de papel dobrado. Desdobrou-o com as mãos ainda tremendo. Era a certidão de casamento. Rasgada ao meio. Sua certidão de casamento. A linha do rasgo passava exatamente sobre seus nomes, separando-os para sempre. Ao lado, havia outro pedaço de papel, menor, com uma caligrafia familiar, mas fria:

"Eu sei da verdade, e como você já escolheu, estou me retirando

Aquelas palavras, simples e diretas, atingiram Pedro com a força de um soco. Ele escolheu? Ele havia dado um ultimato? O que ele havia feito? Era um crime tão imperdoável querer continuar o rumo da vida? Em sua busca obsessiva por ser pai, ele havia empurrado Ana para longe, gritado com ela, e agora ela estava reagindo. A raiva que havia dominado Ana na discussão matinal, e que ele havia ignorado, agora se manifestava de forma brutal.

Ele apertou o bilhete com força entre as mãos, tremendo levemente enquanto fechava os olhos, não podia acreditar no que estava acontecendo.

Pedro correu para o quarto, sentindo o pânico tomar conta de si. O armário estava aberto, mas apenas as roupas de Ana haviam desaparecido. As dele estavam intactas. No banheiro, sua escova de dentes e produtos de higiene pessoal e auto cuidado haviam sumido. A gaveta de seu lado da cômoda, onde ela guardava seus pertences mais íntimos como um colar de ouro que ganhou de presente do pai, mas todos os objetos que ele tinha dado estavam ali, estava as joias, enfeites de cabelo e até um par de meias, todos os presentes caros e baratos que ele havia lhe dado, deixados para trás, como se não tivessem mais valor para ela.

O choque foi avassalador. Ana havia ido embora. Ela o havia deixado. Não era uma briga passageira, não era uma "birra" como ele havia pensado inicialmente. Era real. A raiva que ele havia liberado, a pressão que ele havia exercido, tudo havia levado a isso, um rompimento abrupto. Ele se sentiu culpado, desesperado, com o estômago revirado.

Mas, em meio ao pânico e à culpa, um novo sentimento começou a borbulhar em Pedro: a raiva. Raiva por Ana ter feito isso. Por ter fugido sem uma conversa, sem uma chance de reconciliação. Por ter agido de forma tão radical, sem dar a ele a oportunidade de se explicar, de se desculpar. As fotos rasgadas, a certidão cortada, o bilhete seco. Aquilo era uma crueldade, uma forma de vingança.

Ele tinha passado tanto tempo na casa de Mariana para dar um tempo a ela, deixar a ideia da barriga de aluguel se firmar, mas ele nunca pensou que ela levaria o pedido de divórcio tão a sério.

O homem se esforçou para afastar a culpa, tentando racionalizar a situação. "É um exagero", pensou. "Ela está sendo dramática. Isso é uma briga de casal, e ela reagiu de forma infantil." A ideia de que Ana havia realmente o abandonado era demais para seu ego e para sua mente processarem. Era mais fácil atribuir a ela uma reação exagerada, uma "birra", do que admitir a própria falha, o quão longe ele havia ido em sua obsessão, tudo era mais fácil do que assumir que ele assinou o atestado de óbito do próprio casamento.

A mente de Pedro, ainda sob o impacto da cena, começou a buscar uma alternativa. Onde Ana estaria? Com certeza na casa da mãe ou de alguma amiga em Ilhéus, esperando que ele fosse atrás dela, que ele se arrastasse para pedir perdão. Mas não. Aquele bilhete, as fotos... aquilo era uma provocação. Uma forma de machucá-lo.

"Como você pode ser tão cruel, Ana?" ele perguntou mas ninguém respondeu.

