CAPÍTULO 03

KILLIAM

Aquela manhã estava agitada, como se o universo tivesse decidido que aquele seria o dia em que tudo mudaria.

Meu restaurante, localizado em uma região praieira isolada, cercada por uma densa floresta de pinheiros, parecia ter recebido um ônibus de viagem…

O som das conversas, das risadas e das cadeiras arrastadas pelo chão de madeira se misturava ao eco distante das ondas quebrando na areia.

Como se a movimentação incomum já não bastasse, Nathan havia ligado mais uma vez — tentando como sempre — me fazer voltar a assumir meu posto de alfa na alcateia.

Ele não compreendia que aquilo já não era possível para mim. Minha vida tinha mudado para sempre no maldito dia em que aquela alcateia foi invadida e eu perdi Jade — a minha companheira predestinada.

Na época eu ainda não era alfa, era apenas o filho dele. Quando Jade se foi, me vi perdido, incapaz de compreender como seguir em frente.

E, naquele dia, não perdi apenas minha companheira… perdi meu pai e também o rumo da minha própria vida.

Mas, como o tempo não espera, naquela mesma noite o peso da liderança recaiu sobre mim. Eu deveria assumir a cadeira de alfa, ainda que cada parte de mim estivesse submersa no luto.

Uma alcateia sem alfa não passava de um bando de lobos perdidos — vulnerável, frágil demais diante dos inimigos. E eu sabia que meu pai jamais permitiria isso. Muito menos eu.

No entanto, eu já não conseguia mais ser quem fui um dia. Não era mais aquele Killiam forte, determinado a proteger todos, quando, por dentro, estava destruído.

Foi nesse momento que nomeei Nathan como meu beta e deixei a alcateia sob o comando dele. Ele tinha os pés no chão e, ao contrário de mim, não estava perdido.

Ainda voltava lá de vez em quando, mas não conseguia permanecer. Para mim, Jade estava em cada canto daquele lugar, em cada lembrança que vivi naquela alcateia.

Eu ainda podia ouvir sua risada, senti o cheiro dela no ar, como se tudo tivesse se impregnado em mim — como um fantasma que se recusava a partir. E foi assim que decidi me afastar o máximo que podia.

Agora, eu estava aqui — não tão distante da alcateia a ponto de não poder defendê-la, mas longe o suficiente para que as lembranças não me atormentassem.

Eu tocava um restaurante simples e contava apenas com uma funcionária — uma loba que se recusava a me deixar enfrentar tudo sozinho, e que era um lembrete constante de quem eu fui — a irmã de Jade.

Tentava ali, anestesiar uma dor que não ia embora, mesmo após tantos anos.

As mesas estavam todas ocupadas, Suelen corria entre as mesas e o balcão, enquanto eu tentava dar conta da cozinha e, ao mesmo tempo, atender o caixa. Mas, naquele dia, isso parecia impossível.

Killiam, isso aqui está uma loucura! Se continuar assim, vamos precisar de mais alguém — disse Suelen ao passar por mim, enquanto se dirigia para atender outra mesa.

— Aqui, por favor! — uma mulher ergueu a mão, chamando atenção enquanto o marido tentava acalmar duas crianças inquietas.

— Estou indo — respondeu Suelen, enquanto deixava o pedido em outra mesa.

Parei por um instante ali no balcão de atendimento, respirei fundo e observei o movimento.

Sabia exatamente quais mesas ainda não haviam feito o pedido, quais estavam prestes a reclamar e quais esperavam apenas a conta para ir embora.

Meu humor parecia querer mudar naquele momento. Que loucura era aquela?

— Por favor… — chamou uma voz aveludada, vinda da direção oposta à minha.

Por instinto, parei para olhar na direção dela e, no instante em que meus olhos encontraram sua dona, congelei. Era como se o tempo tivesse sido arrancado de mim — tudo ao redor perdeu o foco

As pessoas se tornaram borrões irrelevantes, e a gritaria do salão se calou, como se alguém tivesse desligado o mundo.

Fiquei paralisado, observando o jeito como os cabelos dela se moviam suavemente com a brisa que entrava pela porta aberta. O brilho curioso nos olhos, o leve franzir das sobrancelhas.

E então, aquele perfume… rosa, orquídea e baunilha. Doce, suave, envolvente. Como um sussurro que me chamava sem dizer uma palavra.

“Nossa”

O rugido do meu lobo ecoou dentro de mim com uma força que quase me fez cambalear. Era como se algo tivesse despertado de um sono profundo.

Meu coração acelerou, a respiração ficou pesada e um formigamento sutil percorreu minha pele.

Tudo ao redor perdeu a importância, como se tivesse se dissolvido em silêncio, e tudo o que restava era a certeza absoluta de que aquela mulher me pertencia.

— Gostaria de um sanduíche de queijo — pediu, ainda olhando o cardápio em suas mãos.

Quando seus olhos encontraram os meus, procurando confirmar que eu havia ouvido seu pedido, ela pareceu sentir o que eu também sentia — a surpresa estava nítida em seu olhar.

Talvez, quando entrou no restaurante, não tivesse notado a presença de lobos. Mas agora… agora ela definitivamente sabia o que eu representava. E eu também sabia que ela não era uma simples humana.

Suelen apesar de totalmente concentrada em seu trabalho, logo percebeu a mudança no ambiente — a tensão que emanava em mim, a rigidez que dominava meu corpo e o choque em meu olhar.

