POV Rafaella Ferraro
O céu de Florença estava cinza no dia da minha partida. Talvez refletindo o que se passava dentro de mim. Me despedi de Erich no aeroporto com um abraço longo, silencioso, como se disséssemos tudo o que as palavras falhariam em expressar. Matteo me abraçou depois, e mesmo com sua personalidade brincalhona, seu olhar era de respeito. Já Salvattore... não apareceu. Não que eu esperasse. Ou talvez esperasse sim, no fundo. E por isso doeu. O voo até o Brasil foi um eterno conflito entre o certo e o inevitável. Tentei dormir, tentei distrair minha mente com filmes ruins, mas nada apagava a imagem do olhar dele quando deixei aquela sala de jantar. A dor contida. A raiva por trás do silêncio. A dúvida se eu tinha feito o certo. Quando cheguei, meus avós me esperavam com os olhos marejados e os braços abertos. Vovó me abraçou com tanta força que achei que fosse desabar ali mesmo. O cheiro do bolo de laranja dela ainda era o mesmo da minha infância. E vovô... mesmo com o Alzheimer avançando, me olhou por alguns segundos como se me reconhecesse. Sorriu. Chorou. Eu também. Voltar ao Colégio Santa Teresa foi estranho. Estava tudo como antes, mas eu não era mais a mesma. Estava agora no último ano do ensino médio, tentando focar nos estudos e na rotina, mesmo que minha mente escapasse para muito longe, mais especificamente para a Toscana. Por mais que tentasse me distrair com a escola, os livros e as praias às vezes silenciosas da cidade, era inevitável pensar em quando voltaria para a Itália. Era como se cada dia ali me aproximasse do reencontro, e isso me mantinha firme, de certa forma. Não fiz muitos amigos — como antes. Continuava sendo a garota reservada, misteriosa demais para se encaixar nos grupos barulhentos. Às vezes, depois das aulas, ia até a praia. Ficava horas ali, olhando o mar, tentando entender o que sentia. O vento no rosto era o único que não exigia nada de mim. Era mais fácil estar com a natureza do que com pessoas. À noite, sonhava com Salvattore. E odiava isso. Odiava porque ele não saía de mim. E eu já não sabia se queria que saísse. Chiara me visitou algumas vezes. Ela era uma ponte com tudo o que eu tinha deixado para trás — e, ao mesmo tempo, uma lembrança constante da minha ausência. Quando chegou da primeira vez, me abraçou forte e me fez rir com seus comentários dramáticos sobre a máfia, a comida italiana e, claro, Erich. — Eu juro que, se teu irmão não se declarar logo, vou usar táticas de guerra psicológica — ela disse, fazendo careta. — Ele é teimoso — respondi. — Igual a mim. Rimos, mas eu percebia no olhar dela algo genuíno. Chiara era apaixonada por Erich de verdade. E eu temia que ele demorasse demais para perceber. Na última visita, ela chegou com uma caixinha azul-marinho nas mãos. E um brilho nos olhos que denunciava mais do que simples curiosidade. — Trouxe algo pra você. Ou melhor… ele mandou. Meu coração pulou uma batida. Peguei a caixa com mãos trêmulas. Dentro, havia um colar delicado, com um pingente em formato de rosa dourada. No verso, uma inscrição minúscula em italiano: "Per sempre tuo, se mi aspetti." — Para sempre seu, se me esperar. — Tem mais — Chiara disse, tirando um envelope da bolsa. — A carta. Senti um arrepio percorrer minha espinha. Me tranquei no quarto antes de abrir. O cheiro dele pareceu saltar do papel. A caligrafia firme, intensa, como sua presença. "Rafaella, Não sei o que sente quando pensa em mim. Raiva? Saudade? Ódio? Tesão? Eu sinto tudo isso por você. Você me invadiu. Entrou no meu peito com a doçura de uma menina e a força de uma tempestade. Penso em você todas as noites. Em como seria te despir, com calma, com pressa, com devoção. Em como seu corpo encaixaria no meu, quente, inteiro, entregue. E odeio imaginar que alguém mais possa ver o que eu vi nos seus olhos. Volta quando quiser. Eu espero. Mas não pense que sou santo. Sou seu. Do jeito mais indecente possível." Terminei a carta com o coração disparado. Minhas mãos suavam. Meu rosto queimava. Eu odiava o quanto o queria. O quanto aquela carta me tocou. O quanto aquele homem ainda me tinha — mesmo a um oceano de distância. Dobrei o papel com cuidado, como se fosse sagrado. Guardei na gaveta com o colar. E fiquei ali, sentada na cama, tentando entender como se ama e se odeia alguém na mesma intensidade. Já se passaram quase dois anos que tinha chegado ao Brasil. Estava no meu último ano de escola. A formatura se aproximava como um aviso inevitável: o fim de um ciclo. E com ele, uma pergunta que me acompanhava todos os dias — quando eu voltaria? E, mais do que isso… quando eu o veria novamente?