Evelyn sempre lutou sozinha. Órfã e estudante, ela trabalha em uma lanchonete para pagar os estudos e o aluguel de um quarto minúsculo. Sua única alegria vem de Donovan, o entregador misterioso que, com um sorriso, ilumina até os dias mais difíceis. O amor entre eles cresce rápido, levando a um casamento simples, mas cheio de promessas. Porém, Donovan escondia um segredo. Seu sobrenome, Ashbourne, pertence a uma das famílias mais ricas e influentes da Inglaterra. Quando um acidente trágico tira sua vida, Evelyn descobre que nunca soube toda a verdade. Dentro do capacete dele, uma foto e um número de telefone a levam até Lorde Reginald Ashbourne, o tio de Donovan—um homem poderoso, ambicioso e perigoso. Agora, grávida e viúva, Evelyn é arrastada para um mundo onde o dinheiro dita as regras e os segredos valem mais que a verdade. Como viúva de Donovan, ela carrega o herdeiro que pode mudar o destino da família. E Reginald? Ele quer protegê-la ou apenas garantir seu próprio caminho até a presidência da empresa? Entre promessas, mentiras e desejos proibidos, Evelyn precisará escolher em quem confiar. Pois naquele mundo, a lealdade pode ser uma armadilha... e o amor, sua maior fraqueza.
Leer másC.R.SANTOS
Evelyn acordou com a chuva forte batendo na janela do pequeno quarto que alugava no subúrbio de Bell Buckle, no Tennessee. Olhou as horas no pequeno relógio da mesa de cabeceira e percebeu que ainda faltava meia hora para se levantar, mas já não conseguia mais dormir. Levantou-se e foi tomar um banho.
Uma hora depois, estava dentro do trem a caminho do Daisy's, uma charmosa lanchonete com estilo anos oitenta, onde trabalhava. Olhando pela janela, avistou uma mulher com duas crianças caminhando pela calçada. O grande guarda-chuva protegia os três. A menina mais nova carregava uma mochila rosa nas costas, o objeto parecia maior que ela, deixando-a um pouco curvada para frente. Órfã de pai e mãe, Evelyn nunca conheceu aquela sensação de proteção que toda mãe deveria ter por seus filhos.
Ao saltar na estação, ergueu a gola do casaco e correu até a porta. Sob o grande toldo que cobria a frente da lanchonete, um jovem alto, de cabelos escuros penteados para trás, observava a chuva com um semblante pensativo. Ao lado dele, uma motocicleta. Evelyn simpatizou com ele imediatamente. Sorriu e falou:
— Quer entrar e tomar um café enquanto espera a chuva passar?
Ele riu, exibindo o sorriso mais bonito que ela já tinha visto.
— Hoje não. Não vim preparado — respondeu, com um sotaque inglês que surpreendeu Evelyn.
— Pode entrar, é por conta da casa.
— Vou aceitar, então — disse ele, agora com um sorriso mais alegre.
Foi assim que nasceu uma amizade. Durante a conversa, Evelyn contou que trabalhava na lanchonete para pagar a faculdade comunitária e o aluguel de um quarto no subúrbio. Apesar das dificuldades, mantinha seus sonhos vivos e acreditava que a educação seria a chave para uma vida melhor. O trabalho, embora cansativo, ajudava a sustentá-la enquanto equilibrava a rotina puxada de estudos e trabalho.
Ele, por sua vez, apresentou-se como Donovan Alistair Ashbourne. Evelyn se surpreendeu ao ouvir aquele sobrenome, sempre presente nas grandes revistas de negócios. Ele pertencia a uma das famílias mais ricas e influentes da Inglaterra? Mas como alguém com um passado tão humilde poderia estar ligado a pessoas tão poderosas?
Donovan explicou sua história de forma tranquila, sem alarde. Revelou que, quando foi abandonado em um orfanato, não tinha nome nem sobrenome. A funcionária que o encontrou havia trabalhado para a família Ashbourne e, ao ver sua saúde frágil, decidiu lhe dar o nome do antigo patrão, um aristocrata que havia falecido já em idade avançada. Para ela, era improvável que o bebê sobrevivesse, mas, caso o pior acontecesse, ao menos teria um nome digno gravado em sua lápide.
Evelyn, tocada pela sinceridade de Donovan, acreditou em sua versão da história. Como ela, ele também era órfão e lutava para sobreviver. Trabalhava como entregador e dividia um apartamento simples com amigos. Inicialmente, tornaram-se apenas amigos, compartilhando suas experiências e desafios cotidianos. Com o tempo, o vínculo cresceu e, após alguns meses, começaram um relacionamento sério. Casaram-se em uma cerimônia simples, sem grandes festividades, mas felizes por estarem juntos.
