Visitas indesejadas.

Capítulo 1.

Visitas indesejadas.

03 de outubro, 2017.

— Ainda não sabemos ao certo quem está espalhando tais vídeos falsos, mas as autoridades pedem calma e compreensão à todos. A polícia está em busca do grupo de hackers terroristas que está tentando espalhar o pavor entre a população estadunidense. — A repórter murmurou com uma expressão, aparentemente, não muito convencida das próprias palavras. — Voltamos ao estúdio com você, Robert. — Forçou um sorriso e a sua imagem desapareceu na tela da grande televisão pendurada na parede dos fundos.

Franzi as sobrancelhas, incomodada. Os meus pensamentos ficaram inquietos pelo recente noticiário, contudo apenas encarei as portas duplas de vidro da lanchonete e obriguei-me a esquecer os últimos acontecimentos misteriosos que andavam assolando alguns estados norte americano. Para mim, era quase impossível ignorar as notícias de quando se tratavam de vídeos onde supostamente pessoas estavam comendo outras vivas à luz do dia.

Droga!

Era uma terça feira calma e entediante de outono, o que me deixava propensa a ficar com ainda mais mau humor e irritadiça. Ter a lanchonete praticamente, tirando um casal de adolescente tomando milk-shake no canto mais afastado, vazia apenas contribuía para aumentar a minha tremenda insatisfação com o meu emprego de meio período e medíocre após as aulas matutinas.

Por que não dei ouvidos a minha avó em não arrumar um emprego e apenas focar nos estudos?

— Você deveria mudar essa cara de bunda e abrir um belo sorriso para os seus clientes, espanhola. — Ela murmurou em puro deboche. — Afinal, você não quer perder o seu maravilhoso trabalho aqui. — Completou, cinicamente.

Revirei os olhos, soltando um riso baixo e abafado, e virei-me na mesma direção em que a minha melhor amiga estava sentada. Ou yo deveria chamá-la de possível inimiga? Apoiei um cotovelo sobre o balcão, extremamente limpo e brilhante, e pousei o queixo na minha palma ao mesmo tempo em que a fitava com preguiça. Ela abriu um sorriso largo e zombeteiro ao ver a minha expressão falsamente tranquila.

Ela sabia o quão yo estava pronta para voar no pescoço do primeiro que rompesse a linha, absolutamente, tênue da minha frágil paciência para uma exploração quase mundial de xingamentos em espanhol.

— Você não imagina o quanto estoy com medo de perder esse emprego dos mis sueños. — Rebati, mal-humorada. Desviei o olhar e fixei-o na parede dos fundos, onde haviam várias placas decorativas que davam um ar mais aconchegante ao estabelecimento. — Yo estoy cansada de tudo isso, Elena. — Confessei ao encará-la em seguida. — Ainda não encontrei nenhum outro serviço nas redondezas. — Reverei os olhos. — Sempre querem alguém mais qualificado, com experiências e horas livres. — Reclamei, aborrecida.

Houve um curto período de silêncio entre nós duas, contudo, logo, senti a sua mão pequena e quente cobrir a minha em um aperto reconfortante. Elena era muito mais do que minha melhor amiga, era minha irmã de coração.

— Lola, deveria largar esse martírio que você chama de emprego e focar nos estudos. Estamos tão perto da formatura e de conseguirmos uma vaga em uma universidade em qualquer cidade ensolarada bem longe daqui. — Elena pontuou, carinhosa, e deu mais um aperto antes de afastar a sua própria mão. — Vovó Dulce e tia Laura já disseram que você não tem com o que se preocupar.

Soltei um suspiro, pesado e frustrado, voltando a encará-la.

Yo sei, amiga. — Pausei, sentindo um desamino forte me abater sem piedade. — Só quero ser mais independente do dinheiro de vovó Dulce e de minha madre. Amo-as acima de tudo e todos. No entanto, quero viver dos meus próprios esforços, derrotas e conquistas, e não das vitórias de ambas. — Levantei da banqueta do balcão quando ouvi o sininho da porta tocar indicando que algum cliente havia entrado. — Já volto! — Forcei um sorriso na sua direção.

Caminhei entre as mesas vazias, concentrada nos meus próprios tênis All Star brancos, e ensaiava um sorriso simpático e não muito cara de bunda como Elena adorava implicar comigo. Rapidamente, alcancei uma mesa de seis lugares, que ficava localizada nos fundos da lanchonete, e puxei o bloquinho de pedidos pronta para fazer o meu décimo atendimento daquela tarde entediante. Ergui o olhar e, no mesmo instante, desejei internamente que um meteoro caísse sobre eles. Meu sorriso morreu ao reconhecer quem eram os clientes.

— Olá, sejam bem-vindos! — Saudei a contragosto e torci internamente que meu sorriso falso não fosse tão cara de bunda. Como era demasiadamente difícil reprimir a minha vontade fazer uma careta de desagrado na frente deles. — O que desejam? — Perguntei, encarando o meu bloco de pedidos.

Será que yo corria o risco de ser presa caso me desse o prazer pessoal de socá-los?

