Sentença

A chamada tocou algumas vezes, até cair na caixa postal.

— Droga — resmungou o homem, impaciente.

Sem desistir, ele tentou de novo. E de novo.

Do outro lado da linha, em meio à penumbra do quarto, Alexander levou alguns segundos para reagir ao som insistente. Gemeu baixinho, os olhos pesados demais para abrir por completo. Tateou a mesa de cabeceira até encontrar o celular. Sua visão estava turva, e ele mal conseguiu distinguir o número na tela antes de atender, levando o aparelho ao ouvido com lentidão.

— Alô? — Sua voz saiu arrastada,  como se estivesse grogue ou sob efeito de algo.

A ligação estava no viva-voz. Helena estremeceu ao ouvir sua voz. Ainda era ele. Seu marido. Mas algo estava diferente. Aquela voz — outrora firme e imponente — agora soava distante, quebrada, como se ele estivesse dopado... ou completamente ausente. Ela segurou a respiração.

— A sua esposa está conosco. Se quiser vê-la viva, vai ter que transferir a quantia que vamos te mandar. Caso contrário… bom, você sabe o que fazemos.

Houve um breve silêncio. Helena sentiu a respiração acelerar, o coração martelando no peito. Uma parte dela — talvez ingênua, talvez desesperada — ainda esperava que ele reagisse. Que se importasse. Que pensasse nela… ou no filho que ela carregava.

Mas o que veio do outro lado foi uma risada baixa, desdenhosa. Sem qualquer traço de aflição ou surpresa. Helena sentiu o peito apertar, o estômago revirar. Aquela risada, não era a reação que esperava. Não era a resposta de um homem desesperado para salvar a esposa.

— E você acha... que me importa? — a voz dele saiu arrastada, carregada de desprezo. — Isso era para me assustar? Me fazer correr e obedecer?

Os sequestradores se entreolharam, confusos. Olharam para Helena, como se esperando alguma reação. Mas ela apenas os encarava de volta. Havia algo novo em seu olhar — algo quebrado, talvez sombrio.

Ela não gritou. Não implorou. A expressão dela era indecifrável. E foi naquele momento que tudo dentro dela mudou.

— Então você não se importa com o que vai acontecer com ela?

— Me importar? Façam o que quiserem. Vocês vão me livrar de um problema. Ela nunca foi nada além de um fardo.

O som do desligamento da chamada reverberou, e Helena sentiu como se o ar tivesse desaparecido de seus pulmões. Sua mente paralisou, como se ele tivesse proferido sua sentença de morte.

Eles olharam para Helena, que parecia em transe após ouvir a resposta de Alexander. Em seguida, trocaram olhares entre si, como se buscassem uma solução para aquele impasse.

Já Alexander, ao desligar a chamada, levou a mão à têmpora, que latejava. Achava que tinha bebido demais — só isso explicaria aquele mal-estar repentino. O que ele não sabia era que Isabelle havia colocado algo em sua bebida.

— Algum problema? — perguntou Isabelle, com a expressão mais inocente que conseguiu compor.

— Deve ser mais uma armação da Helena. Disseram que ela foi sequestrada. Ela estava perfeitamente bem naquela festa. No mínimo, quer fazer chantagem devido à gravidez.

O coração de Isabelle disparou ao ouvir a palavra “sequestro”. Ainda assim, sentiu-se aliviada ao perceber que Alexander não demonstrava preocupação real. Mesmo assim, precisava continuar representando o papel da mulher compreensiva.

— E se for verdade? Você não deveria ao menos...

— Isabelle, não quero que se preocupe à toa — ele a interrompeu, com a voz arrastada. — Você, mais do que ninguém, conhece as artimanhas daquela mulher. Por causa dela, você teve que ficar longe por tanto tempo. — Acariciou o rosto dela com dificuldade.

Alexander se recostou novamente. A cabeça latejava, e ele mal conseguia manter os olhos abertos.

— Vamos dormir. Acho que bebi demais. Quando ela perceber que não me importei, vai voltar para casa — afirmou, com a convicção cega de que tudo não passava de uma encenação.

Isabelle não respondeu. Apenas se aconchegou em seu peito, deixando escapar um leve sorriso. Para ela, tudo seguia conforme o planejado. Alexander não acreditava no sequestro — e isso poderia levar os sequestradores a matarem Helena de vez. Se isso acontecesse, o segredo estaria enterrado para sempre.

Enquanto Isabelle arquitetava seus planos em silêncio, Helena encarava a fúria dos sequestradores. Eles não gostaram da frieza com que Alexander tratou a situação, como se a vida de sua esposa não tivesse qualquer valor.

— Me diz... que tipo de pessoa é você, para que seu próprio marido não se importe que você viva ou morra? — O homem agarrou o queixo de Helena com força, obrigando-a a encará-lo.

Helena deixou uma lágrima escorrer silenciosamente. Que tipo de pessoa ela era? Inocente demais por acreditar que, um dia, Alexander a veria de verdade? Persistente por esperar todos aqueles anos? Ou apenas uma vítima do engano... e da maldade de uma mulher sem escrúpulos?

— Sou apenas uma mulher que teve a infelicidade de cruzar o caminho de um homem que jamais a enxergaria como vê a amante — murmurou, com a voz fraca.

— Que perda de tempo — resmungou o sequestrador, empurrando sua cabeça com força. Ela caiu no chão, sem forças para reagir.

A raiva dele era evidente. Ao contrário do parceiro mais contido, ele não conseguia se controlar. Num acesso de fúria, desferiu um chute violento contra o rosto de Helena. A dor explodiu. O gosto metálico invadiu sua boca enquanto seu corpo virava com o impacto. Ela ouviu gritos... depois, apenas borrões.

— Se contenha, caralho. Vamos pensar no que fazer. Talvez, se gravarmos um vídeo dela assim, ele resolva mandar a grana — disse o outro homem, tentando recuperar o controle da situação.

Ambos saíram do cômodo, deixando Helena desacordada. Precisavam esfriar a cabeça — especialmente ele, que começava a nutrir raiva de Isabelle também, por fazê-los acreditar que Helena era importante.

O tempo passou até que Helena começou a recobrar a consciência. O gosto de sangue ainda estava presente, e seu corpo gritava em dor. O cheiro de mofo e sujeira ao redor só intensificava a sensação de desamparo.

Tentou se mexer, apesar dos protestos do corpo. Foi então que percebeu algo: entre suas pernas, havia umidade. Seu coração acelerou com a dúvida — seria apenas a sujeira do chão, ou o que mais temia?

Com esforço, levou a mão até o local. Quando viu o sangue em seus dedos, o desespero tomou conta.

— Meu bebê — murmurou, com a voz embargada, sentindo as mãos tremerem.

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