RENZO ALTIERI - Dita d'Acciaio Livro 1
RENZO ALTIERI - Dita d'Acciaio Livro 1
Por: WILZE AQUINO
PRÓLOGO

RENZO ALTIERI

Três anos antes

Sicília, Itália

O mármore frio sob meus pés refletia as luzes do lustre acima com uma perfeição que só um homem como eu poderia compreender. Cada passo que eu dava era como um trovão, reverberando pelas paredes antigas da mansão Bianchini, como se o próprio inferno anunciasse minha chegada. Eu sabia como me viam - uma lenda viva, uma sombra imortal, um homem cuja presença soava como sentença de morte para todos ao meu redor. Não havia espaço para dúvidas, nem para hesitações. Eu era a Dita d'Acciaio. O pavor de quem ousasse cruzar meu caminho.

A bengala de prata que eu empunhava, com a caveira cravada na ponta, tocava o chão com firmeza e autoridade. O som era o único barulho audível, cortando o silêncio profundo enquanto meus homens me seguiam, cada um ciente do que aquele encontro significava. Marino e Lorenzo Coppolla - meus irmãos por lealdade, não por sangue. Eles estavam ali, mas sabiam que essa era uma viagem sem retorno. Não ousaram falar, porque o fardo que eu carregava era pesado demais até para eles. Não havia palavras que pudessem aliviar a carga de um destino tão traçado.

Eu estava indo conhecer minha prometida.

Uma criança.

Uma menina de quinze anos, com um destino forjado antes mesmo de seu nascimento. Filha de Juan Bianchini, um dos assassinos mais letais que já serviram à Dita d'Acciaio. Ele havia desaparecido do radar, retirando-se da vida sanguinária que levou sua esposa, e ficou em um pequeno reduto, criando a filha, Bianca. Mas meu pai, Enrico, o permitiu viver essa ilusão de tranquilidade - com uma condição. A menina, quando chegasse à maioridade, seria minha.

Dezoito anos. Essa era a minha parte no trato. Quando ela atingisse essa idade, Bianca Bianchini seria minha esposa.

A porta do escritório de Juan se abriu com um rangido leve. O ambiente estava carregado de um luxo que pouco me impressionava. As paredes estavam decoradas com fotos de um homem que parecia viver para si mesmo, mas que mal sabia que sua filha não mais pertencia a ele. A escrivaninha estava repleta de papéis ordenados, livros que jamais tocaria, e, acima de tudo, a ausência da jovem que me fora prometida. Um descaso que era quase um insulto. Nenhuma foto dela adornava o espaço - como se Juan soubesse que o destino dela estava além de seu controle, já em minhas mãos.

Sentei-me de forma imponente na poltrona de couro, a caveira de prata da bengala pressionando contra o meu aperto. Eu estava ali, mas minha mente se encontrava a quilômetros de distância. Se pudesse, eu a veria apenas no altar, cumpriria a promessa e seguiria para os meus próprios interesses - para a minha guerra. Nada mais importava.

— Bom dia, Don Altieri. — A voz de Juan interrompeu meus pensamentos, carregada de um formalismo desnecessário.

Levantei-me, movendo-me com a precisão e o peso de um predador cansado de esperar pela sua presa. O silêncio dos meus homens era profundo, mas eu sabia que seus olhos estavam fixos em mim. Estavam esperando pela minha reação.

— Seja rápido, Bianchini. Tenho coisas mais importantes a fazer. — Estendi a mão com uma frieza calculada. Juan apertou a minha mão com força, tentando disfarçar o nervosismo que transparecia em seus olhos.

— Bianca já está descendo. — Ele disse, em tom de aviso, enquanto cumprimentava meus homens.

Senti o peso do inevitável se aproximando. Um encontro sem sentido. Uma menina que mal sabia o que era o mundo. O que eu faria com ela? O que faria com alguém tão pura, tão distante do abismo em que eu habitava? Como essa criança poderia lidar com a besta que sou? Minha mente estava uma tempestade.

E então, ela falou.

— Papà!

Dio...

A voz dela, doce e melodiosa, atravessou meu peito como uma lâmina quente, cortando tudo o que havia dentro de mim. Era suave, quase etérea, mas carregava algo incontrolável - algo que não conseguia compreender. O cheiro de morango invadiu o ambiente, imenso e doce, como um veneno suave. Eu vi Marino e Lorenzo se virarem para observar com uma intensidade quase reverente. E quando me virei para vê-la... eu entendi o que estava acontecendo. Eu já sabia o que eles estavam vendo.

Ali estava ela.

Bianca.

Pequena, delicada. Como um anjo de carne e osso.

Seus cabelos brancos caiam em ondas suaves sobre suas costas, como se fossem feitos da própria neve mais pura, derretendo lentamente sob a luz quente do ambiente. Sua pele era tão pálida que parecia brilhar, quase etérea. E seus olhos... Meu Deus, os olhos dela. Um azul profundo misturado com lilás, como o céu ao amanhecer, o crepúsculo e a aurora se fundindo em uma visão que me deixava sem ar. Cílios longos e brancos, como penas, e lábios cor-de-rosa que pareciam feitos para sussurrar segredos.

