Mundo de ficçãoIniciar sessãoO dia amanheceu cinzento, como se fosse um prenúncio do que estava por vir. Eu estava exausta depois de passar a noite em claro no velório do meu sogro. Pelo menos meu marido parecia ter se recuperado da bebedeira. Quando a procissão saiu, ele estava irritado e de ressaca, mas sóbrio.
Enzo e outros parentes levantaram o caixão de Enrico Bellandi, e dei graças a Deus por Matteo não estar ali. Se ele aparecesse justo naquele momento querendo carregar o pai, com certeza o enterro terminaria em socos.
A caminhada até o jazigo da família era curta. Ali do cemitério de Cortona, situado em uma colina, a vista da cidade era deslumbrante, mesmo em um dia nublado. Caterina chorava copiosamente ao meu lado quando paramos junto à cova.
Parecia que ela tinha perdido o grande amor da sua vida, e talvez fosse isso mesmo. Mas que infelicidade tinha sido para ela amar Enrico, um homem que só a maltratava. Talvez aquele fosse o meu destino também: viver uma vida infeliz em Cortona e acabar enterrando meu marido naquele mesmo cemitério.
Lembrei da minha mãe, me dizendo que não há pecado maior do que sentir pena de si mesma, e enxuguei as lágrimas que começavam a brotar em meus olhos.
— Ela é órfã, coitadinha. Agora perdeu o sogro. — Ouvi uma das tias de Enzo cochichando sobre mim.
A ideia de que alguém acreditasse que eu estava chorando pelo meu sogro, e não por mim mesma, me deu vontade de rir e tive que levar a mão à boca para conter uma gargalhada.
— Ela está soluçando de tanto chorar! — a mulher continuou.
— Não sabia que eles eram tão apegados — outra comentou.
Caterina me abraçou enquanto o caixão era descido. Ela soluçava de verdade.
Eu ouvia as últimas preces do padre quando meu olhar cruzou com o de Matteo.
Não notei quando ele chegou. Meu cunhado estava em meio a outras pessoas, como um perfeito desconhecido. Uma das suas sobrancelhas estava levantada enquanto ele me observava, como se estivesse intrigado com minhas lágrimas.
Era só o que me faltava! Um cunhado bisbilhoteiro! Como se o irmão dele já não fizesse da minha vida um inferno.
Desviei o olhar e segui com Caterina até a beira da cova, para atirar um punhado de terra. Matteo fez o mesmo, o que me surpreendeu, já que ele e o pai estavam brigados. Antes que me desse conta, estava prestando atenção no que ele estava fazendo. De novo. A expressão em seu rosto enquanto atirava a terra sobre a tampa do caixão era tão tensa, tão cheia de ódio, tão cheia de… triunfo. Era óbvio o que ele estava fazendo — garantindo que Enrico permaneceria enterrado.
— Eu venci, velho imundo. — Podia jurar que vi seus lábios murmurarem quase em silêncio.
Acho que fiquei parada encarando-o por tempo demais. Tempo o bastante para ser flagrada por Enzo. Senti sua mão envolver meu pulso como uma garra.
— Vamos embora — ele rosnou, e saiu me arrastando pelo cemitério, deixando a mãe para trás.
Meu marido andava rápido e eu tentava acompanhá-lo, tropeçando nos meus próprios pés. Não olhei para trás, mas tinha certeza de que todos estavam nos observando. Seríamos o principal assunto de fofoca nos próximos dias, não havia dúvidas.
— Enzo, você está me machucando — tentei apelar.
Os dedos dele apertaram ainda mais em resposta.
— Não quero você de conversa com meu irmão. Ouviu?
Infelizmente, minha boca sempre foi mais rápida do que meu cérebro.
— Achei que você não tinha um irmão — respondi sem pensar.
Senti a ardência no rosto antes de me dar conta de que tinha levado um tapa.
— Você se acha engraçada? — ele cuspiu. — Não me desafie ou te devolvo para o lugar de onde te tirei. Você quer voltar para lá?
Sacudi a cabeça rápido, negando.
Há infernos e infernos. Cortona parecia ruim, mas havia lugares muito piores. Lugares onde uma garota jovem, sem dinheiro e sozinha se torna uma presa. Era melhor lidar com um demônio menor, como meu marido.
Pelo menos era isso o que eu pensava.







