Irene passou o dia inteiro revirando o aterro sanitário, imersa na sujeira e no cheiro fétido, ignorando a exaustão que consumia seus músculos.
Quando seus dedos finalmente tocaram o metal frio do colar, as lágrimas que ela vinha reprimindo com tanto esforço romperam a barreira de seus olhos, misturando-se à fuligem em seu rosto. No entanto, o alívio durou apenas uma fração de segundo. Ao abrir o relicário com as mãos trêmulas, descobriu que o compartimento estava vazio. A mecha de cabelo e as cinzas de sua avó haviam desaparecido.
Um zumbido ensurdecedor explodiu dentro de sua cabeça, deixando-a tonta. Sem pensar duas vezes, Irene agarrou o colar vazio e correu em direção ao hospital, movida por um desespero cego.
Assim que chegou à entrada principal, deu de cara com Alana, que estava recebendo alta.
Ao ver o estado deplorável de Irene, Alana cobriu o nariz com a mão num gesto exagerado e recuou, exibindo uma expressão de nojo profundo.
— Que cheiro horrível é esse? — Zombou ela, abanando o ar à frente do rosto. — De qual lixão essa mendiga saiu?
Irene ignorou o insulto, seus olhos fixos na rival com uma intensidade assustadora.
— Onde está o que estava dentro do meu pingente? — Perguntou ela, com a voz rouca.
Alana olhou para o colar aberto na mão de Irene e soltou uma risada cruel e desdenhosa.
— Ah, você está falando daquelas coisinhas sujas que estavam aí dentro? — Ela deu de ombros, com um sorriso perverso. — Joguei tudo na privada e dei descarga. Já foi para o esgoto faz tempo.
— Alana! — Gritou Irene, com voz trêmula.
A fúria tomou conta de cada fibra do corpo de Irene. Sua visão ficou vermelha, o ódio pulsando em suas têmporas. Num impulso incontrolável, ela avançou sobre a outra mulher, agarrou-a pelo colarinho. Reunindo todas as suas forças, Irene deu um tapa estalado no rosto dela.
O impacto foi forte. Alana gritou, levando as mãos ao rosto, e cambaleou para trás, caindo calculadamente direto nos braços de Adriano, que acabara de chegar.
Irene ergueu a cabeça e encontrou o olhar de Adriano. Não havia amor ali, apenas um gelo mortal, um desejo de aniquilação.
— Irene, você é realmente incorrigível. — Disse ele, com a voz destilando desprezo. — Não cansa de ser agressiva?
Os olhos de Irene estavam injetados de sangue, e seu corpo tremia de indignação.
— Ela jogou as cinzas da minha avó na privada! Ela deu descarga na minha avó! — Gritou ela, a voz falhando pelo choro entalado.
— Chega! — Trovejou Adriano, cortando-a bruscamente. A repulsa em seu rosto aumentou. — Para prejudicar a Alana, você é capaz de inventar uma maldição dessas contra sua própria avó falecida? Irene, você me dá nojo.
Sem permitir qualquer defesa, ele agarrou o braço de Irene e a empurrou com violência para longe deles, em direção à rua movimentada.
O som estridente da buzina rasgou o ar. Um táxi que vinha em alta velocidade tentou frear, os pneus cantando no asfalto, mas não houve tempo. O veículo atingiu Irene em cheio.
O corpo dela foi arremessado para longe, descrevendo um arco no ar antes de cair pesadamente sobre o canteiro de flores do hospital. Uma dor excruciante explodiu em seu peito, lhe roubando o ar, e um gosto metálico invadiu sua boca enquanto sangue espesso escorria por seus lábios.
Lutando contra a inconsciência, ela virou a cabeça instintivamente na direção de Adriano. O que viu estraçalhou o pouco que restava de seu coração. Ele não olhou para ela nem por um segundo. Estava ocupado demais protegendo Alana, com o rosto cheio de preocupação e carinho, enquanto a ajudava a entrar no carro dirigido por Mário.
Eles partiram, deixando-a sangrando no asfalto. A escuridão a engoliu, e Irene desmaiou.
Ela passou os dois dias seguintes, internada.
Deitada na cama do hospital, acompanhou a vida de seu noivo através das redes sociais. As postagens de Alana mostravam Adriano a acompanhando em diversos banquetes e eventos sociais, sorridente e solícito. Com o casamento tão próximo, ele já não se dava ao trabalho de manter as aparências ou esconder a traição.
Enquanto se recuperava, Irene usou aquele tempo para finalizar os preparativos de seu próprio plano para o dia do casamento.
Na tarde anterior à cerimônia, Adriano apareceu para buscá-la. Trazia um buquê nas mãos, as flores favoritas dela, como se nada tivesse acontecido.
