Capítulo 7

Noah tinha uma disciplina quase religiosa nas manhãs de plantão. Acordava às 6h15, tomava banho frio para acordar o corpo, comia duas torradas secas com café preto e lia os jornais médicos do dia enquanto Clara ainda dormia, enroscada no edredom com uma mecha de cabelo na boca.

Mas naquela quinta-feira, quando saiu do banheiro pronto para ir, encontrou um bilhete colado na escova de dentes.

“Não esquece de viver entre um paciente e outro.

Não esquece que seu coração também merece cuidado.”

— C.

Ele sorriu. Guardou o bilhete dobrado no bolso do casaco.

Não como um lembrete. Mas como um antídoto.

O hospital, como sempre, era um universo à parte. Ruídos de monitores cardíacos, passos apressados de enfermeiros, conversas abafadas em corredores compridos. Ali, Noah era outro. Preciso. Concentrado. Incansável.

Elias o observava de longe, como fazia desde os tempos de residência.

— Hoje você tá com olhos de quem dormiu bem — comentou, cruzando os braços diante da sala de cirurgia.

— Dormi. E sonhei com uma mulher fazendo arte na parede da minha sala com chocolate e tinta acrílica.

— Ah, o amor — Elias disse, irônico. — Aquela fase em que até bagunça parece poesia.

— E você, Elias? Nunca amou?

— Já. E justamente por isso, hoje como em silêncio e durmo com a porta trancada.

Noah riu, mas havia algo de sincero na amargura do outro.

Talvez todos os homens que carregam cérebros nas mãos tenham um certo trauma no peito.

À tarde, Clara foi ao ateliê de Leo. Levaram juntos algumas impressões dos bilhetes poéticos que espalharam na cidade.

— As pessoas começaram a postar no I*******m — Leo disse, animado. — “Bilhete 27: Eu sou feita de urgências e você é meu tempo preferido.” Quem escreve essas coisas, hein?

Clara fingiu mistério.

— Talvez a cidade esteja finalmente dizendo o que sente.

— Sabe o que você devia fazer? Uma exposição só com essas frases. Um espaço vazio com as palavras flutuando. Como se o amor tivesse cheiro de papel antigo.

Clara olhou pela janela. As ideias sempre vinham assim, como pequenas ondas.

— Vou pensar nisso.

Mas, no fundo, ela já sabia: o amor que vivia com Noah não era só dela. Era algo que podia tocar o mundo.

No fim do expediente, Noah estava de saída quando uma enfermeira correu até ele.

— Dr. Bennett, tem uma senhora na recepção perguntando por você. Diz que é sua tia-avó. Mas o nome não b**e com nenhum parente seu no prontuário.

Ele franziu o cenho.

Quando chegou na recepção, encontrou… Olivia.

Vestida discretamente, com um sorriso tímido.

— Eu sei, eu sei. Péssima tática. Mas queria te ver. De verdade. Pode ser cinco minutos?

Ele olhou o relógio. Suspirou. Fez um gesto para ela segui-lo até a cafeteria.

— Olha, Olivia… você foi uma parte da minha vida. Mas...

— Não vim por isso. Eu juro.

Ela puxou da bolsa uma pasta amassada com papéis médicos.

— Descobri há pouco que tenho um nódulo. O médico sugeriu uma segunda opinião.

E, bem… você é o único em quem eu confiaria.

Por um instante, Noah sentiu o chão se mover.

A ex-namorada. Um possível diagnóstico. E uma Clara em casa, pintando em paz, sem ideia do que se desenrolava ali.

Ele pegou os papéis com cuidado. Leu. Respirou fundo.

— Vou te encaminhar pro especialista certo. Não sou o melhor nesse tipo de avaliação, mas conheço quem seja.

Olivia assentiu. Os olhos marejados.

— Obrigada, Noah. De verdade.

E antes de ir embora, ela disse, sem olhar pra ele:

— Ela te mudou. Eu vejo. Ela te dá algo que eu nunca consegui dar.

Fica com isso.

E foi embora.

À noite, Clara estava no chão da sala com um novo projeto em andamento. Tinha espalhado folhas no chão com frases que começavam todas com:

“Se eu fosse cor, seria…”

— Você seria o quê? — Noah perguntou, largando a mochila ao lado.

Ela mordeu a caneta.

— Cor de vinho no fim do dia. E você?

Ele sentou ao lado dela. Pensou. Depois respondeu:

— Cor de ombro quando encosta na tua pele.

Clara gargalhou.

— Isso não é uma cor, seu maluco.

— Mas é a que eu queria ser.

Ela o abraçou, colando o rosto em seu pescoço.

— Eu tô tão feliz, Noah. De um jeito novo. De um jeito que eu nem sabia que existia.

Ele ficou em silêncio por um instante.

— Eu também.

E naquele momento, ele decidiu: não falaria nada sobre Olivia.

Não agora. Não enquanto ela ainda podia sorrir com os pés sujos de tinta.

Na manhã seguinte, ele acordou com o som da chaleira.

Clara havia colado um bilhete no espelho do banheiro, onde ele escovava os dentes:

“Você me dá vontade de continuar.

Mesmo nos dias em que o mundo parece sem cor.”

— C.

Noah olhou seu reflexo no espelho, depois o papel.

Guardou no bolso.

Saiu.

No hospital, operou duas crianças, revisou prontuários, discutiu casos com os residentes e almoçou com Elias em silêncio.

No fim do dia, quando Elias levantou da mesa, olhou para ele e disse:

— Você ainda é o melhor que temos. Mesmo com poesia na cabeça.

— E isso é bom?

— Isso é raro.

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