Zoe sempre soube que pertencia a alguém. Desde criança, carrega marcas profundas na pele, grandes e imponentes—diferentes de todas as outras. Um sinal claro do que sempre foi dito: quanto maior a marca, mais poderoso é o Alfa que a reclama. Suas marcas nunca queimaram. Até agora. No dia em que completa vinte anos, tudo muda. Ele surge como um furacão, arrastando Zoe para um mundo onde não há dúvidas, apenas destino. Ele não pede. Ele não espera. Ele simplesmente toma o que é dele. O fogo que ela nunca sentiu antes a consome de dentro para fora. A verdade se impõe como um grito na pele: este homem é seu. Seu Alfa. Seu dono. Mas no momento em que Zoe se entrega ao que sempre esteve destinado a ser, ele recua. Uma profecia sussurrada por um ancião pesa sobre ele. Um segredo capaz de mudar tudo. Agora, Zoe precisa descobrir se seu destino já foi escrito… ou se terá coragem de reescrevê-lo, mesmo que isso signifique desafiar o Alfa que seu coração, sua alma e sua pele reconhecem como seu.
Ler maisA luz da manhã filtrava-se pelas copas das árvores como dedos dourados tocando a terra com delicadeza. O chão ainda guardava o frescor da noite passada, e o cheiro da floresta era puro e antigo, como se cada folha carregasse um segredo ancestral.Zoe disparou à minha frente com uma risada rouca, deixando um rastro de folhas viradas e galhos partidos.— Vai me deixar pra trás, Alex? — ela provocou, jogando um olhar rápido por cima do ombro.Ela sabia exatamente o que estava fazendo. E sabia que eu ia atrás.— Não por muito tempo — respondi, sorrindo, e aumentei o ritmo.Ela corria como se o corpo dela soubesse cada curva do terreno, como se a floresta fosse uma extensão dela mesma. Saltava raízes, contornava árvores, mergulhava entre os arbustos com uma leveza que me deixava sem fôlego — e não só pela corrida.A trilha era antiga, meio esquecida, feita mais pelos passos dos lobos do que por qualquer mapa. E nós a conhecíamos bem. Era ali que tínhamos treinado, fugido, brigado, e agora…
A biblioteca cheirava a madeira antiga, resina e tinta fresca. A luz do fim da tarde entrava pelas janelas altas, desenhando retângulos dourados no chão de pedra. Sentados em torno da mesa redonda no centro da sala, estávamos todos ali. Eu, Alex, Gabi, Lord, Liz e o novo Alfa da alcatéia — Dario.Ele parecia deslocado entre os livros, mas não inseguro. Seus olhos percorriam as prateleiras como quem reconhecia uma parte da história, mesmo que não tivesse estado lá quando ela foi escrita.— Nunca gostei muito de ficar cercado de livros — ele disse, com um leve sorriso. — Mas se tem um lugar onde as verdades gostam de se esconder, é aqui.Ninguém respondeu de imediato. Gabi sentou-se ao lado dele, com o corpo ligeiramente inclinado para frente, os dedos entrelaçados. Era raro vê-la tão contida, mas ali, com o pai ao lado e tantos assuntos tensos sobre a mesa, era compreensível.— Obrigado por ter vindo — Alex disse, com a voz firme, mas cordial. Ele e Dario trocaram um olhar carregado de
Ele me encontrou sentada nas pedras ao lado da clareira, onde o som do rio era só um sussurro ao longe. A fogueira do centro ainda estalava baixo, como se ecoasse os restos de tudo o que vivemos nas últimas semanas. O céu estava pintado em tons de rosa desbotado, e o silêncio parecia mais um convite do que um vazio.Ouvi os passos antes de vê-lo. A passada firme, ritmada, que eu reconheceria em qualquer lugar do mundo.— Achei que te encontraria aqui — disse Elian, com aquele tom de voz entre a calma e a certeza. Como se ele sempre soubesse onde eu estava, mesmo quando eu me perdia de mim.Virei só um pouco o rosto, o suficiente para vê-lo se abaixar ao meu lado. A barba dele agora estava mais grisalha do que eu lembrava. Os olhos ainda tão intensos quanto os de um alfa, mas mais suaves comigo. Sempre foram.— Você sempre acha.Ele sorriu. Aquele sorriso que sempre veio depois de um dia longo, quando eu era só uma menina confusa, tentando parecer forte demais. E ele só esperava, até e
O cheiro de madeira queimada foi o primeiro a me alcançar. Depois, o som dos passos firmes no cascalho da trilha, acompanhados por um assovio curto — o tipo de som que parecia uma saudação e um aviso ao mesmo tempo.Eu já estava na entrada do saguão principal, ao lado de Alex e Gabi, quando ele surgiu entre as árvores, com um sorriso fácil no rosto e um casaco surrado que parecia ter histórias demais guardadas nas costuras.— Se eu soubesse que vocês estavam fazendo tanta bagunça, tinha vindo antes — ele disse, a voz grave, mas calorosa.Gabi deu um passo à frente, o olhar entre incrédulo e emocionado.— Achei que só viria antes do festival — ela disse, e foi impossível ignorar o tremor pequeno na voz dela.O homem — alto, ombros largos, barba curta com fios prateados — abriu os braços como quem não precisava dizer mais nada.— Não dá pra deixar a filha favorita se meter em guerra sem supervisão, né?Gabi riu e correu até ele. Não um riso qualquer, mas aquele que vinha de um lugar pro