Com seus salários modestos, conseguiram alugar uma pequena casa em um bairro tranquilo. Apesar das dificuldades financeiras, tentavam construir uma vida juntos. A rotina era exaustiva, ambos trabalhavam muito e ganhavam pouco, mas faziam o possível para equilibrar os estudos de Evelyn e os empregos de ambos.
A vida seguia com altos e baixos típicos de um casal jovem em busca de seus sonhos. No entanto, em um domingo aparentemente comum, algo estranho aconteceu, abalando as certezas de Evelyn.
Naquele dia, Donovan assistia à TV. Ele escolheu um canal russo, e Evelyn, na cozinha preparando o almoço, ficou curiosa. Não entendia nada do que era dito, apenas ouvia vozes abafadas em uma língua estrangeira. Tudo parecia normal até que ouviu Donovan rindo. O som chamou sua atenção e, para sua surpresa, ele começou a falar em russo, repetindo algumas frases do programa. Sua risada parecia natural, como se realmente compreendesse o que estava sendo dito. Evelyn se aproximou, confusa.
— Donovan, você fala russo? — perguntou, surpresa.
Ele tentou manter a calma e respondeu com um sorriso nervoso:
— Não, só repeti o que ouvi. Não entendo nada do que eles estão dizendo.
No entanto, Evelyn percebeu algo estranho. Seu olhar evitou o dela por um instante e seu sorriso pareceu forçado. Ele insistiu que era apenas uma brincadeira, que estava se divertindo com a sonoridade da língua. Mas a mente de Evelyn começou a questionar a sinceridade da situação. Talvez fosse apenas uma coincidência, mas algo dentro dela dizia que havia mais por trás daquela risada.
Nos dias seguintes, Evelyn tentou ignorar o episódio, mas a dúvida crescia. Em silêncio, passou a observar Donovan com mais atenção. Será que ele tinha algo a esconder? Será que o homem com quem se casou tinha um segredo ainda não revelado? As perguntas pairavam no ar, mas ela não sabia como abordá-lo. A verdade era que o amava profundamente e entendia que nem sempre era possível esconder os fantasmas no armário.
Certa noite, ao chegar em casa, Evelyn se surpreendeu ao encontrar uma bela mesa de jantar montada, com flores e um aroma delicioso no ar.
— Donovan, que lindo! — falou, emocionada. — Onde conseguiu tudo isso?
Ele sorriu, aproximou-se e beijou seus lábios. — Madame? — disse, carregando ainda mais o sotaque inglês, arrancando uma gostosa gargalhada dela e fazendo-a esquecer o trabalho na lanchonete e as aulas cansativas.
— Hoje faz sete meses que nos casamos, e eu estou muito feliz por ter você ao meu lado. Apesar de todas as dificuldades, das lutas diárias, estou feliz e te amo muito.
Ela se emocionou, os olhos se encheram de lágrimas. Puxou o rosto dele e o beijou longamente. Donovan a ergueu da cadeira, pegou-a no colo e a levou para o quarto. Aquela noite de amor foi sublime para os dois. Mais tarde, abraçados e felizes, adormeceram, sem pensar, por um momento sequer, nas tristezas do passado.
01
A mulher que entrou exalava uma beleza serena e imponente, marcada pelos cabelos grisalhos cuidadosamente presos em um coque baixo, e pelo porte altivo de quem já enfrentou tempestades e saiu de pé. Seus olhos — de um azul profundo, como o mar visto do alto de um penhasco — cruzaram o olhar de Evelyn. Por um instante, permaneceram indecifráveis, como guardando segredos antigos. Então, suavizaram, revelando algo que só o tempo e a experiência poderiam ensinar.— Senhora Ashbourne — disse ela, a voz firme, mas não hostil. — Eu sou a rainha Amélia Aurélia de Montverre. Evelyn inclinou levemente a cabeça, uma reverência contida.— Obrigada por me receber, rainha.Amélia assentiu, e seus olhos recaíram por um breve momento sobre Reginald.— Lorde Reginald Ashbourne. O sobrenome carrega peso por aqui, mesmo depois de tantos anos. Sejam bem-vindos.— É uma honra estar aqui — respondeu Reginald, sempre diplomático.Amélia fez um gesto com a mão, convidando-os a sentar-se no
Evelyn e Reginald retornaram para casa após três dias fora. A saudade dos filhos apertava o peito de Evelyn de forma quase insuportável. Sabia que Beth e Benjamim cuidavam deles com todo amor — como se fossem seus próprios filhos —, mas o vazio da ausência pesava mais a cada hora.Reginald, por sua vez, também precisava retomar os assuntos na empresa. Durante esse período, aproveitou para entrar em contato com representantes da monarquia de Montverre. Usando o prestígio do nome Ashbourne, conseguiu algo raro: agendar uma audiência com a própria rainha Amélia de Montverre. Satisfeito com seu feito, foi para casa contar para ela pessoalmente. Mas ao chegar, decepcionado, soube pela empregada que ela tinha levado os filhos a um aniversário de um amiguinho de Oliver e depois iria para a casa de Beth. Deitou e dormiu. Algum tempo depois, acordou e escutou as vozes das crianças, então resolveu tomar um banho antes de conversar com Evelyn. Reginald estava no chuveiro, deixand