De repente, um nome veio à sua mente: Mariana. Mariana Lemos, sua namorada de infância, com quem ele havia se reencontrado há alguns meses em um congresso de agrônomos em Salvador. O reencontro havia sido casual, mas a conversa fluiu com uma facilidade que ele não sentia há tempos. Mariana estava solteira, recém-chegada de uma temporada na Europa, e o olhar dela para ele era uma mistura de pura admiração, carinho e saudades. Eles trocaram contatos, e as conversas, antes esparsas, tornaram-se mais frequentes, e-mails, depois mensagens de texto, até chegar ao ponto de mensagens de áudio, ligações e chamadas de vídeo tarde da noite, sempre conseguia enganar Ana dizendo que ia beber água, mas ficava horas e horas conversando com Mariana. Ele se sentia leve ao conversar com ela, sem a pressão e a tristeza que o envolviam em casa.

Mariana sabia pouco sobre o que o casal estava passando, da infertilidade, dos abortos. Pedro havia poupado-a dos detalhes trocando de assunto, perguntando sobre ela, mantendo a conversa leve, focada em suas carreiras, em suas paixões pela agricultura e pela vida. Ele se sentia aliviado ao não ter que carregar aquele fardo com ela. Sem perceber, já havia se entregado a um nível de intimidade emocional que ultrapassava os limites do que era aceitável em um casamento.

Eles flertavam abertamente enquanto Ana dormia ao lado dele, fotos íntimas eram trocadas quase diariamente, e entre essas fotos estava a da sua própria esposa, de um momento íntimo que eles tinham compartilhado a poucos momentos, mas valeu a pena quando ouviu a risada de Mariana pela mensagem de áudio.

O pensamento de Mariana, naquele momento de desespero e raiva, pareceu uma luz no fim do túnel. Se Ana havia decidido ir embora e jogar fora o casamento deles de forma tão radical, então talvez ele também tivesse o direito de buscar conforto, de buscar o que ele sentia que estava perdendo. A "birra" de Ana, em sua mente distorcida pela dor e pelo orgulho, abria a porta para que ele buscasse a felicidade em outro lugar.

Ele pegou o celular e discou o número de Mariana. Era tarde da noite, mas ela atendeu no terceiro toque, a voz sonolenta, mas animada.

“Pedro? Que surpresa! Aconteceu alguma coisa?”

“Mariana,” ele começou, a voz ainda um pouco embargada pela emoção, mas com uma estranha sensação de alívio. “Eu... eu preciso conversar. Aconteceu uma coisa terrível. Você pode me encontrar? Eu estou indo para Salvador.”

A voz de Mariana se tornou imediatamente preocupada. “Claro, Pedro! Estou em casa. Vem pra cá. Me conta o que houve. Estou aqui para você.”

O convite de Mariana foi o empurrão que ele precisava. Em sua mente, Ana o havia deixado. Pelo menos, ele se convencia disso. Ela havia rasgado as fotos, a certidão de casamento. A mensagem era clara. Aquilo não era apenas uma fuga; era um abandono. E se ela o havia abandonado, ele não tinha mais obrigações.

Com uma decisão impulsiva e movido pela raiva, Pedro não hesitou. Ele fechou a porta da casa, sem se preocupar em trancá-la, deixando-a aberta para o mundo. Não pegou nada, não olhou para trás. Simplesmente entrou no carro e dirigiu para Salvador, sob a escuridão da noite, deixando para trás os vestígios de sete anos de casamento e o silêncio acusador de uma casa vazia.

Para Pedro, a fuga para os braços de Mariana não era uma traição. Era uma resposta à "birra" de Ana. Era buscar conforto onde ele o encontrava, onde não havia a pressão da infertilidade, a dor da ausência de filhos. Ele não percebia, em sua bolha de ressentimento, que a sua própria obsessão pela paternidade e a sua insensibilidade à dor de Ana eram os verdadeiros catalisadores daquele final. Ele estava se vendando para a realidade, e Mariana era o seu escape, a sua desculpa perfeita para evitar a responsabilidade de seus atos. Enquanto dirigia pela estrada escura, a única coisa que ele sentia era um misto de alívio e a falsa sensação de liberdade, acreditando que estava no controle, enquanto, na verdade, estava apenas fugindo.

Assim que Mariana abriu a porta pra ele, usando um baby doll rosa de cetim, Pedro a agarrou pessoa cintura e a beijou de forma apaixonada, dentes se batendo e lábios sendo esmagados um contra o outro.

Ele realmente fez a escolha.

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