4. O PREÇO DO SILÊNCIO

O relógio da entrada soava suavemente as badaladas das quatro da tarde quando os portões de ferro da mansão Villar se abriram. Cecília Andrade, envolta por um sobretudo cinza gasto e uma expressão cautelosa, cruzou o limite da propriedade como quem atravessa uma linha invisível entre o mundo real e o terreno dos poderosos.

A mansão erguia-se à sua frente como uma catedral de mármore e ambição. As janelas altas, as colunas impecavelmente esculpidas, os jardins milimetricamente aparados — tudo parecia pensado para impressionar... ou intimidar. E naquela tarde nublada, sob um céu pesado e baixo, o lugar parecia ainda mais frio. Mais solene. Mais perigoso.

Seus saltos finos tocavam o piso do saguão com um som que reverberava pelos corredores como um aviso: ela havia chegado. E o que aconteceria ali mudaria sua vida para sempre.

Na sala íntima, Helena Villar a aguardava. Impecável como sempre. Vestia um conjunto bege de linho italiano, de corte clássico, sem ostentação — mas com uma elegância tão milimetricamente medida que parecia gritar silenciosamente quem era. Ela segurava uma xícara de porcelana com a leveza de uma atriz experiente em cena, mas seus olhos, fixos e frios, denunciavam o cálculo por trás do convite.

— Cecília — disse ela, erguendo-se com um sorriso que jamais chegava aos olhos. — Que bom que pôde vir.

A outra mulher retribuiu com uma expressão tensa, os lábios apertados.

— O convite foi... inesperado — respondeu com cautela, sentindo que pisava em terreno minado.

Helena indicou, com um gesto leve da mão, o sofá diante de si. Cecília sentou-se, ajustando a bolsa no colo como se fosse um escudo. O ambiente estava silencioso, com as cortinas pesadas filtrando a luz da tarde. Um cenário cuidadosamente montado — abafado, discreto, conspirador.

Helena cruzou as pernas com graça e pousou a xícara sobre a mesa de centro. Depois entrelaçou os dedos no colo, olhando diretamente nos olhos da visitante.

— Precisamos acertar as coisas — começou, em tom grave. — O que está para acontecer pode mudar a sua vida. Para sempre.

Cecília franziu o cenho. Aquilo não era uma visita casual. Sabia que Helena Villar nunca dava passos sem uma razão. E ela sabia perfeitamente o motivo.

— Estou ouvindo — respondeu, tensa.

Helena assentiu com a cabeça, como quem esperava por aquele sinal. Sua voz, ao prosseguir, era controlada, firme, sem hesitação:

— Como você já sabe, meu filho Leonardo está em coma. Faz três anos. Os médicos... não são otimistas. A qualquer momento, ele pode...

Fez uma pausa proposital. Não terminou a frase. Não precisava. O silêncio, por si só, carregava o peso da tragédia.

— Sinto muito — disse Cecília, quase em automático. Mas seus olhos continuavam fixos em Helena, tentando entender para onde aquilo estava indo.

— O que talvez você não saiba — prosseguiu Helena — é que, antes do acidente, o maior desejo do meu filho era ter um herdeiro. Um filho que levasse adiante o nome da família. O legado. E... infelizmente, ele não teve tempo.

Uma pausa calculada.

— Eu queria casá-lo antes que fosse tarde demais.

Cecília ergueu uma sobrancelha, sabendo aonde ela queria chegar..

— Casá-lo? Mas... ele está...

— Em coma — completou Helena, com naturalidade assustadora. — Eu sei. Mas é justamente por isso que preciso agir agora. Antes que... não haja mais tempo.

Ela se inclinou para frente. O olhar mudou. Tornou-se mais pessoal. Persuasivo.

— Cecília, você sabe como a considero. Sempre admirei sua luta, sua dedicação como mãe. Suas filhas são encantadoras. Principalmente a Isa...

Cecília empalideceu.

— Isabela?

Helena assentiu devagar, como se aquele nome carregasse uma chave que abriria a porta do destino.

