O ruído dos pneus na brita avisou: Bruno estava de volta.
A mansão se calou. Até os cães pareciam perceber a mudança de clima. Rafaella, sentada na poltrona da biblioteca, sentiu o corpo congelar. As fotos. O segurança. A semana em que ela respirou um pouco mais. Tudo estava prestes a ser cobrado.
Ele entrou como uma sombra. Sem anunciar-se. Tirou o blazer com um movimento calculado e pendurou na cadeira.
— Te divertindo bastante, pelo que vi. — sua voz soou baixa, mas carregada de veneno.
Ela não respondeu de imediato. A respiração ficou presa no peito.
— Você não tem o direito de vigiar a minha vida! — disse, com um fio de voz, mas firme.
Bruno riu sem humor.
— Sou seu marido, Rafaella. E você carrega o sobrenome Santos. Você me deve lealdade. Com quem anda, onde vai, até como sorri… — ele se aproximou, os olhos frios como gelo. — Tudo isso me interessa.
— Você não é meu dono. — ela rebateu, mas o coração martelava no peito.
Ele se aproximou tanto que ela sentiu o perfume dele, cortante e opressor. Passou os dedos pela lateral do rosto dela, como quem afaga, mas a pressão era sutil demais para ser carinho.
— Pode continuar brincando com seus amiguinhos. Só saiba que cada movimento tem um preço. E eu cobro caro. — sussurrou, antes de virar as costas e sair.
Na manhã seguinte, Rafaella chegou à faculdade com o semblante mais duro. Os três amigos a cercaram no pátio. Guilherme lançou um olhar de preocupação.
— Ele voltou, né?
Ela assentiu com um leve gesto de cabeça.
— Ele está me vigiando. Disse que cada sorriso meu será cobrado.
— Isso é abuso. — disse Miguel, com raiva contida.
— Então vamos sorrir mais ainda. — rebateu Maria Regina, desafiadora. — Mas antes... vamos despistar o segurança.
O plano era simples: Guilherme fingiria passar mal na escada do bloco administrativo, enquanto Miguel distraía o segurança com um pedido de ajuda. Rafaella e Maria Regina sairiam pelos fundos e caminhariam pela rua lateral, até a sorveteria.
Funcionou.
Rafaella sentiu o vento no rosto como se fosse liberdade. Ria baixinho, olhando as placas da rua, as crianças saindo da escola, os cachorros brincando na praça. Maria Regina a puxou pela mão, como se a devolvesse ao mundo real.
— Vamos! Antes que o agente secreto perceba.
Os quatro se encontraram em frente à sorveteria, e por alguns instantes, ela se sentiu viva. Miguel fez piadas, Maria Regina insistiu para ela provar um sabor exótico de paçoca com coco. Era tudo tão simples, tão banal — e tão precioso.
Mas durou pouco.
A SUV preta estacionou com brutalidade em frente ao local. A porta se abriu com violência.
Bruno saiu.
Ele caminhou em passos largos, o olhar em chamas. O segurança, suando, vinha logo atrás, gaguejando explicações que Bruno nem ouvia.
Rafaella congelou. A casquinha de sorvete caiu no chão.
— Agora. — ele disse apenas isso, com voz cortante.
Ela obedeceu. A vergonha a queimava por dentro.
O silêncio no carro era denso. Mas dentro da mansão, veio o pior.
Bruno fechou a porta atrás dela e, sem levantar a voz, a empurrou contra a parede com o corpo. Não doía. Mas assustava.
— Você me desafiou. Está brincando com fogo, Rafaella. Está querendo ver até onde eu vou?
Ela quis gritar. Mas o medo era mais forte.
— Você vai pedir desculpas. Vai olhar nos meus olhos e dizer que nunca mais vai fazer isso. — disse ele, os olhos quase sem brilho.
Ela mordeu os lábios, se segurando para não chorar.
— Me desculpa. — disse por fim, mais para si do que para ele.
Ele a soltou. E com a mesma frieza com que havia chegado, subiu as escadas como se nada tivesse acontecido.
Naquela noite, Rafaella chorou em silêncio. Mas havia algo novo dentro dela. Uma semente de ódio. De resistência. De algo que ainda não sabia nomear, mas que crescia. Porque, ao contrário do que Bruno imaginava, a dor já não a fazia obedecer — a fazia despertar.