Mundo ficciónIniciar sesiónChiara Moretti está acostumada com notícias ruins. Ela vive presa em um casamento que é um inferno: Enzo Bellandi bebe, a humilha e a controla. No dia em que seu sogro morre, ela já não espera que nada de bom lhe aconteça, mas certamente não imagina que as coisas possam piorar. Matteo Valenti é um mafioso implacável e um dos homens mais perigosos da Itália. Mas, por trás da fachada dura, há um homem assombrado pelo passado. Sem nunca ter conseguido perdoar o pai, o filho renegado retorna para o funeral do patriarca disposto a tudo para se vingar e tomar as terras da família para si. O que ele não espera, porém, é que algo além do ódio possa brotar dentro de si quando conhece sua cunhada. O que começa como vingança logo se transforma em algo que nenhum dos dois pode controlar. Quando o ódio se mistura ao desejo, nada é mais perigoso que o amor.
Leer másQuem via a Toscana nos filmes podia pensar que lá era o lugar mais romântico do mundo. Se isso era verdade, eu ainda estava esperando meu final feliz.
Eu morava em Cortona há três anos, e tudo o que havia encontrado ali foi um marido cruel e um emprego extenuante no bar mais imundo da cidade. Nada de jantares regados a vinho, com uma mesa cheia de amigos e familiares. Nada de crianças brincando no jardim, ou amigos ajudando na colheita.
Por isso, não me espantei ao saber que o bar havia sido vendido no mesmo dia em que meu sogro morreu. Estava acostumada com notícias ruins. Perdi meus pais logo antes de ir para lá e, desde então, não havia tido muita sorte. Não iria me surpreender se meu novo patrão não fosse com a minha cara e resolvesse me demitir.
— Você não devia estar aqui, Chiara — Lorena, a outra garçonete do La Gabbia, me repreendeu. — Todos vão se perguntar por que não está no velório do seu sogro. É desrespeitoso.
Antes que eu pudesse responder, Tony, o gerente do lugar, tirou as palavras da minha boca.
— Como se os ladrões e prostitutas que servimos aqui se importassem com isso. Venderiam a própria mãe se pudessem. E ela precisa do dinheiro. Não é mesmo, Chiara? — ele perguntou com um sorriso cínico.
Tony vivia dizendo que era só uma questão de tempo até eu acabar como as mulheres miseráveis que frequentavam o La Gabbia, à espera de um cliente. Parecia, na verdade, que ele contava com isso. E eu precisava mesmo de dinheiro, mas não tinha chegado a esse ponto.
Olhei ao redor, analisando os homens sentados nas mesas. Eram todos golpistas, apostadores, traficantes. Muitos me olhavam como se eu fosse um pedaço de carne pronto para ser devorado. Comecei a me sentir sufocada, como se todos ali estivessem esperando a minha queda.
Foi quando ele entrou no bar.
Podia parecer ridículo, mas eu jurava que tinha sentido a temperatura cair, como se aquele homem tivesse gelo correndo nas veias. Algo gritou “perigo” dentro de mim. Ele não era mais um bandidinho qualquer, como os que eu estava acostumada a servir.
— Boa noite, senhor. Em que posso ajudar? — Tony se adiantou.
— Você deve ser Tony, o gerente. Estou certo? Meu nome é Matteo Valenti.
Tony se aprumou quando ouviu o nome. Com o canto do olho, observei dois caras grandes e mal-encarados se postarem na porta do bar. Vestiam ternos pretos, assim como o tal do Matteo. Ele também era grande e mal-encarado. Tinha a pele queimada pelo sol, cabelos escuros cortados bem curtos, e uma enorme tatuagem no pescoço.
— Muito prazer, senhor Valenti — Tony estendeu a mão, que ficou no ar até que ele a recolhesse. — Meninas, venham conhecer o novo patrão. Foi o Sr. Valenti quem comprou o La Gabbia.
