Vittorio
Não sei o que deu em mim.
Mas, quando vi Luca Moretti… algo em mim quebrou.Lembranças adormecidas despertaram.
Sombras do meu pai. Da minha mãe. Do fim de tudo.Eu tinha seis anos quando a vida mudou.
Fui criado pelos meus avós. As memórias daquela época eram confusas, borradas como vidro molhado.Lembro daquela noite.
Fria. Chuvosa. Minha mãe e eu na cozinha, preparando o jantar.Eu arrumava a mesa.
Ela espremia laranjas. O telefone tocou.Depois daquela ligação… ela não era mais a mesma.
Os olhos dela ficaram vazios. Um olhar que uma criança não deveria conhecer.Sem dizer palavra, apagou as luzes.
Arrumou uma mochila. Me vestiu com roupas quentes.— Mamãe, o que está acontecendo? — perguntei.
Ela não respondeu.
Só chorou. E me levou até o portão.Me entregou um bilhete.
— Espere aqui. O vovô e a vovó estão chegando.
Ela me olhou mais uma vez.
Olhos azuis, marejados, vermelhos de tanto chorar. E voltou para dentro de casa.Poucos segundos depois…
Explosão.A casa inteira se consumiu em chamas.
Minha mãe… se foi diante dos meus olhos.Eu tentei correr até ela, mas meus avós chegaram a tempo.
Minha avó me agarrou. Meu avô tentou apagar o fogo com um extintor. Mas nada poderia salvá-la.Anos depois, descobri a verdade.
Ela se matou.Meu pai a havia abandonado.
Por telefone. Disse que tinha outra mulher. Disse que ia ter outro filho. Disse que queria a casa de volta.E ela… não suportou.
Preferiu queimar junto com a própria dor.Desde então… eu jurei nunca perdoar Antonio Moretti.
E odiar tudo que carrega esse sobrenome.Presente. Hospital.
Luca Moretti estava na recepção.
Perguntava por Evie.— Ela está na sala de medicação. — disse a enfermeira. — O senhor é o quê dela?
— Um amigo. Posso vê-la?
— Desculpe, mas ela já tem acompanhante. Quer que solicite a troca?
Ele ia responder, mas o celular tocou.
A voz de uma mulher ecoou alta pelo viva-voz.— Luca… estou com medo. Vem ficar comigo?
— Estou a caminho. — ele desligou. E pediu: — Não precisa avisar que estive aqui.
Foi nesse instante que meu corpo agiu sozinho.
E meu punho encontrou o rosto dele.Ele cambaleou, surpreso.
— Irmão, o que diabos você está fazendo?!
— Nunca mais me chame assim.
Luca Moretti.
Filho de Antonio. O herdeiro do homem que destruiu minha mãe.E agora… repetia o ciclo.
Quase levando outra mulher à morte.Graças a Deus puxei os traços da minha mãe.
Porque parecer com ele me faria odiar meu próprio reflexo.— Você enlouqueceu, Vitor! — ele me empurrou.
— Não sirves nem como homem, verme! — cuspi. — É um imbecil igual ao teu pai.
— Vai pagar por isso. — Luca cerrou os punhos. — Eu vou acabar com você.
Sorri.
— Ah, eu pago pra ver. Se teu velho não te deu uma surra… eu dou.A briga começou.
Soco contra soco. Ele era grande, mas desajeitado.Eu não.
Fui forjado no Exército. Treinado nas Forças Especiais. Meus punhos sabiam o caminho.Ofensas voaram junto com os golpes.
Até que a segurança interveio. Fomos separados e expulsos do hospital.— Por que você fez isso? — ele exigiu, furioso.
Virei as costas.
— Vermes como você não merecem explicação.Naquela noite, só consegui pensar nela.
Evie.Mais uma vítima do sangue Moretti.
Eu não podia deixá-la perder aquele sorriso. Aqueles olhos verdes que me atravessavam como lâminas.Mandei mensagem para Ana.
"Boa noite, doutora. Como está nossa pequena princesa? Já se alimentou? Está bem?"
A resposta veio rápida:
"Boa noite, Vittorio. Já está alimentada. Agora estamos assistindo uma série de um bruxo que mata monstros."
Sorri.
Alívio. Ela estava em segurança.Mas eu queria mais.
Queria ouvir dela mesma."Ana, me faça um favor. Passe o contato dessa amiga maravilhosa. Não consigo tirá-la da cabeça."
A médica riu pela mensagem.
"Até que enfim, hein? Mas cuidado. Se a magoar, eu sei muitas formas de matar."
Ri também.
E respondi no mesmo tom:"Positivo, comandante. Protegerei essa pequena chama de olhos verdes com minha vida. E espero ajudar quando chegar a hora de acabar com o causador da dor dela."
"Boa resposta, soldado. O pacote está indo dormir. Está liberado."
Mandei um emoji de continência.
E logo depois… escrevi para Evie.Me tornei de novo o Cavaleiro Vingador.
Ela respondeu como uma Rainha renascida.Conversamos até tarde.
Ela… meu bálsamo. Ela… minha obsessão.Quando finalmente adormeci, sonhei com aqueles olhos.
Acordei duro, em fogo. Mas afastei os pensamentos sujos. Não queria olhar para ela com desejo vulgar. Queria merecê-la.Saí para correr, tentando domar o corpo.
De volta em casa, suado, fui direto para o banho.
Depois, café fresco. O celular tocou.— Bom dia, meu filho. — era meu avô. Sempre me chamou assim. Sempre foi meu verdadeiro pai.
— Bom dia, vô. Como o senhor está?
— Bem. Eu e sua avó queremos saber… como foi o encontro com a médica ontem?
Suspirei.
Aquele encontro tinha sido um desastre. Mas, no fundo, mudou tudo.— Foi um desastre, vô. — ri.
Ele riu também.
— Pois conversamos com a família Castro. A filha deles gosta muito de você. Está disposta a se casar.— Vovô… — respirei fundo. — Eu encontrei a mulher da minha vida ontem.
Silêncio.
Achei que o velho tinha caído duro.— A médica? Mas não tinha sido um desastre?
Sorri.
— Não a médica. Uma princesa moderna. Linda. Forte. Que precisa ser salva.Ele não entendeu nada.
Mas me avisou:— Não se meta em confusão, meu filho. Nós queremos conhecê-la.
— Logo, vô. Mas primeiro preciso conquistá-la.
E acabar com o dragão que a mantém presa.