capítulo 4

CAPÍTULO 4 – “ENTRE DUAS REALIDADES”

Narrado por Ana Clara

Eu não deveria estar ali.

Essa era a única coisa que minha cabeça repetia enquanto eu caminhava pelo corredor luxuoso do hotel, seguindo aqueles dois homens vestidos de preto que serviam como segurança. O carpete era tão macio que meu tênis barato parecia um intruso. As paredes tinham quadros que davam a impressão de custar mais do que tudo que eu poderia ganhar em uma vida inteira.

E eu… eu era só eu.

Uma menina recém-saída do orfanato, com uma mochila velha nas costas e o coração batendo tão alto que eu tinha certeza de que todos no andar estavam ouvindo.

Mas Théo, andando ao meu lado e segurando minha mão, parecia no maior clima de aventura.

— Você vai voltar amanhã, né? — ele perguntou pela décima vez.

Eu apertei seus dedinhos.

— Vou sim.

Ele me olhou com olhos tão confiantes, tão puros, que senti o peso de não decepcionar.

O elevador se abriu no térreo. O hall do hotel era imenso, iluminado por lustres tão enormes que pareciam ter vindo de um castelo. Pessoas elegantes andavam de um lado para o outro. A cada passo, eu sentia como se todo mundo soubesse que eu não pertencia ali.

William caminhava à frente. Reto, firme, impecável. O tipo de homem que ocupa espaço só por existir. Quando ele se movia, os outros pareciam abrir caminho. Eu não sabia se era respeito ou medo. Talvez os dois.

No carro, Théo adormeceu no meu colo antes mesmo de o motorista dar partida. Segurei a cabeça dele com cuidado, ajeitando delicadamente os cachos.

William olhou pelo retrovisor interno.

— Ele confia em você de um jeito incomum.

A frase me pegou de surpresa.

— Ele só… precisava de alguém — murmurei.

— Ele tem alguém — ele retrucou, a voz baixa e firme. — Ele tem a mim.

Engoli seco.

Sim, ele tinha. Mas ter presença física nem sempre era o mesmo que ter atenção.

Mas eu não era ninguém para julgar um pai.

Durante o trajeto, permaneci em silêncio, mas minha mente estava correndo uma maratona.

O que eu estava fazendo?

Onde eu estava me metendo?

E, principalmente:

Por que aquele homem me ofereceu um emprego sem nem me conhecer?

Quando o carro parou em frente ao portão da pequena pousada que minha cuidadora me indicou e me deu dinheiro para uma semana de diáris, senti um choque de realidade. O contraste entre os dois mundos era brutal. Aqui, as paredes eram antigas, a pintura descascada, as grades enferrujadas.

Eu tremi por dentro, não por vergonha, mas por medo de perder aquela oportunidade antes mesmo de começar.

O motorista abriu a porta para mim — o que me deixou completamente sem jeito — e eu desci com cuidado para não acordar Théo, que William carregava agora.

Sim, ele o carregava. De um jeito estranho. Tenso. Como se não estivesse acostumado a ter aquele pequeno corpo nos braços. Mas carregava mesmo assim.

Camila uma senhorinha que pelo que ouvi é ex funcionária do orfanato e agora é a dona da pequena pousada, apareceu na porta com olhos arregalados.

— Ana Clara… meu Deus, que susto! Já achávamos que tinha acontecido alguma coisa com você, a Ana do orfanato ligou dizendo que você chegaria hoje pela manhã, você está bem, aconteceu alguma coisa?

William virou o rosto para ela.

— Aconteceu, sim. Ela encontrou meu filho.

Camila pareceu prestes a entrar em colapso com o homem em pé na porta do orfanato.

— E-eu não sabia que… senhor…?

— William Davis — ele se apresentou com um micro aceno. — CEO da Davis Tech.

Camila quase engasgou com o ar.

— Meu Deus! A empresa… a multinacional… o… o senhor… aqui.. na minha pousada?

Eu senti meu rosto pegar fogo.

Ele colocou Théo dormindo no banco traseiro do carro novamente e virou-se para mim.

— Às nove. Não se atrase.

— N-não vou — respondi, engolindo as palavras.

Ele entrou no carro como se nada naquele cenário simples pudesse tocá-lo. Como se estivesse atravessando mundos.

E, de certa forma, estava mesmo.

Quando o carro sumiu na rua, Camila ficou parada me olhando como se eu tivesse acabado de voltar de Marte.

— Ana… o que aconteceu? — ela perguntou, segurando meu braço.

E eu, ainda zonza, só consegui dizer:

— Acho que consegui um emprego.

Ela me puxou para dentro, emocionada, querendo detalhes que nem eu sabia explicar.

Mas, naquela noite, deitada na minha cama de sempre, com o teto descascado e o ventilador barulhento girando devagar, o que realmente ficava me rodando na mente era outra coisa.

Por que ele me escolheu?

Eu não era a melhor opção.

Eu não tinha experiência.

Eu não tinha estudos.

Eu não tinha família.

Eu não tinha nada.

Mas quando fechei os olhos, vi o sorriso do Théo.

Ouvi sua risadinha feliz.

E pensei que talvez… só talvez… aquilo fosse suficiente.

---

No dia seguinte, acordei antes do sol nascer.

Sim, eu estava nervosa.

Sim, eu mal dormi.

Sim, eu achava que tudo poderia desmoronar a qualquer segundo.

Mas tomei um banho rápido, vesti minha roupa mais apresentável (o que não era muito) e caminhei até o hotel com a sensação de que estava pisando em um território proibido.

Quando entrei no saguão, o segurança me parou.

— Nome?

— A-Ana Clara… — respondi.

Ele consultou algo no tablet.

— Ah, sim. A nova funcionária do senhor Davis. Pode subir.

Nova funcionária.

Meu coração bateu tão forte que quase me empurrou para trás.

No elevador, respirei fundo várias vezes, tentando segurar as mãos para não suarem. Quando a porta se abriu no último andar, avistei um rosto conhecido.

Théo.

Pulando no lugar como se estivesse esperando por mim há horas.

— Anaaaa! — ele gritou correndo até mim.

Eu o abracei forte.

— Bom dia, pequeno.

Antes que eu pudesse dizer mais nada, William surgiu na porta da suíte.

Camisa social dobrada nos antebraços, relógio caro, expressão séria como se tivesse acordado já mandando em meio mundo.

Mas quando ele viu Théo agarrado à minha perna, o olhar dele mudou — quase imperceptível, mas mudou.

Ele olhou para mim.

Direto. Firme.

Como se tentasse me decifrar.

— Seja pontual — ele disse. — Pontualidade é essencial.

— Eu… cheguei dez minutos antes — respondi, sem saber por que fiquei tão defensiva.

Ele ergueu ligeiramente a sobrancelha.

— Ótimo.

Então, por um segundo, apenas um segundo, a expressão dele suavizou.

— Théo está muito animado para o dia de hoje.

Eu respirei fundo.

Sorri para o menino.

E pensei que talvez… talvez eu estivesse animada também.

Porque algo ali, naquela suíte luxuosa, naquele menino sorridente e naquele homem impossível de ler…

algo ali me dizia que minha vida estava prestes a virar de cabeça para baixo.

E pela primeira vez…

eu não queria fugir disso.

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