O Sr. Valenti olhava ao redor com cara de nojo, como se estivesse se dando conta de que tinha feito um péssimo negócio. Não parecia ser o tipo que frequentava pocilgas daquele tipo.
Limpei a mão no avental e me adiantei, estendendo a mão sem pensar, mesmo sabendo que ele tinha recusado o cumprimento de Tony. Para minha surpresa, ele tomou a minha mão entre as suas. As palmas eram quentes e calejadas, ao contrário do que eu imaginava. Notei que os olhos dele eram verdes.
— Chiara Moretti — me apresentei, usando meu nome de solteira. Sempre me esquecia de usar o sobrenome de casada, para o desgosto do meu marido.
Matteo Valenti me encarou por um instante longo demais e senti o suor brotar nas minhas palmas. Então, quando pensei que iria afundar no chão de vergonha, ele soltou minha mão e se virou para cumprimentar Lorena.
— Passei só para dar uma olhada rápida. — Ouvi ele explicar a Tony depois que voltamos a servir os clientes. — Tenho um compromisso e não posso demorar, mas estarei de volta depois de amanhã. Quero ver as contas do bar.
— Sim, senhor.
O senhor Valenti se foi, tão rápido quanto chegou, deixando um perfume fresco em seu rastro. Como se ouvisse meus pensamentos, Lorena se aproximou.
— Que homem cheiroso! E bonito! Finalmente vamos ter algo para admirar por aqui.
— Fale por você — respondi. — Sou casada.
— Olhar não tira pedaço, Chiara. Falando no seu marido, você realmente devia ir. Ele pode ser um traste, e seu sogro também não valia nada, mas não pega bem você estar aqui hoje.
Ela tinha razão. Suspirando, tirei o avental e avisei a Tony que estava de saída, não antes de ouvir um sermão.
Pensei em passar em casa para trocar de roupa, mas estava tarde e eu já estava vestida em tons escuros, pelo menos. Resolvi ir para o cemitério assim mesmo.
Meu sogro, Enrico Bellandi, era um homem cruel. Soube disso no dia em que o conheci. Infelizmente, demorei para reconhecer em seu filho o mesmo olhar que vi no rosto do pai. Se tivesse percebido, teria ficado longe dali. Mas agora era tarde demais e eu não tinha para onde ir.
Pelo menos Enrico estava morto. Quase dei um tapa em mim mesma quando pensei isso. Era errado desejar a morte de alguém e eu teria que me confessar, mas não consegui evitar.
Entrando na capela onde o corpo estava sendo velado, avistei minha sogra, Caterina, sentada próxima ao caixão. Apesar de tudo, ela chorava e parecia triste de verdade. Já eu achava que ela tinha tirado a sorte grande — mais um pensamento para minha lista de pecados.
Caminhei até ela enquanto olhava em volta, procurando Enzo, meu marido. Apostava que estava bêbado em algum lugar e que chegaria na hora do enterro para fazer uma cena.
Vi quando Caterina Bellandi levantou o rosto e arqueou as sobrancelhas, surpresa, olhando em minha direção. Isso não fazia sentido. Ela sabia que eu viria, mesmo que só chegasse depois de o bar fechar. Mas não era para mim que ela estava olhando.
Virei para trás e dei de cara com Matteo Valenti, seguido por seus dois capangas.
Ele parecia tão surpreso quanto eu.
— Senhorita Moretti. Não sabia que você conhecia meu pai.
Pai?
Senti a mão calejada de Caterina tocar meu cotovelo.
— Você veio, meu filho — ela disse, a voz trêmula. Então, se virou para mim. — Este é Matteo, meu caçula. E esta é Chiara, sua cunhada. Esposa de Enzo — concluiu, me apresentando.
A expressão de Matteo ao ouvir o nome de Enzo foi de puro asco. Talvez fosse só meu orgulho falando, mas aquilo me ofendeu.
