O som metálico da porta se fechando atrás deles soou como uma sentença. Luna estremeceu. O frio que correu por sua espinha não vinha apenas da brisa que escapava pelas frestas das janelas velhas, mas da sensação de que estavam sendo observados. Leonel girou rapidamente, o corpo em alerta, os olhos percorrendo cada canto do quarto em busca de algo fora do lugar.Dona Isaura encostou-se à parede, o rosto pálido, os olhos arregalados.— Como ele… como ele sabia que estávamos aqui? — Luna sussurrou, a voz embargada pelo medo.Leonel não respondeu de imediato. Seus olhos percorriam as paredes à procura de câmeras, microfones — qualquer sinal de que estivessem sendo vigiados. Mas tudo parecia em silêncio. Até que, mais uma vez, a voz ecoou. Agora mais baixa, mais íntima, como um sussurro vindo das próprias paredes.— Leonel… meu filho. Finalmente encontrou o que tanto buscava?Luna arregalou os olhos. O coração disparou em seu peito como um tambor em guerra. Aquele timbre… carregado de auto
O silêncio após a declaração de César era espesso, sufocante. Luna sentia o coração bater tão forte que parecia estar em sua garganta.Leonel, ainda ajoelhado, se ergueu com os punhos cerrados.— Você devia estar morto.César arqueou uma sobrancelha, seu sorriso frio se abrindo lentamente.— E você devia ter ficado longe, meu filho. Mas sangue chama sangue, não é mesmo?Luna recuou um passo, enojada com a calma do homem à sua frente. Era impossível associar aquele rosto marcado pela idade com o pesadelo que destruíra sua mãe. Mas os olhos…Os olhos eram iguais aos dos pesadelos de sua infância.— O que quer de nós? — ela perguntou, com firmeza.— Quero propor um acordo — respondeu ele, como se estivessem negociando ações na bolsa. — Vocês dois, comigo, esta noite. Um jantar. Depois disso, escolhem: vão embora e nunca mais se metem nos meus assuntos… ou ficam e descobrem toda a verdade.Leonel riu, sem humor.— Você acha que pode manipular tudo como fazia antes?César apenas virou-se.
Luna puxou o braço de Leonel com força, os olhos arregalados fitando o espelho no fim do corredor. A silhueta que vira segundos antes desaparecera — como fumaça em meio à escuridão. O coração dela batia como um tambor em frenesi, enquanto um arrepio gelado descia por sua espinha.— Alguém estava ali — sussurrou ela, a voz trêmula, mal conseguindo formar as palavras. — Eu juro, Leonel. Alguém estava nos observando.Leonel se aproximou do espelho, os olhos atentos varrendo cada detalhe. A moldura era antiga, ricamente entalhada em madeira escura, ornada com arabescos que pareciam esconder algo mais. Ele passou a mão pela borda, como se esperasse que o espelho revelasse alguma resposta mágica. Mas era só vidro e madeira... à primeira vista.— Esse espelho não é só decorativo. Deve haver uma passagem — murmurou ele.Lentamente, pressionou um ponto onde os desenhos se entrelaçavam. Um clique metálico soou, sutil, quase inaudível. A parede atrás do espelho estremeceu com um rangido seco, re
A madrugada já roçava o céu com tons de cinza quando Luna, Leonel e Rafael voltaram para a mansão. Evitaram os corredores principais e seguiram por passagens secretas, como ratos fugindo da serpente.No escritório antigo de Rafael — um cômodo escondido atrás da adega, onde ninguém além dele ousava entrar — os três se sentaram à mesa de carvalho envelhecido. O envelope amarelo estava ali, no centro, como se fosse uma bomba prestes a explodir.— Cada nome aqui tem um preço — disse Rafael, apontando para a lista com a ponta de uma caneta. — Juízes, políticos, acionistas, banqueiros. Pessoas que devem favores a César, ou estão presas por chantagem, acordos sujos, e... outros métodos.Luna puxou a lista para si e parou ao ver um nome grifado em vermelho: Dra. Valentina Correia.— Essa mulher… ela cuidou da minha mãe no hospital. Quando tudo desmoronou.— E foi ela quem declarou sua mãe mentalmente instável — completou Rafael. — Um laudo falso. Pago por César.Leonel apertou os punhos.— O
O salão principal do Hotel Majestic estava transformado. Lustres de cristal lançavam reflexos dourados pelas paredes, enquanto músicos de smoking tocavam uma melodia envolvente, quase hipnótica. Champagne fluía como se fosse água, e os convidados circulavam com sorrisos falsos e olhos calculistas.Luna ajustou o vestido vinho, justo na medida certa, com uma fenda provocante que ia até a metade da coxa. O decote em coração destacava suas curvas com elegância, e os brincos de diamante — emprestados por Rafael — cintilavam a cada movimento. Ela parecia uma deusa caída no meio dos tubarões.Leonel, por sua vez, usava um terno azul escuro perfeitamente ajustado. O cabelo penteado para trás e a expressão de quem sabia que, a qualquer segundo, tudo poderia ruir. Mas ao lado de Luna, ele se mantinha firme, impenetrável.— Lembre-se — murmurou Rafael, aproximando-se deles. — Hoje, vocês dançam com cobras. Sorriso no rosto, faca na manga.Luna respirou fundo e entrou no salão de cabeça erguida.