— Oi, lindinha. Bem-vinda! — disse Suelen, com um sorriso gentil. — Ficarei feliz em atender você se puder aguardar só um minutinho.

Aquela mulher apenas acenou, ainda presa em meu olhar — mas se recuperou antes de mim e logo seguiu para o lugar que Suelen havia indicado.

Olhei atentamente para cada pessoa naquele lugar, tentando captar qualquer sinal de outro lobo que eu pudesse ter deixado passar.

Ela não pertencia à minha alcateia. Mas então… o que estava fazendo ali, sozinha? Isso não era comum.

Fiquei alguns segundos parado feito um imbecil, apenas olhando para ela sentada de costas para mim. Meu peito apertou. Era algo profundo, como se cada parte de mim estivesse reagindo à presença dela.

O perfume dela me cercava, mesmo depois dela já estar a três mesas de distância.

Rosa, orquídea e baunilha — Repeti mentalmente, sentindo a raiva começar a se misturar ao encantamento.

Eu não podia me dar ao luxo de sentir aquilo. Não de novo. E, principalmente, não por uma estranha que surgiu do nada, atravessou meu salão como se fosse dona do lugar e… simplesmente me tirou do eixo.

Quem era ela? Por que me olhou daquele jeito? Aqueles olhos surpresos... quase como se me enxergassem de verdade, mas não sabia o que fazer.

Droga.

Talvez eu precisasse de um momento com Nayara. Aqueles momentos sempre acalmavam meu corpo.

Nayara não pertencia à minha alcateia, mas seu alfa lhe concedera aquela liberdade, após a perda de seu companheiro, o que tornava fácil manter nossos encontros em segredo.

Desde o início, deixei claro que entre nós tudo se resumia a sexo — e ela aceitou essa verdade sem questionar. Afinal nossos corpos tinham necessidades.

Voltei a me mexer, irritado com minha própria lentidão. De qualquer forma, eu precisava descobrir quem era aquela loba. Por que estava ali? O que queria aqui?

Não conseguia entender por que meu lobo despertara justamente por ela. Como se, no meio do caos, algo adormecido dentro de mim tivesse finalmente acordado — e agora se recusasse a voltar a dormir.

Aquele restaurante era tudo o que me restava, e nada me tirava do sério mais rápido do que sentir que não estava no controle de tudo.

— O que houve? — perguntou Suelen assim que entrou naquela cozinha e percebeu meu humor.

— Do que você está falando? — perguntei, visivelmente irritado, fingindo não entender sua pergunta, embora soubesse exatamente o que ela queria dizer.

— Estou perguntando sobre a loba da mesa seis. Aquela que estar sentada no salão.

Minha mandíbula travou. Eu não queria vê-la. Queria arrancar aquele aroma do ar e esquecer que ele tinha me afetado. Ainda que meu lobo estivesse impaciente em minha mente.

Mas, como se o universo achasse que eu precisava de mais um empurrão, Suelen fez questão de me lembrar disso novamente. Fechei os olhos por um segundo, respirando fundo. Controle-se, Killiam.

— Não sei do que você estar falando — respondi sem me virar, o tom mais ríspido do que eu pretendia.

— Será mesmo que não sabe? Porque eu percebi o quanto você ficou abalado depois da aparição dela — disse ela, com ironia na voz. E eu senti isso, mesmo de costas.

Girei lentamente para encará-la. Estava ali, parada, com o avental amarrado na cintura e uma bandeja nas mãos. Ela me conhecia bem demais para acreditar na minha mentira.

— Quem é ela? — perguntei, por fim. A voz saiu mais baixa, carregada de desconfiança, mas também de algo que eu não queria admitir.

— Você pode ir perguntar, já que ela pediu a conta — respondeu Suelen, simplesmente.

No fundo, uma parte de mim — aquela que eu tentava inutilmente ignorar — já sabia que ela não estava ali por acaso. Não havia como negar o impacto de sua presença.

Havia algo nela que capturava meus sentidos de forma quase cruel — como se o mundo ao redor silenciasse só para que eu a percebesse melhor.

Quando a olhei mais cedo, pude perceber sua beleza delicada e, ainda assim, marcante.

Os traços do rosto suaves, elegantes, como se tivessem sido esculpidos com cuidado. A pele clara carregava um rubro sutil nas bochechas, talvez pelo calor do local, talvez por nervosismo.

Seus olhos, grandes e expressivos, de um azul vivo, pareceram me atravessar quando ela me olhou — e não era uma invasão, mas uma súplica silenciosa por compreensão.

Suavidade e intensidade ao mesmo tempo. Um paradoxo impossível de ignorar.

Os cabelos longos caiam em ondas soltas, em tons castanhos claros com nuances douradas que brilhavam sob a luz do dia. Seus lábios, de um tom rosado e delicado, possuíam a sutileza de um convite silencioso.

Assim que cheguei ao balcão, notei que a carteira que ela segurava tremia levemente nas mãos — quase imperceptível, mas eu percebi. Estava nervosa. Ou talvez sentisse, assim como eu, que algo incontrolável pairava entre nós.

Eu não queria sentir aquilo, mas sentia. E pela primeira vez em muito tempo, não sabia como manter o controle.

Suelen estava certa. Eu precisava ir até lá e descobrir quem ela era e por que estava ali.

Peguei a conta da mão de Suelen e me dirigi até aquela mesa, irritado comigo mesmo por senti tantos sentimentos contraditórios.

Ela havia mexido comigo de um jeito que eu não sabia explicar — ou melhor, eu sabia, mas simplesmente não queria aceitar.

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