— Fui impulsivo nos últimos dias, vim me redimir. — Disse ele, entregando as flores com uma expressão que misturava arrogância e uma falsa benevolência. — Mas você também precisa parar de atacar a Alana. Amanhã é o nosso casamento, e preparei uma surpresa para você.
Irene o observou em silêncio por alguns segundos, analisando aquele rosto que um dia amara. De repente, um sorriso enigmático curvou seus lábios.
— Que coincidência. — Respondeu ela, aceitando o buquê. — Eu também tenho uma surpresa preparada para você.
Adriano hesitou, uma sombra de desconforto cruzando seu rosto, mas logo disfarçou e recuperou a postura.
No caminho de volta para a mansão, o tempo virou bruscamente. O céu escureceu e uma tempestade torrencial desabou sobre a cidade. Ao ouvir o estrondo dos trovões, Adriano se tornou visivelmente agitado. Ele dirigia com uma mão e, com a outra, discava incessantemente o número de Alana, mas ninguém atendia.
A ansiedade dele atingiu o pico. Numa manobra brusca, ele freou o carro no acostamento, pegou um guarda-chuva no banco de trás e o estendeu para Irene.
— Tenho uma emergência para resolver. — Disse ele, sem olhá-la nos olhos. — Você vai ter que pegar um táxi daqui.
Antes que ela pudesse protestar, ele se inclinou, soltou o cinto de segurança dela e destravou a porta do carona.
Irene não pegou o guarda-chuva. Ela apenas o encarou profundamente, gravando aquele momento de abandono em sua memória, e então se virou. Sem dizer uma palavra, desceu do carro sob a chuva pesada e bateu a porta.
Adriano congelou por um instante, olhando para o guarda-chuva rejeitado em sua mão. Uma sensação estranha, talvez uma pontada de culpa, percorreu seu peito. Ele chegou a abrir a porta do motorista, pensando em correr atrás dela para entregar a proteção, mas o toque de seu celular o interrompeu. Era Alana.
— Adriano... estou com tanto medo... — Choramingou ela do outro lado da linha, a voz embargada. — Vem logo, por favor...
A expressão de Adriano mudou num instante. A hesitação desapareceu. Ele puxou a porta de volta, acelerou o carro e arrancou, deixando sua noiva para trás na tempestade.
Irene permaneceu parada na calçada, encharcada até os ossos. Só então percebeu que ainda segurava o buquê que ele lhe havia dado. Observando as luzes traseiras do carro desaparecerem na cortina de chuva, ela caminhou até uma lixeira próxima e depositou as flores ali, com a mesma frieza com que ele a havia descartado.
Em seguida, chamou um táxi e partiu.
Ao chegar à mansão, recebeu uma mensagem de texto de Adriano: [Dizem que dá azar os noivos se verem na noite anterior ao casamento. Não vou voltar para casa hoje.]
Irene visualizou a mensagem e não respondeu.
Provavelmente devido à chuva e aos ferimentos do acidente, ela teve febre alta durante a noite. Seu sono foi agitado, povoado por pesadelos e memórias confusas. Numa hora, sonhava com Alana ordenando que a espancassem e pisando em seu rosto. Noutra, via o Adriano do passado, cozinhando para ela e fazendo promessas de amor eterno. E, por fim, memórias de sua primeira noite juntos e de toda a intimidade que compartilharam se misturavam à dor da traição.
Lágrimas escorreram pelo canto de seus olhos enquanto dormia, mas, ao despertar na manhã seguinte, seu olhar estava seco e frio como gelo.
O dia do casamento coincidia com o sétimo dia da morte de sua avó. Ao amanhecer, com o céu ainda cinzento, Irene pegou sua mala e foi direto ao cemitério prestar suas homenagens.
De lá, seguiu para o hospital, que servia como ponto de encontro antes da cerimônia. No caminho, Irene abriu o grupo de WhatsApp e trocou mensagens rápidas com os envolvidos, confirmando cada detalhe e se certificando de que o plano para o casamento estava perfeitamente alinhado.
Em seguida, acessou os favoritos do navegador e clicou em um link de transmissão ao vivo.
Na tela do celular, surgiu a imagem de uma influenciadora digital de rosto impecável, sorrindo carismaticamente para a câmera enquanto acenava para seus seguidores.
— Olá, pessoal! Bom dia a todos. — Saudou a apresentadora, com entusiasmo profissional. — Hoje, a convite de uma noiva muito especial, estamos aqui para participar de um casamento grandioso e transmitiremos tudo ao vivo para vocês, em primeira mão...
Irene observou a transmissão em silêncio. Em seus olhos escuros e profundos, um brilho gélido e calculista cintilou, refletindo a tempestade que estava prestes a desencadear.