O sol nunca parecia nascer completamente em Raventon. As manhãs eram sempre cinzentas, cobertas por uma neblina espessa que tornava tudo mais lento, mais denso. Como se a cidade se recusasse a acordar de um sonho febril.
Brianna acordou sozinha. A clareira estava silenciosa, com o chão ainda úmido da chuva. Havia marcas no tronco da árvore. Riscos de unhas. Impressões de corpos. Ela sorriu, quase envergonhada. Quase. Mas o calor do momento já havia dado lugar ao frio da dúvida. Peter a tomara com uma paixão violenta, mas fugira em silêncio antes do amanhecer. Sem uma palavra. Sem um toque. Como um lobo que caça e some entre as sombras. Ela levantou-se, ajeitou as roupas e sussurrou um feitiço para limpar a sujeira visível — mas não havia encantamento no mundo capaz de apagar o que sentia por dentro. Horas depois, ao cair da tarde, Brianna caminhava pelo centro da cidade. Os olhos de alguns moradores ainda a acompanhavam com desconfiança. Outros, com um interesse doentio. Ela entrou na pequena loja de chá e ervas de Raventon — um dos poucos lugares em que podia respirar. O cheiro de lavanda, mirra e sálvia a reconectava com suas raízes. Estava distraída preparando uma infusão quando sentiu a presença. Klaus. Ele surgiu atrás dela como a própria sombra da noite. — Vejo que teve uma noite... intensa. Brianna não se virou. — Está me seguindo agora? — Não. Estou cuidando do que é meu. — Ele falou devagar, como se cada sílaba tivesse sido escolhida com precisão. Ela girou o corpo, encarando-o. — Eu não sou de ninguém. Klaus sorriu. — Ah, Brianna... você ainda acredita nisso? Antes que pudesse responder, a porta da loja se abriu com força. O vento entrou como um aviso. Peter. Camisa escura, olhar feroz. O cheiro de terra e floresta ainda impregnado em sua pele. Quando viu Klaus tão próximo dela, os olhos dele brilharam em fúria. O lobo estava acordado. E faminto. — Afaste-se dela — rosnou, cada palavra pesada como pedra. Klaus nem piscou. — Ah, o cão ciumento chegou. — Deu um passo em direção a Peter. — O que foi? Vai morder se eu encostar na sua cadelinha? Brianna sentiu a tensão se espalhar como eletricidade. Tentou intervir: — Os dois, parem. Agora. Mas não adiantava. Peter avançou. Klaus não recuou. Eles estavam frente a frente, dois predadores alfa prestes a se despedaçar. — Ela não é brinquedo seu, vampiro — cuspiu Peter. — Eu sinto ela. Eu conheço cada parte dela. — Você a possuiu com o corpo — respondeu Klaus, frio — mas fui eu quem invadiu a alma dela. Peter rosnou e deu um soco. Rápido, brutal. Klaus desviou com elegância, mas o impacto do movimento derrubou frascos e estilhaçou vidro. Brianna ergueu as mãos e gritou: — Parietem Flamma! Uma barreira de fogo surgiu entre eles, separando-os. O calor era real. O aviso, claro. Ambos recuaram, ofegantes, mas ainda com os olhos queimando. Ela caminhou até o centro da sala, os cabelos soltos e a aura tão poderosa quanto um furacão. — Eu não sou prêmio de guerra entre vocês dois. Silêncio. — Se querem se matar, façam longe de mim. E longe desta cidade. — Sua voz era grave, firme, com a força de todas as bruxas que a antecederam. Klaus foi o primeiro a falar, com a elegância de quem sabe que perdeu uma batalha, mas não a guerra. — Raventon ainda não viu o pior, Brianna. E nem você. Ele desapareceu na sombra, como fumaça sendo sugada pelo ar. Peter ainda estava ali. Parado. Observando-a com uma mistura de raiva, culpa e desejo. — Eu não queria brigar. Mas ver ele perto de você me tira do controle. — Isso é seu problema, não meu — ela respondeu, embora os olhos dela o traíssem. Ele se aproximou, mas dessa vez não a tocou. — O que aconteceu entre nós... não foi só sexo, Brianna. — Não foi? — ela sussurrou. — Não. Foi marca. Foi laço. Eu te sinto aqui. — Tocou o próprio peito. — E sei que você me sente também. Ela desviou o olhar. — E mesmo assim... fugiu. — Porque eu tive medo. Medo de te machucar. Medo do que estou sentindo. Ela queria responder. Queria gritar, beijá-lo, afastá-lo... tudo ao mesmo tempo. Mas não conseguiu. Em vez disso, virou-se e saiu da loja. Deixando Peter ali, sozinho, com o coração batendo como tambor de guerra. E na floresta, escondido sob a terra, algo despertava. Antigo. Faminto. A maldição estava prestes a reclamar sua próxima alma.