Você... — Murmurou uma voz masculina e irritante do meu lado esquerdo, fazendo-me encará-lo com ambas sobrancelhas arqueadas. — Pode sugerir alguma coisa gostosa para que eu possa comer? — Continuou, cínico e malicioso, quando percebeu a minha atenção sobre si e seu grupinho de amigos.

Senti o meu rosto corar. Contudo, não era de constrangimento pelo assédio implícito nas suas palavras tão idiotas como ele, e sim de raiva. Meu interior borbulhou ainda mais de ódio assim que ouvi a risada dele e dos seus amiguinhos idiotas. Porcaria de cena clichê adolescente de filmes e séries chatas! Minhas mãos coçaram-se na imensa vontade de fechar o punho e socar o rostinho de bebê do filho mais velho do prefeito Waterfall Falls.

Ah, sim, agora me recordei o motivo de não poder socá-lo à vontade.

— Que tal um pouco de vergonha cara e senso de noção e respeito, Pietro? — Rebati sem conseguir controlar a minha língua e irritação, fazendo-o ficar calado e sério. — Então, o que querem? — Inquiri, mais uma vez, abrindo um sorriso debochado e mais falso que uma nota de sete dólares.

Que se danasse, se yo estava fazendo cara de bunda.

— Podem ser cinco Big Hamburguês, quatro cocas e um suco de laranja. — Gabriel, o amigo mais sério de Pietro, pediu quando os outros continuavam me olhando em silêncio. — Por favor, Lorena! — Sorriu, gentilmente.

Anotei os pedidos com rapidez e lhe lancei um sorriso sincero, antes de virar as costas e caminhar para longe do grupo. Eu sempre me perguntava como um garoto legal e gentil como Gabriel poderia ser o melhor amigo de Pietro, já que o filhinho de papai era a pessoa mais arrogante, babaca e abusada da única escola de ensino médio da pequena e pacata cidade do Estado Washington. Por ser filho do prefeito, se achava no total direito de fazer o que bem entedesse e achar que nada o atingiria um dia.

Se bem que mi abuela era juíza na Espanha.

— Não compreendo como Gabriel pode ser amigo daquele babaca, amiga. — Elena comentou, com uma careta de nojo, e olhou discretamente na direção da mesa barulhenta. — Enfim, tenho problemas maiores para me preocupar do que esse grupinho estupido. — Sussurrou baixinho para si mesma, porém ainda pude ouvi-la por estar muito perto.

Franzi a testa, sentindo um aperto ruim no meu peito ao fitá-la pensativa.

— Você sabe que pode morar na minha casa, Elena. — Soltei baixinho, atraindo a sua atenção para mim, e engoli em seco ao notar a sua expressão chorosa. — Amiga... — Suspirei, pesarosa, quando uma lágrima escorreu silenciosamente por minha bochecha.

Yo tinha vindo morar com a minha pequena família, nos Estados Unidos, quando completei 8 anos e a minha madre recebeu uma ótima proposta de emprego no continente americano. Meu padre, se era que poderia chamá-lo de pai, ficou na Espanha e casou-se com a sua amante. Nos primeiros anos, eu o via pelo menos a cada seis meses. No entanto, no decorrer dos anos e a chegada da minha adolescência, nossos encontros foram ficando cada vez mais escassos e já fazia dois anos desde que o vi pela última vez.

Se yo fosse sincera comigo mesma, confessaria em voz alta que nunca senti falta de um pai ou sequer o vi alguma vez como tal nos últimos dez anos. Não me fazia a menor falta o que nunca tive de fato.

No entanto, o caso da minha melhor amiga era muito mais complicado e doloroso. Sua casa era um verdadeiro inferno na terra. Seu pai era alcoólatra e agressivo, enquanto a sua mãe aceitava um casamento tóxico e abusivo por acreditar piamente que o seu marido mudaria a qualquer momento. Saray, progenitora de Elena, era uma mulher muito religiosa e devota de sua fé, o que a fazia ficar presa no que escutava do seu pastor hipócrita.

— Lorena, eu estou... – Interrompeu-se, repentina. Por fim, desviou o olhar e respirou fundo, o que fez o meu coração apertar-se ainda mais de angustia e dor por ela. — Estou bem. — Mentiu, encarando-me de volta, e forçou um sorriso. — Por favor, não me olhe assim! — Pediu, quando uma carranca desgostosa tomou conta da minha expressão. — Queria conseguir tacar o foda-se, largar a minha mãe nas mãos daquele desgraçado e sumir no mundo. Porém, não sou forte o suficiente para isso. — Suspirou fundo e negou com a cabeça para si mesma.

Enruguei minhas sobrancelhas e me senti impotente mediante os problemas da minha melhor amiga. Yo queria ajudá-la, mas a própria dificultava as minhas ações.

— Não diga uma asneira como essa, Elena! — Recriminei-a, levemente irritada com a sua pouca fé em si mesma, e dei um aperto reconfortante nas suas mãos juntas sobre o balcão. — Você é incrível e forte por suportar uma situação delicada como a sua! — Afirmei sem pestanejar.

Meu coração partiu-se mais ainda notar as solitárias e discretas lágrimas rolarem pelas suas bochechas.

