Capítulo 5

O som dos cascos pesados na terra molhada ecoava pelo vale como um lembrete do mundo que resistia lá fora. A tempestade da madrugada finalmente cessara, mas deixara um rastro de lama que grudava nos ossos. E mesmo assim, os forasteiros chegaram.

Famílias inteiras — ou o que restou delas.

Estavam exaustos. Os olhos fundos diziam mais do que qualquer palavra. Fome, medo, esperança. Tudo misturado em um olhar só. Não eram fracos, mas quebrados.

E eu conhecia bem esse estado.

Fiquei em silêncio enquanto Kaelen organizava a recepção. Ele dava ordens firmes, mas serenas. Estava aprendendo a ler as pessoas — e a esconder melhor as emoções. Eu o havia treinado para isso. Kaelen sabia que, ao meu lado, fraqueza não tinha lugar.

Quando finalmente desci até o pátio, todos os olhos se voltaram para mim. Não havia reverência cega, mas sim algo mais precioso: respeito verdadeiro. E o medo — aquele respeito silencioso que todo bom Alfa precisa cultivar.

— Ninguém entra nos limites da vila sem antes passar por mim — disse, com a voz firme. — Aqui não há espaço para dúvidas. Se trouxeram doenças, segredos ou mentiras, que fiquem do lado de fora.

Um dos homens, o de barba grisalha e cicatrizes no pescoço, adiantou-se. A raiva escondida sob os ombros tensos chamou minha atenção antes mesmo de ele falar.

— Estamos fugindo, não invadindo. Só queremos segurança.

— Segurança não é gratuita — respondi. — Ela custa disciplina, lealdade e esforço. Vocês vão me provar que merecem viver aqui.

A mulher ao lado dele abaixou a cabeça, e um garoto, provavelmente seu filho, se agarrou à barra de seu manto. Vi ali uma família tentando resistir. Talvez fosse o suficiente.

— Amanhã cedo, Kaelen os levará até as áreas de trabalho. Colheita, cozinha, patrulha, limpeza. Cada um contribuirá. Cada um será observado.

— E se alguém não se encaixar? — perguntou o homem.

— Então será escoltado para fora. Thunderwoof não abriga vítimas. Somos lobos. Todos aqui caçam, lutam ou protegem.

Ninguém ousou responder.

Mais tarde, enquanto a vila voltava à sua rotina, subi até a sacada do meu quarto. De lá, via tudo. O estábulo, o campo de treino, as casas. O coração da Thunderwoof batia em cada martelada, cada conversa, cada sopro de fumaça subindo das lareiras. Eu havia construído aquilo. Com dor. Com sangue. Com regras inquebráveis.

Kaelen se aproximou com duas canecas de chá quente. Entregou-me uma sem dizer nada.

— O que está vendo? — perguntou, finalmente.

— Uma matilha viva — murmurei, observando os forasteiros se acomodarem. — Mas cada nova entrada é uma porta que abrimos para os erros do passado.

— Acha que eles escondem algo?

— Todos escondem. A questão é se é algo que pode nos ferir.

Kaelen assentiu. Seu olhar seguia o grupo de jovens que treinava no campo. Novos guerreiros, alguns ainda descobrindo os próprios limites.

— Você não confia em ninguém, Ares?

Dei um gole no chá, sentindo o calor rasgar a garganta.

— Confiança é um luxo que se compra com tempo e cicatrizes. E mesmo assim, é instável.

Ele não respondeu. Sabia que essa era a minha verdade.

Ao anoitecer, fui até a forja. O velho Farun, o ferreiro, estava martelando com força mais agressiva que o necessário.

— Está bravo? — perguntei.

— Só estou vivo. E com as mãos funcionando.

— Então use menos raiva e mais precisão. Não quero espadas que se partam em batalha.

— E eu não quero forasteiros usando minhas armas.

Olhei diretamente para ele. Farun havia me visto crescer. Era um dos anciões que ficaram após meu pai perder a sanidade. Tinha o direito de falar... mas ainda respondia à minha liderança.

— Se os forasteiros honrarem nosso nome, usarão nossas armas. Se não honrarem, não durarão o suficiente para empunhá-las.

Farun soltou um suspiro.

— Você é um bom Alfa, Ares. Mas precisa lembrar que o medo também come por dentro. Esses lobos novos têm fome. E nem todos querem caçar para comer.

Saí dali com o peso daquelas palavras cravado nos ombros.