— Já nos conhecemos — ele disse. — Não sabia que Enzo deixava a mulher trabalhar em um puteiro.
Senti o sangue subir até o meu rosto e meu coração disparar. Quem ele achava que era para falar assim comigo?
— Não é um puteiro, é um bar — respondi quase rosnando.
Ele me analisou, mais uma vez sustentando o olhar por tempo demais.
— Só vi putas trabalhando lá.
Meu queixo caiu. Matteo podia ser mais bonito que os outros homens da família, mas era tão cruel e grosseiro quanto qualquer Bellandi.
— Matteo! — Minha sogra o repreendeu.
Mas ele não se desculpou. Passou por ela e foi até o caixão, com o olhar cheio de fúria.
— Me desculpe, Chiara. Ele sempre foi assim. Tem ódio demais no coração.
— Não sabia que você tinha outro filho.
— Ele e o pai brigaram há muitos anos. Mas esqueça isso, sente-se comigo.
Fui com Caterina até as cadeiras dispostas próximas ao caixão, mas não resisti a observar Matteo no caminho. Nossos olhares se cruzaram. E um mau pressentimento tomou conta de mim.
Não sabia dizer se Matteo era o vilão da história ou só mais um capítulo ruim da minha vida. Mas alguma coisa dentro de mim sabia: o inferno tinha um novo dono.
Só estive em casa por tempo o bastante para trocar de roupa e segui para o La Gabbia. Estava exausta e, durante o caminho, rezei para que o bar estivesse vazio, mas, como sempre, Deus parecia ter outros planos para mim.Da esquina, já dava para ver que algo estava errado. Um grupo de mulheres usando trajes nada recatados se aglomerava em frente ao estabelecimento. Elas falavam alto e pareciam estar muito insatisfeitas. Quando me aproximei, pude ver com quem elas falavam. Um dos capangas de Matteo Valenti dava ordens e fazia com que as putas, muito contrariadas, se alinhassem em fila.— O que está acontecendo? — perguntei a uma delas.— Esse idiota aí disse que teremos que pagar comissão pra casa se quisermos continuar fazendo ponto no bar.— Comissão?!— Eles querem 50% — outra das mulheres respondeu. — Assim não dá pra trabalhar. A gente abre as pernas e eles é que levam o dinheiro? Só por cima do meu cadáver!Apesar dos protestos, a maior parte delas continuava entrando na fila para
Ainda havia terra do cemitério nos meus sapatos quando adentrei a sala do Dr. Antonelli, o advogado local que meus contatos em Roma indicaram. Não fui a Cortona para perder tempo.Dr. Antonelli era um senhor de meia-idade tão confiável quanto um advogado da máfia pode ser — embora não tivesse receio de procurar brechas na lei para favorecer seus clientes, era incapaz de enganar ou se aproveitar daqueles que pagavam seus honorários, sabendo muito bem qual seria seu destino se o fizesse. Foi ele quem negociou a compra do La Gabbia em meu nome, e agora eu esperava que fizesse o mesmo por mim em relação ao vinhedo.— Não tenho boas notícias — ele anunciou antes mesmo que me sentasse. — Seu irmão fez uma proposta ao banco para quitar as dívidas do seu pai.Por um instante, achei que não estava ouvindo bem, pois aquelas palavras não faziam sentido.— Enzo? Ele não tem um tostão. Isso é impossível!— Bem, não é o que minhas fontes dizem. Ele se ofereceu para pagar a dívida integralmente ante