O homem caiu aos pés do palco com um baque surdo, enquanto os gritos ecoavam pelo salão. Convidados recuavam, outros se aproximavam, curiosos, famintos por um escândalo. Luna desceu correndo, ajoelhando-se ao lado dele, os olhos fixos naquele rosto que parecia guardar todas as respostas que ela procurava.— Alguém chame um médico! — gritou Leonel, empurrando os curiosos. — Agora!O homem, de olhos semicerrados, segurou o pulso de Luna com força surpreendente.— Procure por… Augusto Lemos… ele sabe… ele era… — sua voz falhou, a respiração irregular — …seu verdadeiro pai nunca soube…Luna congelou.— Como assim? O que você quer dizer? Quem é meu pai? — a pergunta saiu em desespero, mas o homem apagou.Rafael apareceu com dois seguranças, mandando afastarem a multidão. O corpo foi retirado rapidamente por paramédicos, mas o que restou no salão foi um silêncio pesado, denso como tempestade prestes a desabar.César Bragança, do alto da sacada, desceu lentamente os degraus, como um general
Luna acordou sobressaltada. A claridade que entrava pela janela da pousada invadia o quarto com agressividade, como se o mundo quisesse obrigá-la a levantar e continuar. A noite anterior havia sido intensa, e mesmo com os braços de Leonel envolvendo seu corpo durante o sono, ela não conseguira encontrar paz. As cartas, a foto, as revelações — tudo ainda estava latejando na mente como uma ferida aberta.Sentou-se na cama, puxando o lençol para cobrir o corpo. Leonel ainda dormia, virado de lado, os cabelos bagunçados e a expressão mais leve do que ela jamais havia visto. Pela primeira vez, Luna o viu vulnerável, humano.Ela se levantou, enrolada no lençol, e foi até a escrivaninha onde deixara a pasta de documentos. Sentou-se e começou a reler uma das cartas:"Isa, minha querida,Se você estiver lendo isso, é porque não consegui protegê-la. Me disseram que estão atrás de mim, que vão calar minha voz. Mas se há algo que me conforta, é saber que você nunca esteve sozinha. Seu amor, e ago
Luna apertava a bandeja contra o peito, tentando ignorar o som irritante dos saltos e risos fingidos que ecoavam no salão luxuoso do Hotel Elite. As mãos suadas denunciavam sua ansiedade, mas ela mantinha o sorriso treinado nos lábios.A festa de lançamento de uma linha de relógios exclusivos atraía a elite da cidade. Ela não pertencia àquele lugar. Sabia disso desde o momento em que colocou os pés no salão e encarou os lustres de cristal que pareciam zombar de sua simplicidade.— Dois espumantes, por favor — pediu uma mulher loira, com joias que brilhavam mais do que a própria iluminação.Luna assentiu, entregando as taças com cuidado. Fingiu não ouvir o comentário maldoso logo em seguida.— Essas garçonetes deviam ter um curso de etiqueta antes de servir a gente.Virou-se e seguiu até o balcão, mordendo a língua. Só precisava do dinheiro. Um turno, só isso. Depois voltaria para o quartinho minúsculo que alugava em Vila Oeste e cuidaria de sua irmã mais nova.Foi quando o viu.Alto.