Antes de dormir, caminhei pela vila, sentindo o cheiro da madeira úmida, da terra revolvida. Observei os patrulheiros trocando turnos, crianças brincando ao redor das casas e as fogueiras acesas nos postes centrais. Thunderwoof estava crescendo. Estava viva. Mas quanto mais crescia, mais difícil era proteger todos. Mais difícil era ser Alfa.

Eu era o homem que todos respeitavam, e o lobo que todos temiam. Mas o preço disso era o silêncio.

O silêncio... e a solidão.

No alto da colina, olhei para o céu escuro. As estrelas estavam escondidas hoje. Um presságio, talvez.

Mas amanhã, o sol nasceria. E eu estaria de pé. Com as garras prontas. Com o instinto afiado. Porque era isso que eu era.

Ares Onderwood. Alfa da Thunderwoof.

E eu não perderia nada. Nem mais ninguém.

O chão tremeu sob meus pés quando o segundo grupo caiu ao mesmo tempo no treinamento de resistência. Os novatos estavam exaustos, arquejando, com os joelhos cravados na terra. Alguns ainda tremiam. Outros olhavam para mim com olhos cheios de raiva, como se eu fosse o inimigo.

Bom. Que me odeiem se precisarem. Desde que aprendam.

— De novo — ordenei, com a voz cortante. — Mais cinquenta flexões. Depois corrida com peso. E se alguém parar, voltamos ao início.

Um dos jovens uivou em frustração, mas obedeceu. O orgulho ainda relutava em se curvar, mas a dor acabaria moldando-os.

Atrás de mim, Kaelen cruzou os braços.

— Está pegando pesado.

— A guerra não avisa quando chega. Eu também não aviso quando quero homens prontos. — Virei o rosto para ele. — E você sabe o que vem aí. Em cinco anos, tudo muda.

Ele assentiu, sério.

Não era apenas uma disputa de honra. Era uma escolha. Um reconhecimento. E, às vezes, uma sentença de morte para os fracos.

No campo, ergui a voz para todos.

— Em cinco anos, muitos de vocês estarão prontos para lutar. Outros... estarão mortos. Porque não terão escutado, ou não terão suportado. O mundo não perdoa. E eu também não.

A terra era dura, e o ar pesado, mas os olhos me seguiam. A atenção deles estava onde precisava estar.

— Vocês querem se esconder aqui. Querem proteção. Mas proteção tem um preço. — Me aproximei do grupo, sentindo os músculos tensos deles, o cheiro de suor, medo e esperança. — E esse preço se paga com esforço. Com sacrifício. Com sangue, se for preciso.

— Mas por que lutar todos os dias, se não há guerra prevista, se estamos seguros. Um dos mais jovens ousou perguntar. Tinha o olhar curioso, não insolente. Apenas ignorante.

Me ajoelhei diante dele, rosto a rosto.

— Porque se acontecer... e você não estiver pronto... será o primeiro a cair. E não terei piedade.

Ele engoliu em seco e baixou a cabeça. O nome dele era Eron. Vi potencial, mas também vi medo. Teria que ser quebrado, reconstruído. Como todos os outros.

À noite, me sentei com os anciões. O salão principal estava iluminado por tochas e lareiras acesas. Cheiro de carne assada e madeira queimada misturava-se ao silêncio respeitoso.

— Está treinando esses jovens como se fossem para uma guerra — disse uma das anciãs, Arlenn, cabelos brancos e olhos de predadora.

— Talvez seja exatamente isso.

— Você viu algo? — perguntou Kaelen, ao meu lado.

Neguei com um gesto. Mas dentro de mim, o pressentimento crescia como um espinho cravado na alma. Uma inquietação constante. As estrelas estavam se movendo. Os ventos mudavam. Algo viria. Eu podia sentir.

— Não preciso de visões para entender que o equilíbrio não dura. Matilhas crescem. Alianças se rompem. E quando o rei decidir observar de novo... quero que Thunderwoof seja impossível de ignorar.

— Ou impossível de derrubar? — Arlenn sussurrou, com um meio sorriso.

— Os dois.

Depois que todos foram dormir, voltei ao campo vazio. As pegadas dos jovens ainda marcavam a lama, como cicatrizes frescas. Me ajoelhei e toquei o chão.

Dois anos.

Dois invernos. Duas colheitas. Dois ciclos lunares para transformar a Thunderwoof na lenda que ela precisa ser. Porque eu sei o que o mundo faz com os fracos. E jurei... jurei que nunca mais perderia para o caos.

Minha matilha será o aço. E eu serei a forja.

Me levantei, os olhos voltados para a lua que cortava o céu com frieza.

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