Ela sorriu.

Sorriu pra mim.

Foi uma explosão dentro de mim. Minha mão apertou com força a bengala, como se ela fosse a única coisa que me mantinha em pé. E então, graças à maldita máscara, ninguém viu o que aconteceu em meu rosto. Ninguém viu o choque, a confusão. A sensação de ver algo puro demais, algo que jamais poderia ser meu.

Ela se aproximou. Cada passo dela era como um batimento cardíaco no silêncio absoluto. Seus olhos nunca se afastaram dos meus. Não hesitou. Não temeu. Ela simplesmente caminhou em minha direção com uma confiança que só uma criança inconsciente poderia ter. Uma confiança que me fazia sentir raiva e desejo ao mesmo tempo.

— Oi. — Ela disse com uma suavidade que parecia arrancar pedaços de mim a cada sílaba. Seu sorriso tímido me destruiu por dentro.

Eu não sabia o que fazer. Meu instinto era tocá-la. Saber se sua pele era tão macia quanto parecia. Se seus lábios tinham o gosto da fruta mais doce. Se seus cabelos cheiravam ao ar fresco da manhã.

Mas eu não podia. Ela era luz demais. Eu era só escuridão. Não podíamos nos misturar.

— Oi, anjinho. — Minha voz soou rouca, mais do que eu gostaria. O timbre pesado, quase possessivo, como se minha própria alma estivesse tentando se libertar de suas correntes. Eu observei cada detalhe da expressão dela, como seus olhos suavizaram ao ouvir minha voz, como seu sorriso se ampliou ainda mais. Dio... aquele sorriso...

— Você sabe quem eu sou, anjinho? — Perguntei, ainda hipnotizado, sem conseguir desviar o olhar de seus olhos.

Ela mordeu o lábio, embaraçada, mas respondeu com um brilho no olhar que me incendiou por dentro:

— Sei sim. Você é o Don da Dita d'Acciaio. Renzo Altieri... meu futuro marido.

Meu nome na boca dela. Como uma canção proibida. Como uma maldição. Como a redenção que eu jamais pedi.

Porra, aquilo era música. Era veneno. Era uma promessa amarga de algo que não poderia ser. E ainda assim, uma promessa que eu sabia que não poderia quebrar.

Ela sorriu de novo. E, nesse momento, soube. Soube que aquele sorriso jamais seria de outro homem. Jamais. Bianca Bianchini seria minha.

Ela iria atravessar as muralhas que eu construí com tanta dor e sangue. Ela caminharia entre os escombros da minha alma, e, um dia, a colocaria em meu trono. Mesmo que o mundo tivesse que sangrar por isso.

Ela ainda estava parada à minha frente, olhando para mim com aqueles olhos que pareciam ver mais do que deviam. O silêncio estava começando a me irritar. Mas ela... não parecia incomodada. Parecia curiosa. Como se eu fosse um enigma que ela estivesse prestes a decifrar.

Ela inclinou levemente a cabeça para o lado, franzindo a testa.

— Por que você usa máscara? — perguntou, do nada, como se estivéssemos conversando sobre o tempo.

Marino engasgou com a própria saliva. Lorenzo desviou o olhar, tentando segurar o riso. E Juan ficou branco como o papel.

Eu encarei a menina.

— Porque sem ela, as pessoas morrem de medo. — respondi, seco, esperando que ela se calasse.

Ela piscou. Uma. Duas vezes. Depois, sorriu.

— Mas... com ela, você parece um vilão de desenho animado.

— Desenho animado? — minha voz saiu mais incrédula do que ameaçadora.

— É. Tipo aquele lá... como é o nome, papà? O que tem uma caveira e fala grosso!

— Esqueleto? — Juan murmurou, morrendo por dentro.

— Esse mesmo! — ela apontou pra mim, rindo. — Só que você é mais alto. E menos magrelo.

Eu devia estar assustando ela. Deixando claro que era perigoso, um homem frio e calculista. Mas ao invés disso... eu estava ali. Ouvindo comparações com vilões de desenho. E, ainda pior... minha vontade era de rir.

— Já terminou, anjinho? — murmurei, tentando manter a seriedade.

Ela cruzou os braços.

— Ainda não. — E se aproximou mais. Agora perto o bastante para que eu sentisse novamente o cheiro de morango. — Você também tem nome de vilão. Renzo Altieri. Parece que você vai invadir Gotham City ou explodir alguma coisa.

— Eu sou o Don da máfia, Bianca. Eu explodo coisas.

Ela deu um passo pra trás, teatralmente chocada.

— Ai meu Deus! Então é verdade! Você é o chefão!

