CAPÍTULO 01

RENZO ALTIERI

Dias atuais.

O som seco da bengala batendo contra o mármore ecoava pelo escritório como uma marcha de guerra. Meu punho, coberto pela luva de couro preta, apertava com força a cabeça de caveira na bengala. Era minha âncora. Meu controle. Sem ela, eu provavelmente já teria colocado este mundo de joelhos. Meus olhos estavam fixos no celular. A tela brilhava na penumbra do cômodo, iluminando apenas parte do meu rosto, o restante permanecia oculto sob a máscara negra de caveira que cobria minha face.

E lá estava ela.

A foto que Bianca me enviara mais cedo parecia ter sido pintada por anjos. O coque bagunçado dava um ar ainda mais encantador ao seu cabelo branco como neve. Os olhos, ah... aqueles olhos, uma mistura sobrenatural de azul com lilás, brilhavam como duas galáxias hipnotizantes. Sua pele era de um branco imaculado, contrastando com o fundo escuro do quarto onde havia tirado a selfie. E o sorriso... por Dio, aquele sorriso era a perdição de qualquer homem. Era doce, puro, angelical... e só meu.

"Bom dia, garotão! Olha minha carinha de feliz porque vou me casar com o homem mais lindo desse mundo."

Li pela milésima vez a legenda. Sem ironia. Sem dúvida. Sem hesitação. Ela estava feliz. Verdadeiramente feliz por se casar comigo. E isso me arrebentava por dentro. Como ela podia me ver assim? Como o homem mais lindo do mundo? Ela não enxergava o monstro que eu era? A máscara que escondia o que sobrou do meu rosto não era suficiente para afastá-la? Não... porque ela me via com os olhos da alma. Ela enxergava além da carne, além das cicatrizes, além do sangue que manchei.

Bianca me amava?

Senti um nó no estômago. Se ela me dissesse isso em voz alta... Dio, eu moveria o mundo para ela. Eu mataria, queimaria cidades, destruiria impérios, apagaria o nome Altieri da história se ela pedisse. Eu era um homem apaixonado. Um louco. Um amaldiçoado que finalmente tinha uma razão para viver.

A lembrança da nossa última ligação me fez fechar os olhos por um segundo. Ela tinha me ligado naquela noite, após minha primeira mensagem em anos. Passamos horas falando. Ela ria e me contava tudo - sobre os últimos três anos, sobre Loki, o lobo gigante e sobrenatural que o pai lhe dera. Falou da faculdade de dança, da nova amiga Cecília, e eu... eu apenas escutava, como um homem bobo, encantado pela melodia da sua voz.

Ela me fez criar uma conta no I*******m. Nunca tive interesse nessas porcarias modernas, mas por ela? Por ela eu criei. E lá estava eu, rolando as fotos dela como um adolescente apaixonado. Ela me marcava em cada publicação. As legendas dela... Dio, me faziam rir. Me faziam sentir vivo. E então veio o W******p, outro pedido dela. Eu atendi, claro. Agora conversávamos todos os dias. E cada mensagem dela era como um beijo na minha alma.

Suspirei, segurando o celular com mais força.

Eu precisava tocá-la.

Hoje era o dia. O nosso dia.

— Senhor, o carro já está pronto. — a voz robótica de Marvin ecoou pelo cômodo, quebrando o silêncio sombrio.

Marvin, minha criação mais preciosa - uma inteligência artificial programada apenas para obedecer a mim, aos irmãos Coppolla e, em breve, à minha esposa. Capaz de controlar toda a mansão, blindar janelas, fechar portas com titânio, acionar sistemas de segurança de nível militar. Aquela casa era uma fortaleza. Uma prisão dourada. Um inferno impenetrável... e o paraíso que eu criara para ela.

Aos trinta e nove anos, minha mente era uma arma. Formado em ciência da computação, engenharia de software, ciência de dados e administração. Eu era o Don da Dita d'Acciaio, o chefe supremo no submundo. Na superfície? Um bilionário mascarado que comandava a Holding Altieri com punhos de aço e uma alma rachada.

Levantei-me.

Meu terno preto se ajustou perfeitamente ao meu corpo. Corte italiano. Sob medida. Como tudo o que faço. Peguei a pequena caixa de veludo negro sobre a mesa e a abri. O anel estava lá. Uma joia única. Um diamante cor de ametista, talhado como os olhos dela, cravado em uma base de ouro negro e platina. Fechei a caixa, guardei-a no bolso interno do paletó e tirei o comunicador, encaixando-o discretamente na orelha.

Dei alguns passos.

Cada toque da bengala contra o chão reverberava como um anúncio - o Don estava a caminho. O corredor escuro da mansão parecia respirar junto comigo. Meus passos eram firmes. Cada sombra parecia se curvar diante de mim. Cada centímetro da casa me conhecia. Eu era a própria escuridão andando entre suas paredes.

E hoje... hoje, eu caminhava para a luz.

Para ela.

Para o altar onde finalmente tomaria em meus braços a única mulher que me fez acreditar, mesmo que por um segundo, que eu não era um monstro.

Bianca... mia sposa.

