A catedral permanece. De pedra escurecida pelo tempo, suas torres erguidas como dedos apontando para céus indiferentes, ela repousa no coração da cidade como um túmulo aberto. Ao redor dela, o mundo cresceu — casas coloniais, fachadas góticas, praças de pedra, ruas de paralelepípedos e becos úmidos que jamais esqueceram o cheiro da fumaça. Mas ali, bem ali, o tempo não passa. Ali, o tempo observa.
Os sinos ainda tocam duas vezes ao dia — ao nascer do sol e à meia-noite. Seus sons carregam ecos antigos, vibrando por vielas estreitas e janelas de vidro canelado. Ninguém sabe ao certo quem ordena que continuem tocando. Mas eles tocam. E o povo escuta. Alguns oram. Outros apenas seguem. Os badalares são um aviso silencioso: todos devem estar recolhidos, pois nas horas fundas da noite, os perigos terrenos — gangues, ladrões e coisas que não temem a escuridão — se movem mais à vontade.
A missa matinal e a dominical são dedicadas a Shalgor, o Senhor da Sabedoria Silenciosa. Seus templos mantêm os rituais antigos — orações murmuradas, oferendas simbólicas e preces por equilíbrio. Já as missas noturnas, realizadas a cada dois dias, são fechadas ao público comum e frequentadas apenas por membros selecionados. Os mais jovens ainda não conhecem seus reais propósitos. E os forasteiros, se ousarem participar, entram por conta própria. Poucos compreendem o que verdadeiramente ocorre sob aquelas cerimônias.
A colina, a um quilômetro dali, assiste tudo envolta em névoa. Sempre coberta, sempre presente, como se guardasse os últimos segredos que a cidade tentou esquecer. É lá, no topo, que repousa a mansão de pedra — escura, vasta, construída para resistir aos séculos, e não para ser admirada. As árvores ao redor há muito deixaram de crescer direito. O frio ali sopra mais forte. E o silêncio... é mais fundo.
De uma janela muito alta, atrás de vidros grossos e antigos, alguém observa. Não se vê o rosto. Apenas a presença.
A neblina não permite ver muito da cidade, mas os sinos são inconfundíveis. O som penetra a bruma e alcança os ouvidos como um chamado sutil — ou um aviso. O vulto não se move. Não suspira. Apenas observa, como se esperasse algo. Ou alguém.
A cidade de Heradhor é cercada por vilarejos menores que, ao longo das gerações, sustentam seu ritmo de vida. Nessas regiões periféricas, vastas fazendas fornecem carne, gordura animal, lã e peixes que alimentam a população. As plantações rendem legumes e vegetais, cultivados conforme as estações. O início do inverno já enrijece a terra e empalidece os campos.
Há minas escavadas ao norte e ao oeste, de onde se extrai ferro, estanho, alumínio, ouro, prata, enxofre e outros elementos essenciais para a produção de pólvora e metais preciosos. Desses minérios também é forjada a moeda local, cujo valor varia conforme a raridade do material — peças de estanho para o comércio comum, de prata para transações importantes e de ouro para os cofres da elite.
As estruturas da cidade mesclam arquitetura colonial, vitoriana, gótica e industrial. A influência das antigas linhas de construção permanece nos prédios de dois ou três andares, nas fachadas em pedra escurecida ou madeira, nos vitrais opacos e nas sacadas de ferro torcido. As vestimentas variam conforme o estrato social: nobres e figuras políticas trajam ternos camurçados com broches de prata, cartolas, echarpes e tecidos finos. Já os mais humildes vestem roupas simples e gastas, em tons neutros, muitas vezes passadas entre gerações.
O centro urbano abriga padarias, tecelagens, marcenarias, lojas de alfaiataria, relicários, mercados e um jornal impresso em máquinas de tipos. Há também pensões, hospedagens e a prefeitura, que regula leis e organiza os turnos dos poucos guardas da cidade. Porém, os decretos verdadeiros e as diretrizes que mantêm Heradhor em equilíbrio vêm de outro nome — do vampiro que a fundou e a governa em silêncio: Hérus.
As ruas são percorridas por carruagens de ferro e madeira. Trilhos conectam as áreas mais movimentadas a um pequeno trem local, abastecido com carvão. O gás distribuído pela cidade vem de uma fábrica nos pântanos do oeste, conectado por dutos subterrâneos que alimentam fogões, postes de iluminação e algumas lareiras públicas. Telefones de disco existem, mas são restritos às famílias mais abastadas. Vitrolas tocam nos salões das mansões durante os bailes sazonais de inverno e primavera.
E ainda há o pacto. Um acordo silencioso e antigo, mantido há séculos entre Hérus e os cidadãos fundadores da cidade. Chamado entre os mais velhos de Pacto de Liandhar, ele não é comentado abertamente, mas ecoa nas tradições, nas missas noturnas e nos olhos daqueles que sabem o que mantém Heradhor em paz.
O som dos sinos se esvai devagar. A cidade volta ao seu ritmo. Mas a mansão... permanece desperta.