Evelyn abraçou Benjamim com força, o coração acelerado enquanto segurava o papel com o endereço antigo de Jacob — o único fio que a ligava à verdade que tanto buscava.— Não crie expectativas muito altas, Evelyn — disse Benjamim com um olhar preocupado. — Já se passaram mais de trinta anos... Muita coisa pode ter mudado. É possível que ele não more mais lá. Mas talvez... algum vizinho ainda se lembre. E isso pode ser o começo.— Eu sei, Benjamim... — respondeu Evelyn com um meio sorriso, os olhos marejados. — Mas esse endereço já é uma esperança. É mais do que eu tinha ontem. Vou ligar para Reginald. Ele me prometeu que estaria comigo em cada passo dessa jornada.Ela fez uma breve pausa e então, com delicadeza, perguntou:— E falando em Reginald... ele chegou a pedir que você encontrasse os verdadeiros pais dele?Benjamim baixou o olhar, como se aquela pergunta ainda pesasse.— Não, Evelyn. Cheguei a tocar no assunto, de forma sutil... mas ele nem quis ouvir. Mudou de con
O silêncio da suíte era espesso como névoa antes da tempestade. Veronica permanecia de pé diante da janela, o robe de seda vermelha agarrando-se ao seu corpo como uma segunda pele. A fumaça do cigarro saía pela janela como um lamento silencioso, serpenteando no ar frio da noite, dissipando-se lentamente, assim como os últimos traços de orgulho que ainda lhe restava. Lá fora, as luzes da cidade pareciam zombar de sua falência financeira com o brilho indiferente dos arranha-céus. Dentro dela, tudo era caos.Ela ainda custava a acreditar. O impossível agora era realidade — cruel, sarcástico, como uma piada de gosto amargo escrita pelo destino. Ela, Veronica, filha de uma linhagem respeitável, sempre impecável, educada para brilhar... e mesmo assim, eclipsada por Evelyn. Uma mulher que até outro dia não passava de uma órfã anônima, sem sequer ter uma nota de rodapé no grande livro dos Ashbourne. Agora? A legítima herdeira de uma fortuna imensurável. Veronica apertou os
A porta da casa se fechou suavemente atrás de Evelyn, abafando os ruídos da cidade como se o mundo lá fora não pudesse mais alcançá-la. A conversa que tivera naquela tarde com a funcionária da biblioteca ainda ecoava em sua mente como um trovão abafado, repercutindo em cada canto da sua alma. O escândalo. O nome do seu pai envolvido com um homem casado. O silêncio comprado. As manchetes sufocadas. As memórias sobreviventes apenas nas palavras de uma senhora idosa, cujo olhar carregava mais verdade do que qualquer arquivo oficial.Evelyn tentara encontrar registros do amante do seu pai, mas o obituário estava vazio. Nada. Nenhuma nota, nenhuma homenagem, nenhum adeus. Como se ele jamais tivesse existido. Não era à toa que tentaram enterrar a história. Se hoje assumir a própria sexualidade ainda exige coragem, o que dizer de décadas atrás? Aquela relação fora uma bomba prestes a explodir — e alguém se certificara de que ela fosse desativada a qualquer custo.Tirou os sapato
A madrugada tocava o mundo com seus dedos de névoa quando Evelyn abriu os olhos. Ainda era cedo demais para o sol e tarde demais para os sonhos. A casa dormia, mergulhada no silêncio espesso que só o peso da verdade podia criar. Mas ela não.Envolta num robe de cetim azul-marinho, caminhava descalça pelo jardim úmido da madrugada. Os arbustos estavam cobertos de orvalho, e as pedras frias sob seus pés traziam-lhe uma lucidez dolorosa. Cada passo era como pisar nas ruínas de uma identidade em colapso.O que era ela agora?Herdeira? Usurpadora? Um fantasma do passado retornando para ocupar um trono de sangue?As palavras ditas no dia anterior ecoavam como uma sentença em sua mente. Filha legítima de Ivan Ivanov Ashbourne. Neta de Arkady, herdeira de uma dinastia.Ela nunca pedira por isso. Nunca sequer imaginara. E agora… era como se o universo decidisse virar todas as peças do tabuleiro de uma só vez.Evelyn parou diante do velho carvalho no centro do jardim. A br
Último capítulo