O dia amanheceu cinzento, como se fosse um prenúncio do que estava por vir. Eu estava exausta depois de passar a noite em claro no velório do meu sogro. Pelo menos meu marido parecia ter se recuperado da bebedeira. Quando a procissão saiu, ele estava irritado e de ressaca, mas sóbrio.Enzo e outros parentes levantaram o caixão de Enrico Bellandi, e dei graças a Deus por Matteo não estar ali. Se ele aparecesse justo naquele momento querendo carregar o pai, com certeza o enterro terminaria em socos.A caminhada até o jazigo da família era curta. Ali do cemitério de Cortona, situado em uma colina, a vista da cidade era deslumbrante, mesmo em um dia nublado. Caterina chorava copiosamente ao meu lado quando paramos junto à cova.Parecia que ela tinha perdido o grande amor da sua vida, e talvez fosse isso mesmo. Mas que infelicidade tinha sido para ela amar Enrico, um homem que só a maltratava. Talvez aquele fosse o meu destino também: viver uma vida infeliz em Cortona e acabar enterrando m
Entrei no carro e deixei Marco e Pepe para trás. Eles sabiam se virar e eu precisava ficar sozinho. O encontro com Enzo me abalara mais do que eu gostaria de admitir.Peguei a estrada que saía da cidade e levava até o vinhedo que um dia pertenceu à família da minha mãe, o mesmo que meu pai levou à ruína. A terra tinha sido penhorada pelo banco depois de anos de dívidas, e agora estava prestes a ser leiloada.Enrico Bellandi vinha tentando renegociar os débitos, mas a morte dele mudava tudo. Com ele fora do jogo, seus herdeiros tinham trinta dias para quitar a dívida, ou perderiam a propriedade de vez.Eu não era citado no testamento do meu pai — e não esperava ser. Mas nenhum homem podia me apagar do papel que realmente importava: a lei. Se ele achava que podia deixar tudo para o filho primogênito sem que eu contestasse sua vontade, estava mais louco do que eu lembrava.A verdade era simples: Enzo não tinha dinheiro. E eu tinha o suficiente para fazer uma oferta ao banco e pôr fim à h
Estava tão cansada e o silêncio na capela era tão grande que comecei a cochilar sentada. Àquela hora, só os familiares mais próximos permaneciam velando o morto. Caterina murmurava suas preces ao meu lado em voz baixa, apertando o terço com firmeza, e a melodia suave do seu lamento embalava meu sono. Isso até Enzo aparecer.Na penumbra criada pela luz das velas, vi meu marido caminhar por entre os bancos da capela. Eu ainda não estava totalmente desperta e achei que era um sonho. Ou melhor, um pesadelo. O andar de Enzo era trôpego. Ele vestia uma camisa branca amarrotada e uma calça jeans imunda, como se tivesse se esquecido de se trocar para o velório do próprio pai. O rosto estava vermelho sob a barba por fazer, não porque ele tinha chorado, mas porque estava bêbado.O terço de Caterina caiu no chão e eu acordei de vez com o som das contas de madeira batendo no piso de pedra da capela..— Ó Deus, ele estava bebendo — ela sussurrou o óbvio.Enzo Bellandi, o homem com quem eu me casar
Olhei para o homem que me rejeitou, agora morto e dentro de um caixão. Em pouco tempo estaria enterrado — mas não esquecido. Queria ser o tipo de pessoa que perdoa e segue em frente, mas nunca fui assim. Por isso estava ali. Não para honrar a memória do meu pai, ou mesmo para consolar minha mãe. Ela nunca me defendeu. Nem quando mais precisei.Voltei para Cortona para tomar de volta o que era meu. Para apagar o nome de Enrico Bellandi da face da terra. O vinhedo decadente, a casa em ruínas, os negócios que ele destruiu enquanto era vivo.Lembrava do La Gabbia quando era criança. Era um bar próspero e respeitável, na medida em que um bar pode ser. Servíamos os vinhos que meu avô fabricava, os salames que minha avó fazia. Agora, era só uma pocilga decadente que meu pai perdera em uma aposta. Um antro de putas e malandros. Eu preferia queimar o lugar até as cinzas do que manchar o nome do meu avô assim.Meu pai se casou com Caterina Valenti, filha única de Marcello Valenti, e herdou todo
Último capítulo