— Alguma movimentação estranha, Marvin? — perguntei enquanto caminhava pelo corredor escuro da mansão, a voz firme e grave, saindo abafada pela máscara de caveira que cobria meu rosto desfigurado.

— Está tudo em ordem, senhor. — respondeu a voz robótica e neutra de Marvin, ecoando suavemente pelo meu comunicador. Um sistema criptografado. Seguro. Invulnerável.

— Ótimo. — murmurei, frio, seco.

Aproximando-me da imensa porta de entrada, meus olhos captaram os vultos imponentes dos dois homens que me esperavam ali - Matteo e Vittorio, meus soldados mais antigos, sombras leais que jamais hesitaram diante de nenhuma ordem.

— Bom dia, Don Altieri. — disseram em uníssono, com o respeito impregnado na voz.

Matteo, sempre ágil, abriu a pesada porta para mim. O vento da manhã invadiu o ambiente como uma rajada cortante. Entrou pela máscara, atravessou o tecido e tocou minha pele sensível como se fosse uma adaga de gelo.

Parei por um instante.

A mansão estava cercada. Soldados armados em formação tática. O céu nublado criava uma moldura perfeita para o momento. Três SUVs negras reluziam como predadores prontos para o ataque. E na frente delas, imponente e silencioso, estava o Bentley blindado que me levaria até o altar.

Meus olhos encontraram os dois homens que me aguardavam do lado de fora.

Marino Coppolla, alto como uma muralha, corpo de aço, olhos verdes tão perigosos quanto lâminas afiadas. Aos vinte e seis anos, o consigliere mais jovem da história da Dita d'Acciaio. Um estrategista. Um predador. Um irmão de guerra.

Lorenzo Coppolla, seu irmão mais novo, de olhos azuis elétricos e sorriso provocador. Vinte e cinco anos, underboss. O sangue quente e a alma rebelde. Descontraído, mas mortal. Letal como veneno doce.

Eles me aguardavam como sentinelas. Fiéis. Prontos para a guerra, ou para o amor.

— Achei que iria se casar de rosa, Altieri. — Marino comentou, arqueando uma sobrancelha com aquele tom zombeteiro característico.

Caminhei em direção a eles com minha bengala arrastando suavemente pelo piso de pedra. O som era seco, rítmico. Uma marcha calculada. O Don estava em movimento.

— Ou de lilás. — Lorenzo completou com uma risada debochada, abrindo a porta do carro para mim como se fosse meu próprio capanga de honra.

Respirei fundo.

— Se ela pedisse. — respondi seco, mas havia um sorriso oculto por trás da máscara.

E eles sabiam.

— Dio! — Marino resmungou, levantando as mãos como se pedisse explicação aos céus. - Don Altieri sendo domado por uma fada.

— Ela é uma fada, Marino. — Lorenzo rebateu com o cenho franzido. — Ela não é igual a essas oferecidas que só falta passar a boceta na nossa cara quando a gente entra num lugar.

— Por Dio, Lorenzo! — Marino bufou, enfiando-se no banco de trás ao meu lado, revirando os olhos com o comentário desbocado do irmão.

Lorenzo deu de ombros e entrou pela frente. Matteo assumiu o volante, silencioso como sempre. Vittorio entrou no SUV logo atrás. Os motores roncaram. O Bentley começou a deslizar suavemente pela estrada de pedra que serpenteava a propriedade. O mundo lá fora era frio, cinzento, mas dentro daquele carro... havia algo mudando.

Meu celular vibrou.

Peguei o aparelho com um gesto rápido e olhei para a tela.

Era ela.

Bianca.

"Garotão, posso entrar com o Loki e com meu pai?"

O sorriso nasceu por baixo da máscara, instantâneo. Quente. Terno. Como um raio de sol atravessando a neblina.

Meus dedos digitaram com agilidade:

"Tudo que você quiser, meu anjo. Já estou indo pra igreja. E você?"

Mensagem enviada. Lida em segundos.

A resposta dela chegou tão rápido quanto um beijo:

"Você é perfeito! Estou terminando de me arrumar! Estou parecendo um marshmallow!"

Dio...

Minha risada explodiu.

Uma gargalhada profunda e verdadeira. Meus ombros estremeceram, minha cabeça tombou para trás por um breve instante. Aquele som... ecoou dentro do carro como um trovão inesperado. Eu estava gargalhando. Eu. O Don da máfia mais poderosa do mundo. Um homem que não ria há anos. Que esqueceu o som da própria alegria.

Os olhos de Marino se arregalaram. Matteo, no retrovisor, esboçou um sorriso discreto. Lorenzo virou-se com um sorriso escancarado.

— Está vendo isso?! — Lorenzo apontou como se tivesse visto um milagre. — Conhecemos ele há dez anos e o Don Altieri nunca gargalha, Marino. E agora tá aí... rindo com o celular na mão por causa da fadinha dele.

Digitei mais uma vez, com os dedos firmes, mas o coração leve:

"O marshmallow mais lindo e gostoso de todo esse mundo, meu anjo."

Enviei.

E então, guardei o celular.

