Dias se passam como passagem do tempo que não para. Nesse dia acordei com meu lobo esquisito, Grendor, estava arranhando minhas paredes, rugindo dentro de mim, pulando, cheirando o ar como um lobo louco.
E então, no meio da manhã, onde já havia feito inúmeras obrigações ele veio. Um cheiro, como um sussurro da floresta, carregado pela brisa fria da manhã e um soco em meu estômago. Estava de pé à beira do campo de treino, observando dois jovens soldados em combate quando senti. Um arrepio subiu pela espinha, não por medo… mas por algo muito mais perigoso: reconhecimento. Fechei os olhos por um instante, tentando bloquear a sensação. Doce. Selvagem. E, ao mesmo tempo, impossível. *** Você sentiu isso, não sentiu? — a voz de Grendor rugiu em minha mente. Grave, animalesca, impaciente. *** Não. Minha resposta foi imediata, instintiva. *** Não é nada. Deve ser de alguma loba nova da patrulha. *** Não me subestime, humano. — Grendor rosnou. — Esse cheiro… é dela. Da nossa. Meu maxilar travou. Não podia ser. Eu havia construído minha vida com base em um único pilar: o elo do companheiro nos destrói. Vi com meus próprios olhos. Minha mãe morta em meus braços, meu pai ajoelhado diante do corpo dela como uma criança quebrada. No dia seguinte, ele já não era o mesmo. Tornou-se uma sombra. E eu… eu fui obrigado a crescer. — “Ares, proteja a matilha…” — a voz de minha mãe ecoou em minha memória, fragmentada, arranhada pelo tempo. — “Não deixe o amor te quebrar como me quebrou" — Meu pai disse em meio a loucura. Apertei os olhos com força. Meu peito ardia. *** Ela está perto. Grendor disse — querio correr até ela. Quero marcar. Quero tê-la. O lobo falava como se estivesse preso, urrando contra as correntes invisíveis do meu autocontrole. *** Você não manda em mim! rebati, feroz. *** Ela é nossa, Ares. É destino. Ele sibilou. — Quantos anos você achou que poderia fugir? *** Quantos forem necessários. Minha voz interna saiu trêmula. — Alfa. A voz de Kaelen, me puxou de volta ao presente. Ele se aproximava com passos cuidadosos. — Está tudo bem? — Só o cansaço. — menti. Minha voz saiu baixa, arrastada. — Você está pálido. Alguma coisa o incomodou? Respirei fundo. A resposta correta seria sim. Mas a verdade poderia abalar tudo. Minha matilha acredita no elo. Acredita no destino. Eu não. Não posso. — Nada importante. — respondi. — Os treinos seguem como planejado? Kaelen assentiu, mas seus olhos me examinavam com atenção. Sabia que eu não era de me abalar facilmente. Ainda assim, teve o bom senso de não pressionar. Ao cair da noite, trancado no quarto, respirei fundo. O cheiro ainda estava em mim. Ainda me invadia como se tivesse marcado meus pulmões. Grendor não se calava. *** Corra até ela. Marque. Reivindique. Está no sangue. No osso. ***Você é um animal, murmurei, me desfazendo do manto pesado e caminhando até a mesa. Servi-me de um copo de uísque, mas não bebi. Ainda não. O lobo dentro de mim uivava. A fera estava inquieta, faminta. Mas não pela carne… e sim pela alma da companheira. Eu não podia permitir. Não podia me render. Então fiz a única coisa que sabia fazer bem: controle. Controle sobre mim. Sobre meu destino. Sobre esse maldito laço. Me conectei a minha matilha, eu erguia muros para bloquear quando necessário, eu podia sou o Alfa. ★ Liah. Meu quarto. Agora. Ela chegou minutos depois, cheirando a canela e desejo. Uma ômega jovem, devotada, disposta. Uma que nunca perguntava nada. Nunca exigia promessas. — Alfa… — ela sussurrou, ao entrar no quarto. — O quê precisa de mim esta noite? — Não me faça perguntas. — minha voz saiu áspera. — Apenas tire a roupa. Ela obedeceu sem hesitar. Toquei-a. Beijei sua pele. Movi-me nela com a força de alguém que lutava contra fantasmas. Mas cada segundo com ela só me fazia sentir… vazio. Grendor urrava em fúria. *** Ela não é a nossa. Ela não é! Ela suja nosso corpo, nossa alma, nosso destino! *** Então cale-se! — rosnei em pensamento, enquanto a respiração de Liah ofegava sob mim. Mas não havia prazer. Não havia paz. Havia apenas uma tentativa falha de fuga. Quando tudo acabou, deitei de costas e fechei os olhos. Sentia o cheiro dela misturado com o outro — o da loba que eu não conhecia, mas que já me queimava por dentro. — Você vai dormir? — Liah perguntou, num sussurro. — Não. — Posso ficar? — Não. Minha voz saiu cortante. Virei o rosto para ela. — Vista-se e vá. Ela hesitou. Seus olhos pareciam suplicar por algo — talvez carinho, talvez mentira. Mas não dei nenhum. — Agora. Liah se levantou. Não disse mais nada. Saiu em silêncio. Fiquei ali, nu, coberto de suor e frustração. Tomei um copo de uísque e virei todo o conteúdo de uma vez. O segundo também. O terceiro queimou como fogo na garganta — mas não queimou o suficiente para apagar o que eu sentia. *** Você está se enganando Ares. — Fenrir murmurou com tristeza. — Ela ainda nem chegou… e você já sangra. A deusa não erra. *** Eu não quero, os deuses erram sim, não preciso de ninguém. Eu não vou. *** Mas ela é nossa. E você vai cair de joelhos quando a vir. Fechei os olhos. Deixei o copo cair no chão. A escuridão veio como um abrigo. E pela primeira vez em muitos anos… Eu dormi temendo o amanhã. Não sabia o quanto o laço de companheiros era forte, até sentir o meu, somente o cheiro, rápido e fraco me fez ficar assim, temer, palavra essa que eu não sinto desde os dezesseis anos, talvez tivesse temido quando alguns membros da matilha me olharam com pena anos atrás, com receio de que eu não conseguisse erguer a matilha. Mas esse temor é de que eu não consiga fugir do destino que não quero. Mas decidi em meio as névoas do meu sono, sairei de Thunderwoof por alguns dias para colocar minha cabeça no lugar, arrumar minhas ideias e depois colocar me prática tudo que preciso.