Capítulo 8

A viagem até Beacon levou pouco mais de duas horas, mas foi o suficiente para Clara colocar toda a playlist "nostalgia feliz" no carro e cantar do começo ao fim — desafinada, teatral, e absolutamente encantadora.

Noah dirigia sorrindo, os dedos batucando o volante. Às vezes olhava para ela, só para confirmar que era real.

— Você tá me olhando como quem vai pedir em casamento — ela provocou, com um dos pés apoiado no painel.

— Tô só me perguntando como alguém pode acordar de mau humor depois de ouvir ABBA três vezes seguidas.

— Isso é um elogio?

— Isso é um pedido de socorro. E talvez um elogio.

Ela riu e aumentou o volume. Ele rendeu-se.

Sol e o marido, André, moravam em uma casa charmosa nas colinas de Beacon, com varanda de madeira, lareira, e cheiro constante de café e pão fresco. Clara desceu do carro como quem voltava à infância.

— Que saudade de tudo isso! — gritou, antes mesmo de bater na porta.

Sol abriu com um avental florido e um sorriso contido.

— Você chegou cinco minutos antes do meu bolo terminar de assar. Isso é um crime.

Clara abraçou a irmã com força. Noah observou de longe: as duas tinham os mesmos olhos — castanhos profundos — mas enquanto Clara era caos e cor, Sol era organização e sarcasmo.

— Dr. Bennett — Sol cumprimentou, com um aperto de mão firme. — Bem-vindo ao nosso lar. Espero que você saiba cortar lenha.

— Eu sei abrir vinhos. Serve?

— Serve. Por enquanto.

O fim de tarde foi cheio de conversas na varanda, com cobertores nas pernas, vinho tinto em taças e Clara falando pelos cotovelos.

— Estou montando uma exposição nova — ela contou, com os olhos brilhando. — Vai ser uma mistura de pintura com palavras. Tipo... poesia visual. Os bilhetes, sabe?

— Os que você espalhou por Manhattan?

— Esses mesmos. Vão estar embutidos nas telas, como camadas. Você só vê quando chega mais perto. Como se o quadro sussurrasse.

Sol assentiu, visivelmente orgulhosa.

— Sempre achei que você pintava como quem falava. Agora vai pintar o que nunca teve coragem de dizer em voz alta.

André apareceu com queijo e pão ainda quente.

— E você, Noah? Tá preparado pra ter a obra mais íntima de vocês dois exposta no Soho?

Noah sorriu, modesto.

— Se tem alguém que pode transformar nossas conversas em arte… é ela.

Clara olhou para ele de lado, com aquele sorriso pequeno de quem ama sem alarde.

À noite, depois do jantar, sentaram em frente à lareira. A lenha estalava em pequenas explosões. Sol serviu chá e pegou um álbum de fotos da estante.

— Vamos relembrar vergonhas da adolescência?

— Por favor, não — gemeu Clara, se encolhendo no sofá.

Mas já era tarde. Sol abria páginas com fotos dela vestida de bailarina, com aparelho nos dentes, desenhando no chão da sala com as mãos sujas de tinta.

— Ela sempre foi a dramática da família — disse Sol. — Fazia cartas de amor para artistas mortos. E chorava assistindo comerciais de margarina.

— Isso nunca mudou — Noah brincou.

Clara revirou os olhos.

— Eu era só… intensa.

— Era e ainda é — Sol disse, com um carinho escondido na voz.

Depois de algumas risadas, houve um silêncio bom. Um silêncio de gente confortável.

E então Sol olhou para Clara. Olhos sérios agora.

— Sabe o que eu percebi vendo vocês dois?

— O quê?

— Que, pela primeira vez, você não tá tentando se proteger. Você tá… entregue.

Clara respirou fundo. Demorou para responder.

— Porque eu sinto que ele não veio me salvar. Ele só... me viu.

Mais tarde, já no quarto de hóspedes, Clara e Noah se deitaram sob um cobertor pesado de lã, ouvindo o som da chuva fina no telhado.

— Você se dá bem com a Sol, né? — ela perguntou, com os olhos no teto.

— Ela me assusta. Mas gosto dela.

Clara riu baixinho.

— A gente era muito grudada quando pequenas. Depois nos afastamos. Eu virei “a sensível”, ela virou “a bem-sucedida”. Levou anos até a gente se reencontrar como irmãs de novo.

— Ela te admira. Mas tem medo de perder você.

— Como assim?

— Dá pra ver no jeito que ela te observa. Como quem segura alguma coisa sem saber se pode soltar.

Clara se virou de lado. Encostou o nariz no pescoço dele.

— E você? Tem medo de me perder?

Noah passou os dedos pelos cabelos dela, devagar.

— Tenho medo de não conseguir te acompanhar.

— Você me acompanha melhor do que qualquer um já fez.

Silêncio.

Depois, ela sussurrou:

— E se um dia a vida fizer a gente esquecer como foi esse momento aqui?

Ele beijou o topo da cabeça dela.

— A gente repinta.

No dia seguinte, Sol preparou panquecas com frutas e todos tomaram café juntos na varanda, mesmo com o frio.

— Clara, seu quadro novo tá na minha sala há três semanas e eu ainda não consigo parar de olhar — disse André. — Aquele com as camadas de vermelho e as palavras escondidas.

— É sobre o amor quando ele não é dito. Quando só se sente.

Sol olhou para ela, séria.

— Você já pensou em escrever também?

— Escrever?

— Tipo… transformar os bilhetes em um livro. Poesia, diário visual, qualquer coisa. As pessoas iam devorar isso.

Clara não respondeu na hora.

Mas depois, quando Noah abriu o porta-malas para irem embora, ela virou e disse:

— Talvez eu devesse.

Ele assentiu.

— O mundo precisa das suas palavras. Mesmo quando você acha que são só rascunhos.

Voltaram para Nova York no fim do dia.

Clara dormiu parte do caminho.

Noah dirigiu em silêncio, com a mão dela entre as dele.

O céu estava azul-acinzentado, e a cidade reaparecia aos poucos no horizonte — como uma lembrança voltando devagar.

E mesmo sem saber, naquele fim de semana, eles haviam desenhado mais um capítulo do que seria, para sempre, um amor que vale a pena lembrar.

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