Capítulo Quatro

Scarlet Hayes

O quarto era lindo. Mas havia algo nele que me sufocava. Talvez as paredes altas, o silêncio, ou o peso de tudo o que tinha acontecido nas últimas horas.

Fui até o espelho. O reflexo que me encarava parecia o meu… mas também não parecia. Meus olhos estavam diferentes. Mais escuros. Mais atentos. Como se outra parte de mim, uma parte escondida, observasse tudo em silêncio.

Toquei meu rosto, lembrando das palavras daquele homem de terno que tentou me comprar no leilão:

"Ela é igual. É ela. É a Luna."

E agora Dimitri me trazia para cá. Me chamava de “noiva”, mas não me tocava com desejo. Ele me olhava como se estivesse vendo um fantasma, eu podia sentir isso, apesar de não entender nada.

Um arrepio percorreu minha espinha.

Fui até a janela e abri. A noite estava clara, e no céu, a Lua começava a subir… ainda não cheia, mas perto. Muito perto.

Meu peito apertou. Meu corpo inteiro começou a formigar, como se algo sob minha pele estivesse se mexendo, tentando sair.

—O que está acontecendo comigo? — sussurrei.

Cai de joelhos, ofegante. Meus sentidos ficaram mais aguçados. O cheiro da madeira, o som de passos distantes, até o bater do meu próprio coração… tudo parecia mais alto, mais forte.

Fechei os olhos e vi uma floresta. Vi meus pés descalços sobre a terra, e ouvi uivos ao longe. E então, a imagem de um homem. Dimitri. Mais jovem. Com sangue nas mãos. Chorando.

—Pare — murmurei. — Isso não é real.

Mas era.

Uma voz sussurrou dentro da minha mente. Não era minha. Era rouca, selvagem. E dizia apenas:

“Você está voltando para casa.”

Ofeguei e me levantei com dificuldade. Fui até o espelho de novo… e por um segundo, juro por tudo que vi os olhos de outra mulher no meu reflexo. Olhos dourados. Olhos de loba.

Alguém bateu na porta.

—Scarlet?

Era Dimitri.

—Estou bem — menti.

Ele hesitou.

—Amanhã… quero que caminhe comigo pelos arredores da mansão. Há coisas que você precisa ver.

Assenti, ainda trêmula.

—Tudo bem.

Ele foi embora, e eu continuei ali, olhando para a Lua que subia no céu.

E no fundo… algo dentro de mim uivava.

Dimitri Blackthorn

A reunião com os anciões havia terminado, mas as perguntas deles ecoavam na minha mente.

"Você encontrou sua Luna?"

"Seria ela… a mesma?"

Nada fazia sentido. Scarlet tinha o rosto, o cheiro, a essência… mas não se lembrava de nada. Não podia ser ela. E ainda assim, cada fibra do meu ser dizia que era.

Subi as escadas com pressa. O meu lobo gritava para ir até ela. Algo estava errado.

Abri a porta do quarto antes mesmo de bater.

—Scarlet?

Ela estava de pé, diante do espelho, pálida como a neve. Suando. Tremendo. Os olhos fixos no reflexo como se visse um fantasma.

—Scarlet!

Ela se virou devagar, cambaleando.

—Dimitri… eu… — seus joelhos cederam.

Corri e a segurei antes que ela caísse. Seus olhos giravam, como se ela estivesse lutando contra algo dentro dela.

—Estou aqui. Você está segura.

Ela apertou meus braços com força surpreendente, como se meu toque fosse a única âncora que ainda a ligava ao mundo.

—Está… doendo aqui dentro — ela levou a mão ao peito, e lágrimas escorreram pelo rosto. — Eu escuto, ela está gritando dentro de mim,ela quer sair!

Meu coração disparou.

—Você precisa descansar. Seu corpo está despertando. Scarlet… você não é humana. Não totalmente.

Ela me olhou com um misto de medo e certeza.

—Você sabia?

—Sempre soube.

Ela tentou dizer algo, mas seus olhos se reviraram e o corpo amoleceu nos meus braços.

—Scarlet!

Segurei-a com firmeza e a deitei na cama, afastando os fios de cabelo colados à sua testa.

—Você vai ficar bem.

Me sentei ao seu lado, segurando sua mão. Podia sentir a energia da loba nela… pulsando. A Lua ainda não estava cheia, mas o chamado já a tocava.

E dessa vez, eu não a perderia.

Scarlet Hayes

A escuridão parecia me engolir, mas então… veio o som.

Uivos.

Passos sobre a terra molhada.

E um sussurro ao meu ouvido:

“Corra, minha Luna… eles a querem morta.”

Vi o lobo. Aquele dos meus sonhos desde a infância. Mas ele não estava sozinho dessa vez.

Eu também era um lobo. Sentia meu corpo mais leve, minhas patas cravando a terra. Corria por entre árvores, e atrás de mim, sombras me perseguiam. E então, a voz dele. A mesma voz de Dimitri.

—Luna, não!

Vi a mim mesma… em outro tempo. Outro corpo. Mesma alma. Me jogando em frente a um lobo machucado para protegê-lo. Meu lobo. Dimitri.

“Se me matar… nunca mais verá a luz da Alcatéia.”

As palavras saíam dos meus lábios. A antiga versão de mim, encarando os anciões.

“Eu sou a Luna por escolha da Lua. E a morte não me impedirá de encontrá-lo de novo.”

Um clarão tomou conta da floresta. E então… tudo ficou em silêncio.

Dimitri Blackthorn

Ela se mexeu. Pela primeira vez em horas, Scarlet franziu a testa e respirou fundo, como se tivesse acabado de mergulhar em um oceano profundo e voltasse à superfície.

Me inclinei.

—Scarlet?

Ela abriu os olhos lentamente. Estavam mais escuros, intensos, quase prateados. O mesmo brilho da minha Luna.

—Você… — ela sussurrou. — Eu me lembro…

Minha respiração falhou.

—Do quê?

Ela segurou meu rosto com as duas mãos, ainda trêmulas.

—Eu fui sua Luna.

As palavras dela vieram como uma rajada de vento em meio ao caos.

—Eu morri… por você. E agora… estou de volta.

Meu coração, que havia sido arrancado há anos, voltou a bater com fúria.

—Você se lembra… de mim?

Ela assentiu. Uma lágrima escorreu de seus olhos.

—Você nunca deixou de me procurar.

—Nunca!

A puxei para meus braços, sentindo finalmente o elo se reacender.

Mas algo ainda estava errado. Eu sabia. Se ela voltou, os inimigos também estavam por perto.

continua...

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