Lorenzo soltou uma risada abafada. Marino encarava o chão como se sua vida dependesse disso. Juan parecia pronto para pedir desculpas por ter tido uma filha.

— Você vai me jogar num calabouço se eu te irritar? — ela perguntou, os olhos brilhando com diversão.

— Vou. Com dragões. — respondi, mordendo o canto da boca sob a máscara para não sorrir. — E sem sobremesa.

Ela arregalou os olhos.

— Sem sobremesa?! Monstro! — disse com um falso drama.

— Você não tem medo de mim, tem?

Ela parou. Seu sorriso suavizou.

— Não. Você tem olhos tristes demais pra me assustar.

Silêncio.

Maldita menina.

Ela virou o rosto e voltou a andar, parando ao lado do pai.

— Posso levar ele pra conhecer meu jardim?

— Bianca... ele é o Don. Não é um convidado comum. — Juan argumentou, aflito.

— Mas ele parece cansado. E lá tem um banco. Pode se sentar. Ficar de boas. — e ela olhou pra mim. — Você senta, né? Ou vilões só ficam de pé?

— Eu sento.

— Ótimo. Então vem. Tem flores que combinam com a sua vibe sombria.

Antes que eu pudesse protestar, ela já estava saindo do escritório, com os cabelos brancos balançando, sem medo, sem hesitação.

Olhei para Juan.

— Sua filha é um problema.

— Eu sei. — ele respondeu, resignado. — Mas agora é seu problema.

E, Dio... que problema delicioso de se ter.

Acompanhei a pequena criatura de cabelos brancos até o jardim. Cada passo meu parecia deslocado naquele lugar de flores, bancos de pedra e caminhos de paralelepípedos limpos demais. Flores. Pássaros. Borboletas. E eu - Renzo Altieri, com uma bengala em forma de caveira e uma máscara de caveira no rosto.

Ridículo.

Mas lá estava ela, saltitando à minha frente como se fosse a dona do mundo. Ou melhor... como se o mundo fosse um lugar onde nada de ruim jamais acontecesse.

— Esse é meu cantinho favorito — disse, girando sobre os próprios pés e abrindo os braços como se me apresentasse o paraíso. — Quando fico triste, venho pra cá conversar com as flores.

— As flores respondem? — perguntei, cruzando os braços, entediado.

— Às vezes. - ela deu de ombros com um sorrisinho. — Mas só quando eu choro muito. A margarida é a mais fofoqueira, fala mal até da rosa. E a camélia... nossa, essa é pior que vizinha de vila.

— Você precisa de amigos. De carne e osso. — falei com sarcasmo.

Ela parou. Franziu o cenho e me olhou como se eu tivesse dito a coisa mais absurda do mundo.

— Tenho você agora. — disse com naturalidade, como se fosse óbvio.

— Eu não sou seu amigo, Bianca. Eu sou seu futuro marido.

— Ué, e não posso ser amiga do meu marido?

— Não.

— Por quê?

Suspirei, sentando no banco de pedra sob a sombra de uma árvore.

— Porque maridos mandam. E esposas obedecem.

Ela arregalou os olhos. A boca se abriu em um "O" ofendido.

— Credo! Quem te ensinou isso? O diabo?

— Meu pai.

— Ah... então o diabo mesmo.

Pela primeira vez, deixei escapar uma risada baixa. Curta. Mas verdadeira. Ela sorriu, vitoriosa, e se aproximou, parando na minha frente com as mãos na cintura.

— Escuta aqui, Don Caveirinha... eu posso até ser sua prometida, mas tem umas coisas que você precisa saber desde já.

— Estou ouvindo, anjinho. — murmurei, divertido.

Ela levantou um dedo:

— Um: eu não obedeço cegamente. Só se a ordem fizer sentido ou vier com chocolate.

— Isso é chantagem.

— Isso é inteligência feminina. Dois: você vai ter que visitar esse jardim uma vez por semana. Mesmo que esteja muito ocupado mandando explodir coisas.

— Não costumo fazer piqueniques, Bianca.

— Vai começar a gostar. Três: se você me der uma aliança feia no casamento, eu devolvo na hora do altar.

— Você é uma ameaça, menina.

Ela inclinou a cabeça com um sorriso doce.

— Eu sou um doce de ameaça. Mas sou sua, né?

Dio...

O coração bateu mais forte. A voz dela, mesmo nas brincadeiras, tinha um tom de certeza que me deixava desequilibrado. Como se já tivesse me escolhido. Como se estivesse certa de que ninguém jamais a teria, além de mim.

Levantei-me, encarando aqueles olhos encantadores.

— Vai me dar trabalho, anjinho.

Ela piscou, travessa.

— É... mas prometo que vale a pena.

E naquele momento, eu soube.

Essa menina ia me enlouquecer antes mesmo de se tornar mulher.

E eu... eu ia deixar.

Porque pela primeira vez em anos, eu queria enlouquecer.

Se fosse por ela.

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