Capítulo 7

Antonella

Voltei de Montreal no primeiro voo da manhã, com a sensação de que, pela primeira vez desde o casamento, minha vida estava em minhas mãos. A filial abriu com casa cheia, os números da pré-venda surpreenderam e o conselho local me recebeu com respeito.

Eu falei com calma, mostrei projeções, respondi perguntas difíceis. Nada de floreios. Só trabalho. Quando o avião pousou em Toronto, olhei pela janela e pensei que precisava guardar essa sensação. Competência também é afeto quando ninguém te dá carinho.

Cheguei à mansão pouco depois das nove. Tomei banho, troquei o terno por um vestido confortável e desci para a cozinha. Giulia me deu um sorriso orgulhoso.

— Como foi, senhora?

— Melhor do que eu esperava. — Abri a geladeira e peguei água. — Fechamos dois contratos com fornecedores locais, e três franquias sinalizaram expansão para o próximo semestre.

— Sabia que ia dar certo. A senhora trabalha demais.

— Obrigada, Giulia.

Subi para o escritório que montei no quarto de hóspedes e liguei para Emily. Ela atendeu na primeira chamada.

— “Fala, executiva! Voltei a tempo de te ver brilhando nas manchetes.”

— Foi bom, Em. De verdade.

— “Conta tudo. E não economiza.”

— A coletiva foi objetiva. Depois vieram investidores. Dois deles, mais animados do que deveriam, me convidaram para jantares privados.

— “Hum… e você?”

— Coloquei os dois nos devidos lugares. Disse que sou uma mulher honrada e casada. Fui firme. Eles recuaram.

— “Boa. Quem não sabe ouvir não merece nem sobremesa.”

— Jantei sozinha no hotel. Pedi massa com molho simples e fiquei respondendo e-mails.

— “E o senhor Iceberg?”

— Me ligou de manhã cedo com aquela voz de chefe. Tentou me desautorizar. Depois soltou uma frase ruim. Eu desliguei.

— “Ele sentiu. E quando homem que finge frieza sente, fala besteira.”

— Eu sei. Mas não quero mais discutir. Quero trabalhar.

— “Então trabalha e deixa ele te ver de longe. É assim que ele aprende.”

Ri, aliviada por ouvir alguém do meu lado. Prometi passar na casa dela no fim de semana. Desliguei e organizei a agenda do dia. Precisava passar na sede da Karvell & Bellini para assinar documentos e depois seguir para uma visita às lojas.

Quando terminei de revisar as mensagens, desci para almoçar. A mesa estava posta simples. Sentei, comi devagar e pensei nos próximos passos. No meio do prato, o interfone tocou. Giulia atendeu, ouviu, depois colocou um arranjo sobre o aparador, um buquê de lírios brancos, grande, perfumado, embrulhado em papel branco.

— Chegou para a senhora — disse.

— Tem cartão?

— Não.

Aproximar do buquê foi automático. O cheiro me trouxe calma e um frio na barriga. Toquei nas pétalas e procurei alguma pista. Nada. Só flores, perfeitas e lindas.

— Quem entregou?

— O mesmo serviço que traz as encomendas da manhã. Deixaram na portaria e foram embora.

— Estranho.

Passei o resto do dia entre a sede e duas lojas. Coletei feedback, tirei dúvidas da equipe, ouvi uma gerente com problemas de turno. Voltei para casa no fim da tarde. O buquê ainda estava lá, intocado.

Subi para trocar de roupa e desci até a guarita dos seguranças. O turno da noite já tinha assumido. Encontrei Davi, que fica na cancela principal desde antes do casamento.

— Boa noite, Davi.

— Boa noite, senhora Antonella.

— Sobre as flores… você sabe quem enviou?

Ele consultou o caderno e o sistema.

— Foram liberadas por ordem do senhor Karvell. O registro está aqui. — Virou a tela: “Autorizado por A. Karvell”.

Meu coração deu um golpe. Respirei fundo para não demonstrar nada.

— Está certo. Obrigada.

— Às ordens, senhora.

Voltei para dentro com as mãos frias. Fiquei parada diante do arranjo, sem saber se sorria ou chorava. Se ele tinha mandado, por que não falou? Por que negou o mínimo de afeto por telefone e, horas depois, enviou flores sem cartão? Talvez fosse o jeito torto dele. Talvez fosse outra coisa.

Peguei uma das flores e levei ao nariz. O cheiro era limpo, discreto. Levei o buquê para a sala e coloquei água fresca no vaso. Depois respirei fundo, endireitei os ombros e fui atrás de Alonzo.

Ele estava no escritório, de camisa dobrada nos antebraços, laptop aberto e uma pilha de papéis à esquerda. Bati de leve.

— Posso?

Ele assentiu sem erguer muito o olhar.

— Só um minuto, estou terminando um parecer.

Esperei perto da estante. Quando ele fechou o arquivo, se recostou na cadeira.

