capítulo 5

CAPÍTULO 5 — A PROPOSTA QUE MUDA TUDO

Narrado por: William

O silêncio dentro da sala de reuniões do hotel era quase confortável. Quase. Porque a minha mente estava em outro lugar — mais especificamente, presa na imagem de Ana Clara ajoelhada no chão do shopping, rindo enquanto ajudava Théo a montar um robozinho de plástico. Não fazia sentido. Eu não a conhecia, não sabia seu sobrenome, não sabia de onde ela viera… mas ainda assim, aquela cena tinha se instalado em mim de um jeito irritantemente persistente.

E isso, somado ao fato de que meu filho não parava de repetir o nome dela, criava uma pressão dentro de mim que eu não estava acostumado a sentir.

— William? — um dos diretores perguntou. — Você está bem?

— Ótimo — respondi automaticamente, mas pela expressão coletiva na mesa, ninguém acreditou.

Eu também não.

Encerramos cedo. Assim que saí da sala peguei o telefone, ligando para a equipe de segurança.

— Alguma notícia da garota? — perguntei sem rodeios.

— Já estamos no shopping, senhor. Vamos identificá-la pelas câmeras de segurança em minutos.

Eu deveria ter dito não se incomodem, esqueçam isso, é só por curiosidade. Mas não disse. Porque não era.

A explosão de risadas de Théo, a forma como ele a abraçava, a naturalidade dela… era como se ela tivesse tirado o peso do mundo dos ombros do meu filho em questão de segundos.

E eu precisava dessa leveza perto dele. Precisava disso mais do que tinha coragem de admitir.

---

Quando finalmente a encontrei de novo — ainda no shopping, agora de pé, segurando uma sacola pequena como se fosse algo muito precioso — senti algo dentro de mim alinhar, como se o universo confirmasse que, sim, era ela.

— Ana Clara — chamei, e ela quase derrubou a sacola. Os olhos se arregalaram como se tivesse sido pega em flagrante fazendo algo proibido.

— S-senhor William? Pensei que já tivesse ido embora…

Théo, agarrado à perna dela, completou com orgulho:

— Eu tava mostrando ela pra todo mundo! Ela é legal, papai! Você viu como ela é legal?

— Eu vi — respondi, e o olhar dela pesou sobre mim de um jeito que não soube decifrar.

Não era medo. Não era vergonha. Não era timidez.

Era… espanto. Como se ninguém nunca tivesse notado sua existência tão diretamente.

E isso me incomodou num nível que eu não pretendia analisar.

Respirei fundo, ajustando o tom da minha voz. Eu precisava falar com ela com clareza, sem intimidá-la — e isso, para mim, era quase um esporte olímpico de dificuldade.

— Ana Clara… — comecei. — Eu gostaria de fazer uma proposta.

Ela piscou, confusa.

— Proposta?

— De emprego.

Vi as mãos dela tremerem levemente ao redor das alças da sacola.

— E-emprego? Mas… eu… não sei se—

Théo me interrompeu:

— Papai, ela pode! Eu quero ela!

— Eu percebi — respondi, e dessa vez foi ela quem pareceu ficar sem ar. — E é exatamente sobre isso que quero conversar.

Ela olhou ao redor, como se estivesse procurando uma rota de fuga. Era estranho — ela parecia forte, mas ao mesmo tempo frágil. Como alguém que passou a vida toda encarando tempestades sem um único guarda-chuva.

— Vamos conversar em particular? — perguntei.

Ela assentiu, hesitante. Fomos até uma cafeteria tranquila no mesmo shopping. Théo ficou com dois seguranças, sem gostar muito da ideia.

Quando sentamos frente a frente, notei a postura dela: ereta, responsável, mas desconfortável, como se tivesse medo de ocupar espaço demais.

— Ana Clara — comecei, direto, mas não ríspido. — Eu falei que preciso de alguém que cuide do meu filho enquanto estivermos no Rio. Alguém que ele confie, que o acalme, que o entenda.

— Mas… senhor… eu não fiz nada demais… — ela murmurou, quase se encolhendo. — Eu só brinquei com ele.

— E isso é exatamente o “demais” que ninguém conseguiu fazer até agora.

Ela desviou o olhar, a garganta trabalhando num engolir nervoso.

— Théo se conectou a você. E… eu também percebi algo. — fiz uma pausa, medindo as palavras. — Você tem um jeito com ele que não se aprende. Ou se tem, ou não.

Ela ficou alguns segundos em silêncio absoluto, tentando processar.

— Eu… não sei cuidar de crianças ricas… — confessou, com uma sinceridade tão pesada que quase cortou o ar entre nós. — Eu nunca… fiz nada desse tipo. Não tenho experiência formal mas sempre ajudei no orfanato com os mais novos, mas... Eu… nem sei se sou o tipo de pessoa que vocês—

— Você é exatamente o tipo — interrompi, firme.

Ela pareceu congelar.

Eu me inclinei um pouco, baixando o tom:

— A questão é simples. Quero contratá-la como babá do meu filho enquanto estivermos no Brasil. mas… — fiz uma pausa breve — também quero convidá-la para continuar o trabalho em Toronto, quando voltarmos.

Ana Clara arregalou os olhos, respirando fundo como se tivesse levado um choque.

— Toronto…? O Canadá?

Assenti.

— Moradia incluída. Salário excelente. Segurança. Estabilidade. E… um ambiente onde você será tratada com respeito.

Ela riu — um riso pequeno, incredulamente triste.

— Isso… parece coisa de novela.

— Eu não faço propostas por impulso, Ana Clara. Isso não é ficção. É real.

— Mas por quê eu? — perguntou, finalmente expondo o que realmente importava. — Tem tantas pessoas no mundo… tantas mais preparadas…

Inclinei a cabeça, estudando-a.

— Porque você olhou para o meu filho como se ele importasse.

Ela piscou rápido, como se estivesse segurando algo.

— Todo mundo olha para ele — murmurou.

— Não da maneira certa.

Ela não respondeu.

E então percebi: ninguém nunca tinha reconhecido o valor dela. Nunca tinham visto. Nunca tinham dito você importa. Ela cresceu invisível — isso estava em cada gesto que ela fazia. Cada hesitação.

Ela respirou fundo várias vezes, como se estivesse tentando voltar ao próprio corpo.

— Você quer que eu… vá com vocês para outro país… para cuidar dele… por quanto tempo?

— Pelo tempo que você quiser ficar.

Ela riu nervosa.

— Eu posso pensar?

— Claro. Mas… — olhei nos olhos dela. — Isso pode mudar a sua vida.

O silêncio pairou sobre nós.

E eu soube, naquele instante, com uma clareza irritante:

Mudar a vida dela não era tudo que eu queria.

Eu também queria ela perto. No meu campo de visão. Na minha casa. No meu cotidiano.

E passar a desejá-la já era um problema que eu não estava pronto para encarar.

Ainda assim, finalizei:

— Pense com calma, Ana Clara. Mas saiba… — minha voz baixou involuntariamente — eu gostaria muito que você dissesse sim.

Ela me encarou por longos segundos.

E naquele olhar assustado, curioso e vulnerável…

Eu soube que a minha vida já estava mudando muito antes que ela percebesse.

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