— Então, por favor, não pense tão pouco de si mesma. — Continuei, com urgência e amorosamente. — Que tal dormir lá em casa hoje com direto a uma sessão infinita de filmes, chocolate, pipoca e refrigerante? — Sugeri, sorridente, e afastei-me na direção das mesas quando o sininho da porta tocou novamente, mas sem tirar os olhos dela.

Elena abriu um pequeno sorriso e assentiu com aceno sutil. Mesmo ela que não tivesse dito, vi refletido nos seus olhos como ficou agradecida pela mudança de assunto.

— Acho uma ideia incrível! — Murmurou, um pouco animada. No entanto, o seu sorriso tornar-se mais pronunciado e malicioso. — Porém, eu faço a pipoca, afinal não queremos comer nada queimado mais vez, não é? — Debochou.

Revirei os olhos e ergui o dedo meio na sua direção bem rapidamente, ignorando-a em seguida.

— O pedido vai demorar quanto mais tempo, garçonete? — Pietro indagou em voz alta, fazendo-me parar de caminhar e o encarar com as sobrancelhas arqueadas. — Estou faminto por comer algo saboroso. — Continuou, em um tom malicioso e nojento, fitando-me dos pés à cabeça.

Me senti nua diante o seu olhar descarado e a minha mão coçou mais.

Meu estômago embrulhou-se e uma raiva descomunal borbulhou no meu interior como um alerta vermelho e gigante de perigo. Contudo, esse sinal era para ele e não para mim. Por fim, retorci os lábios em um sorriso de escárnio.

Ah, que se dane!

— Ainda não tenho uma bola de cristal, querido. — Estalei a língua no céu da boca. — E tenho certeza que de fome você não morrerá, afinal o seu pedido ainda nem tem dez minutos. — Respondi, cinicamente, deixando-o sem graça.

Lhe dei as costas e voltei a caminhar com a minha atenção pregada no meu bloquinho de pedidos. Ainda pude ouvir os seus amigos rindo e zombando dele com a minha resposta. Intimamente, senti um certo alivio em retrucá-lo e deixá-lo sem palavras, mesmo que bem minimamente. Eu sabia que iria parar no olho da rua caso Pietro reportasse o meu comentário ao muquirana do Sr. O’Connor, o meu patrão. No entanto, yo não estava me importando nenhum pouco.

— Olá, seja bem... – Comecei a murmurar falsamente animada, no entanto a minha voz morreu na garganta quando ergui a cabeça e me deparei com um olhar intensamente familiar. — ...Vinda — Arregalei os olhos, minimamente, mediante o meu enorme espanto em vê-la.

Em resposta, ela abriu um sorriso largo e bonito.

O que fiz para merecer essas ‘’visitas’’ indesejadas justo hoje?

Lorena... — Ela sussurrou o meu nome com lentidão, causando-me reações já conhecidas por mim no meu estômago, e fitou o meu rosto com uma expressão relaxada. — Como vai? — Inquiriu, educada e gentil.

Com vontade de ir parar em qualquer lugar bem longe de você!

Yo...yo...yo estoy bien. — Soltei meio engasgada e ruborizada pelo seu olhar profundo. — Então, o que deseja? — Forcei um sorriso, segurando o bloquinho e a caneta com mais força.

Por que meu corpo sempre continuava me traindo assim na sua presença?!

Ela arqueou uma sobrancelha e um sorriso debochado brincou nos seus lábios cheios. Por mais que eu odiasse os clichês adolescente, também tinha o meu e o estava vivenciando no momento mais inoportuno. Porcaria! Ainda sentindo meu estômago agitado e as minhas pernas meio trêmulas pela sua presença, arquei uma sobrancelha sem tirar os olhos do seu rosto enquanto ela permanecia em silêncio. Tinha a plena convicção de que ela esperava que yo retribuísse a pergunta gentil, contudo nenhuma virgula sairia da minha boca para saber qualquer coisa, mesmo que minimamente, da sua vida.

Seu sorriso tornou-se mais pronunciado.

— Por enquanto, apenas um milk-shake. — Ela respondeu, simples. Ficou ainda mais relaxada no banco cafona, que possuía o revestimento de couro sintético vermelho, e passou uma mão tatuada pelo longo cabelo escuro. — O sabor você já sabe qual é o meu preferido, rosada. — Continuou ao adquirir um tom mais baixo e sexy.

Rosada? Como ela ainda tinha coragem de falar em voz alta aquele apelido?

Rosada?! — Repeti, ácida. — Você sabe muito bem que yo odeio que me chame assim. – Franzi o cenho ao inclinar-me para frente. — E você perdeu esse direito de me chamar assim a mais de um ano e meio, Hana. — Ajeitei-me e lhe ofereci um sorriso irônico. — Talvez, eu despeje algum veneno no seu milk-shake de morango. — Pisquei um olho na sua direção, saindo em seguida sem olhar para trás.

Hana Miracle poderia ainda mexer, demasiadamente, comigo e as minhas estruturas. Porém, jamais deixaria transparecer qualquer sinal, afinal o meu orgulho era maior e mais forte do que a minha saudade por ela.

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