— Diga.

— Obrigada pelas flores.

Ele franziu a testa.

— Que flores?

— Os lírios brancos que chegaram hoje. Estavam autorizados no seu nome na portaria.

— Eu não mandei flores.

Senti um vazio no peito, como se o chão tivesse recuado. Fiquei alguns segundos sem resposta.

— O sistema registrou “autorizado por A. Karvell”.

— Autorizar a entrada e enviar são coisas diferentes. Eu autorizo tudo que chega na portaria. Faz parte do protocolo, sobretudo quando estou fora. Quem mandou, não fui eu.

— Entendi.

Dei um passo para trás. A garganta ardeu.

— Algo mais? — ele perguntou, o tom controlado.

— Não. Boa noite.

Saí antes que minha voz traísse o que eu estava sentindo. No corredor, respirei fundo. Tentei raciocinar. Se não foi ele, foi quem? As opções eram curtas demais. E, honestamente, óbvias.

Voltei até a sala, olhei os lírios de novo e senti o incômodo virar raiva. Eu não ia dar esse gosto a ninguém. Agradeci a mim mesma por ter ido à guarita com calma.

Peguei o celular, abri o bloco de notas e escrevi uma lista simples: “Flores, checar câmeras externas, Solicitar nota fiscal à floricultura. Falar com Giulia sobre quem recebeu na cozinha.” Salvei. Nada de cena, nada de confronto público. Apenas fatos.

Subi para o quarto e liguei para Emily. Ela atendeu com voz de série de TV no fundo.

— “Diga, senhora Karvell.”

— Recebi flores.

— “Dele?”

— Eu agradeci a ele. Ele disse que não mandou.

— “Sei. E você?”

— Sorri, disse boa noite e subi. Vou checar as câmeras e a nota fiscal amanhã.

— “E acha que foi quem eu tô pensando?”

— Acho.

— “Então mantenha a classe. E as provas.”

— Vou fazer isso.

— “E, Ella… se for ela, é porque você está no caminho certo.”

— Caminho certo?

— “Fazendo ele olhar. Gente insegura empurra. Você segue.”

— Vou tentar.

— “Não tenta, faz.”

Desliguei com uma pontada estranha entre raiva e riso. Fui ao closet, vesti um moletom e voltei para a sala no andar debaixo. Sentei no sofá, peguei um caderno e rascunhei ideias para a próxima expansão. Depois, por impulso, mandei mensagem ao time de TI pedindo acesso rápido às câmeras de entrega. Minutos depois, recebi o retorno:

— “Envio do link até amanhã 10h. Logs preservados.”

Fechei os olhos por alguns segundos. Quando os abri, vi o reflexo de alguém no vidro do corredor do escritório. Levantei com cuidado, caminhei até a parede de vidro e parei antes da curva.

Letícia estava do lado de fora, imóvel, segurando o celular. Não tinha me visto. Observava a sala de Alonzo pela transparência, com um sorriso pequeno, satisfeito, como quem terminou um jogo e espera o placar. Na mesa, ele digitava, concentrado, sem olhar para a porta.

Letícia guardou o celular, endireitou a blusa e ficou mais um segundo admirando a cena. Tive a confirmação que faltava. Não doeu do jeito que eu imaginei. Doeu menos. Era só sujo. E eu estava cansada de sujeira. Ela não devia estar aqui, mas ele parece não se importar com a invasão noturna.

Voltei para a sala e ajeitei os lírios sobre a mesa de centro. Coloquei um bilhete no vaso:

— “Obrigada pelas flores. Ass: ninguém.”

Depois ri, sozinha, do próprio humor ácido, e subi para dormir. Antes de apagar a luz, escrevi no diário:

— “Hoje eu venci em Montreal. Fui tratada com respeito. Voltei e encontrei o velho jogo tentando me puxar de volta. Não vou cair. Se querem me provocar, vão cansar. Amanhã começo pela verdade… nota fiscal, câmeras, registro. E sigo. Porque minha vida não é um vaso de flores sem cartão. É trabalho. E limite.”

Fechei o diário, deitei e encarei o teto. Pensei em Alonzo por um instante, na frase dele sobre sorrisos. Talvez ele tenha se arrependido. Talvez não. O que eu podia fazer era simples, cumprir meu plano. Ser útil. Ser forte. Ser eu.

Adormeci cedo, com o barulho baixo da casa e a certeza de que eu estava pronta para me defender sem gritar.

Lá fora, o corredor estava vazio. Mas eu sabia que, mais cedo ou mais tarde, Letícia voltaria a testar meus limites. Quando isso acontecesse, eu já teria todas as respostas organizadas, e nenhum medo de dizer em voz alta:

— “Ele é meu marido. E eu mereço respeito.”

E se ele não aprender sozinho, eu vou ensinar pelo exemplo… trabalho, verdade, paciência e limite. O resto, cedo ou tarde, cai por si, sem barulho.

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