Meus dedos apertaram com força a cabeça da caveira na bengala. O frio da prata atravessou a luva e me ancorou novamente.

O céu sobre Verona estava cinza, carregado de nuvens espessas como se o próprio mundo prendesse o fôlego. A estrada diante de mim era longa, mas não o suficiente para conter o frenesi que pulsava em meu peito.

O Bentley deslizou pelas ruas empedradas como uma pantera silenciosa. Três SUVs negras nos escoltavam - duas à frente, uma atrás. Dentro de cada uma, soldados armados até os dentes, prontos para atirar antes de perguntar.

Era o meu casamento. Mas também poderia ser uma guerra.

E ali, naquela manhã que parecia arrancada de um épico antigo, eu estava a caminho da catedral onde selaria meu destino com ela. Bianca.

Do lado de fora, o mundo via uma coisa.

Do lado de dentro... era outra completamente diferente.

— Don Altieri, estamos nos aproximando. — disse Matteo, o olhar atento pelo retrovisor.

Minha mão apertou a bengala. Respirei fundo, o ar frio atravessando os filtros da máscara de caveira e gelando meus pulmões. Cada passo dado naquela manhã era mais do que tradição. Era domínio. Era poder. Era posse.

Ao longe, as torres da Cattedrale di Santa Maria Matricolare, mais conhecida como Duomo di Verona, erguiam-se como sentinelas sagradas. A arquitetura românica, feita de pedra clara e escura, parecia desenhada por anjos e esculpida por demônios. O coração da fé... e o palco de um casamento entre o céu e o inferno.

Meu casamento.

— Santo Dio... — Marino murmurou ao meu lado quando viramos a esquina.

E então eu vi.

Cercando a praça diante da catedral, uma multidão. Câmeras, flashes, microfones, helicópteros sobrevoando. A mídia inteira reunida. O mundo queria ver o "Bilionário Mascarado" se casando. O recluso Altieri, o homem sem rosto, o magnata silencioso.

Ninguém sabia, é claro, que por trás da fortuna e dos investimentos estava o verdadeiro império. A Dita d'Acciaio. A máfia mais poderosa do mundo.

Na superfície, eu era o mistério que alimentava manchetes.

Mas no submundo... eu era a sentença de morte de muitos.

— Merda... isso é um circo. — Lorenzo bufou do banco da frente, franzindo a testa enquanto olhava a quantidade de repórteres, seguranças contratados, e curiosos tentando ultrapassar as barreiras.

— São vermes famintos por uma imagem. — falei, minha voz grave saindo abafada pela máscara. — Mas que olhem... e trema o mundo inteiro.

O carro parou diante da escadaria de pedra que levava à entrada da Duomo. Soldados meus já faziam um cerco discreto entre os fotógrafos. O chão era antigo, sagrado, e agora estava prestes a testemunhar o casamento de um homem que já derramou sangue demais. Um homem que nunca acreditou em redenção... até Bianca aparecer.

A porta do carro foi aberta por Matteo. Desci com calma, erguendo a bengala enquanto o vento cortante chicoteava meu sobretudo negro. O contraste entre o tecido escuro, a prata da bengala e a máscara preta era brutal. Um homem sem rosto... mas com um nome que fazia o mundo tremer.

Os flashes começaram. Gritos de repórteres. A tensão cortava o ar como navalha.

— SENHOR ALTIERI! É VERDADE QUE ESTÁ SE CASANDO COM UMA GAROTA DE DEZESSETE ANOS?

— RENZO ALTIERI, VOCÊ É MESMO UM CRIMINOSO?

— É VERDADE QUE TEM UM LOBO COMO ANIMAL DE ESTIMAÇÃO?

Ignorei.

Eles eram barulho. E eu era silêncio.

Atrás de mim, Marino saiu com passos pesados. O terno escuro moldando sua presença perigosa. Ao lado dele, Lorenzo sorria para as câmeras, como se fosse uma celebridade - aquele desgraçado adorava provocar.

Mas eu?

Eu apenas subi os degraus da catedral, um a um, como se estivesse marchando para um ritual sagrado. As portas gigantes de madeira esculpida foram abertas por dois padres atônitos. Do lado de dentro, a nave central da Duomo me engoliu com seus vitrais, colunas ancestrais e ar carregado de incenso.

Tudo estava decorado em tons claros. Branco, pérola, prata.

O altar brilhava ao fundo.

E no centro dele, havia um lugar reservado para mim. Para nós.

A cada passo meu, os convidados se levantavam. Membros das famílias mais poderosas da Europa e do mundo. Alguns criminosos, bilionários, presidentes, grandes empresários, outros reis de fachada. Todos estavam ali para ver Renzo Altieri se casar com uma menina de olhos azuis-lilás e cabelos brancos, que parecia ter saído de outro mundo.

— Ela ainda não chegou. — murmurou Marino ao meu lado, com os olhos atentos aos arredores.

— Mas ela virá. — respondi com a certeza de um homem que atravessaria o inferno por ela.

Meu coração martelava no peito.

Meu anjo estava vindo.

O monstro foi conquistado por um anjo.

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