Levantei devagar, levando o pergaminho comigo. Me aproximei do vitral, deixando a luz colorida tocar minha pele. O vidro formava o desenho de uma loba envolta por círculos — círculos de proteção, de ciclos, de eternidade.Pensei no que estava escrito no mapa. “O altar nunca foi só altar. O elo começou ali.”O altar.A primeira vez que pisei ali depois de tantos anos, eu senti. Não era só energia — era como um reconhecimento. Como se o chão soubesse quem eu era antes de mim. Como se cada pedra tivesse memorizado minha presença, mesmo quando eu ainda era pequena demais para entender qualquer coisa.Agora fazia mais sentido.Se o elo começou ali, se foi naquele espaço sagrado que a adaga foi usada para corromper, talvez fosse ali também que tudo pudesse ser refeito. Mas para isso… para isso eu teria que voltar. E encarar.Ele.Meu pai.Não gosto de chamá-lo assim. Pai não é só sangue. Pai é quem permanece. Quem protege. Quem ensina a amar sem medo. E ele… ele foi ausência. E, quando pres
A biblioteca estava silenciosa — não o silêncio desconfortável que costuma preceder algo ruim, mas aquele que me fazia sentir como se o mundo lá fora estivesse pausado, só por um instante. As paredes forradas de livros antigos me cercavam com um cheiro familiar de páginas gastas, couro e tempo. Era quase reconfortante. Quase.Eu caminhava devagar entre as prateleiras, sem pressa. Cada passo ecoava baixo sobre o chão de pedra. A luz suave das lamparinas mantinha o lugar em uma penumbra acolhedora, e por um momento, me senti fora do tempo. Como se estivesse andando entre memórias que não eram minhas — mas que, de algum modo, também eram.Encontrei o volume onde sempre esteve: na terceira fileira à esquerda, perto do vitral azul. Era um livro grosso, de capa escura e textura áspera, quase como pele ressecada. Não tinha título na lombada. Só uma runa gravada em baixo relevo que reconheci de imediato. A mesma que vi esculpida na base do altar, no dia em que tudo começou a mudar.Sentei na
Gabi assentiu.— Por isso a gente tem que ajudá-la. Descobrir como remover o que ele colocou na adaga. E reconstruir o elo. Só assim tudo se alinha de novo.— E se a gente não conseguir?Ela não respondeu. Em vez disso, estendeu a mão e segurou a minha.— Então a gente tenta de novo. E de novo. Até dar certo. Porque não tem alternativa.Ficamos assim por um tempo. Duas almas cansadas, tentando desenhar um futuro que ainda parecia névoa.Mas eu sabia de uma coisa.Enquanto Zoe respirasse, enquanto o vínculo entre nós existisse, eu não desistiria.Não enquanto houvesse algo que eu pudesse fazer.— Isso aqui é uma das minhas tentativas — ela disse, girando o frasco entre os dedos. — Um concentrado de ervas ligadas à purificação de vínculos. É instável. Muito instável. Mas talvez sirva como ponto de partida.— E se usássemos isso direto na adaga?— Pode funcionar… ou pode reagir mal. A adaga não é um objeto comum, Alex. Ela tem consciência. Tem vontade. A gente não sabe como ela vai respo
A brisa da manhã ainda pairava no ar quando deixei o quarto. Zoe dormia profundamente, os cabelos espalhados no travesseiro como uma coroa selvagem. Saí em silêncio, sem querer acordá-la — o mundo lá fora esperava, e eu precisava falar com Gabi antes que o dia nos engolisse de novo.Caminhei pelas trilhas úmidas do acampamento até encontrar o som de vidro e madeira vindo da cabana dela. O cheiro de ervas era quase reconfortante — quase, porque nada me confortava mais quando Zoe estava em risco.— Alex — Gabi levantou os olhos de um punhado de raízes que separava com a ponta da faca. — Dormiu?— Um pouco. Zoe apagou assim que deitamos. Acho que o FISP drenou até as últimas energias dela.— Foi um bom dia — ela disse, com um pequeno sorriso. — Mas não vai durar se a gente não der um jeito nessa adaga.Assenti e me sentei na cadeira à frente dela, que rangeu como se protestasse. Ficamos um instante em silêncio, e eu sabia que Gabi estava esperando que eu falasse. Não como um lobo esperan
Havia algo na maneira como ele me olhava quando achava que eu não estava vendo. Algo que me aquecia mais do que o calor que ainda nos envolvia. Era como se Lord estivesse redescobrindo o que significava cuidar — não só proteger de ameaças externas, mas sustentar o silêncio de alguém, a fragilidade escondida debaixo da pele.Ele me puxou mais para perto, os dedos desenhando círculos preguiçosos na minha cintura, e eu encostei a cabeça em seu peito. O ritmo do coração dele estava estável, firme — como o próprio Lord. Tinha algo de ancestral naquele homem. Algo que vinha antes das palavras, antes dos pactos. Algo que me atraía como o mar atrai a lua.— Você pensa muito — ele murmurou, os lábios tocando minha testa como se soubessem decifrar os pensamentos que ainda dançavam atrás dos meus olhos.— Você escuta meus pensamentos agora? — sorri.— Não. Só escuto o silêncio entre eles.Me peguei rindo, de verdade, do tipo de riso que faz os ombros relaxarem. Havia séculos, talvez, que eu não