— Isabela está prestes a completar dezoito anos, não está?

— Sim... em poucos dias.

— Então ouça com atenção o que tenho a lhe propor.

O silêncio instalou-se por alguns segundos. Depois, Helena foi direta:

— Preciso que sua filha se case com Leonardo. Legalmente. Rapidamente. Antes que ele... parta. Preciso de um casamento válido. De um vínculo. Uma certidão. E, mais do que tudo... um herdeiro.

Cecília ficou em choque. Seu corpo congelou por alguns instantes. Depois balbuciou, incrédula:

— Você quer... que minha filha se case com um homem em coma?

— Exatamente — respondeu Helena, como se estivesse tratando de um simples contrato comercial. — E antes que pergunte... sim. Ela também precisará engravidar. O filho dela será o herdeiro legítimo da família Villar. Isso assegurará o futuro de todos nós.

— Mas... — Cecília balançou a cabeça. — Isso é uma loucura. Isabela é tão... pura. Tão inocente. Não entende esse mundo.

Helena se inclinou levemente. Um brilho sombrio cruzou seus olhos.

— Justamente por isso a escolhi.

Cecília mordeu o lábio inferior. Queria dizer não. Mas a cada palavra de Helena, a imagem de sua vida miserável se impunha: as contas vencidas, o aluguel atrasado, a geladeira vazia, Bruna sonhando com passarelas que nunca veria. Pensou em tudo o que sacrificou. Em tudo que não teve.

— E... como pretende fazer isso? — perguntou, mais baixo, quase sem voz. — Como vai convencer Isabela?

Helena sorriu pela primeira vez. Um sorriso que lembrava o de um lobo ao ver o cordeiro se aproximar do abismo.

— Ela acredita que você quer lhe dar uma festa de aniversário, certo? Um momento especial para marcar sua maioridade.

Cecília assentiu, já adivinhando a armadilha.

— Então eu darei essa festa — disse Helena, com doçura envenenada. — Uma celebração inesquecível. Um vestido branco. Um altar. Músicas suaves. Ela pensará que é tudo parte da surpresa. Uma encenação. Mas sairá daquela festa... casada.

Da lateral, Helena puxou uma pasta de couro preta. Abriu-a com calma, revelando dois objetos: um contrato com várias páginas e... um cheque.

Assinado. Em branco.

Cecília sentiu a garganta secar.

— Está tudo aqui. Termos discretos. Vantagens financeiras. Uma nova vida para você. Para suas filhas. Isabela viverá como uma princesa. E você... voltará a ter a vida de luxo que perdeu.

— Minha filha não é mulher de se vender — murmurou, em tom fraco, mas ainda resistente. — Como vamos esconder isso dela?

— Ela não precisa saber — rebateu Helena, como se já tivesse tudo milimetricamente calculado. — E quanto ao resto... deixe comigo. Apenas confie. Ninguém pode saber. Nem Bruna. Nem vizinhos. Nem Deus.

O nome de Deus foi dito com ironia. Como se até Ele estivesse ausente daquela conversa.

Cecília hesitou por alguns segundos. Seus dedos tremeram ao tocar a beirada do contrato. Pensou em tudo que havia negado às filhas. Pensou em Isabela — ingênua, sonhadora, de olhos limpos — sendo jogada aos leões sem saber.

— Quanto tempo terei para prepará-la?

A resposta veio como um tiro silencioso:

— Três dias.

Helena estendeu a mão. A pergunta pairou no ar como uma sentença:

— Temos um acordo?

Cecília respirou fundo, afundando no próprio desespero. Sabia que, ao apertar aquela mão, venderia a alma. E a da filha.

Mas mesmo assim...

— Temos — disse, com a voz embargada.

E o pacto foi selado.

Três assinaturas. Um cheque em branco. E um silêncio que custaria caro demais.

Na sala ao lado, o relógio marcava o tempo com cruel precisão. Tic. Tac. Tic. Tac.

Cada segundo os aproximava do que não poderia mais ser desfeito.

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