A mansão Villar nunca estivera tão viva… e, paradoxalmente, tão morta por dentro.
Desde o amanhecer, uma orquestra silenciosa de prestadores de serviço tomava conta dos corredores. Floristas entravam e saíam como abelhas-operárias. Decoradores escalavam escadas e penduravam véus brancos como névoa nos cantos dos salões. Garçons impecavelmente vestidos recebiam instruções com sussurros, enquanto músicos ensaiavam suaves acordes de cordas no jardim.
Tudo era beleza. Tudo era luxo. Tudo era uma mentira.
Cortinas brancas esvoaçavam nas janelas altas, movidas por uma brisa leve e morna de fim de tarde. E no ar, entre lírios e rosas-brancas em arranjos suntuosos, um perfume quase sagrado escondia o odor insuspeito da enganação.
No centro de toda essa farsa encantada, estava ela.
Isabela Andrade.
Caminhava devagar, os olhos faiscando um brilho ingênuo, como uma menina que acabara de entrar no mundo dos sonhos. Passava os dedos pelos detalhes dourados das cadeiras alinhadas sob o arco floral montado no jardim, como se tivesse medo de desfazer o encanto.
— Isso tudo é mesmo… para mim? — perguntou baixinho, a voz embargada por uma emoção sincera, quase infantil.
Helena Villar surgiu ao seu lado como uma sombra doce, uma figura envolta em seda e intenções ocultas. Usava um conjunto perolado, sem joias chamativas — apenas a presença imponente de quem sabe o poder que carrega. Seu sorriso era treinado, gentil sem ser afetuoso, elegante sem ser maternal.
— Claro que é, querida — disse, com suavidade medida, pousando uma das mãos sobre o ombro da jovem. — Hoje você completa dezoito anos. Um marco importante na vida de qualquer mulher. E uma jovem como você... merece ser celebrada como uma princesa.
Isabela corou. Seus olhos brilharam mais forte.
Nunca tivera uma festa. Nem bolo confeitado com nome escrito. Seus aniversários, ano após ano, se resumiam a abraços apertados da mãe e um bolo simples comprado em promoção no mercado da esquina. Aquilo tudo parecia um conto de fadas… e ela acreditava estar vivendo um.
— Eu nem sei o que dizer, dona Helena…
Helena fez um gesto com a mão, silenciando-a com doçura estudada.
— Diga apenas que está feliz — murmurou, enquanto a guiava para um canto onde costureiras se curvavam em torno de um vestido branco, rendado, etéreo.
Isabela parou, surpresa.
— Parece… um vestido de noiva — comentou, tocando o tecido com os dedos hesitantes.
Helena soltou uma risada leve, quase musical. Mas nos olhos… havia aço.
— É só o estilo, minha querida. A proposta é elegância, sofisticação. Queremos que você brilhe esta noite. Que todos vejam o quanto você está se tornando uma mulher linda, respeitável… e desejável.
A última palavra deslizou da língua de Helena como uma faca de prata. Mas Isabela, inocente demais, não percebeu o veneno.
Apenas sorriu, tímida.
Do outro lado do jardim, atrás de uma coluna envolta em heras e luzes brancas, Cecília Andrade observava tudo com um nó na garganta.
O vestido. O arco floral. O altar disfarçado de decoração.
Tudo gritava verdades que sua filha não via.
Helena lhe pedira silêncio. Exigira confiança. E em troca, colocara um cheque em branco sobre a mesa. O papel ainda estava dobrado dentro da gaveta do guarda-roupa em casa, escondido entre roupas de inverno que Cecília não usava há anos. Mas era real. Tão real quanto o gosto de sangue que subia à boca cada vez que Isabela sorria sem saber o que se aproximava.
Ela havia vendido a filha.
E agora via, com olhos de mãe, o cordeiro indo ao encontro do sacrifício.
Naquela noite, quando a mansão já resplandecia sob luzes douradas, Isabela estava no quarto de hóspedes do segundo andar, em frente ao espelho. O vestido branco agora ajustado ao corpo fazia com que parecesse uma princesa saída das páginas de um livro infantil.
Ela rodopiou uma vez. Riu sozinha. Colocou as mãos sobre o peito, emocionada.
Foi nesse instante que Helena entrou.
Silenciosa. Precisa. Como uma sacerdotisa prestes a ungir sua oferenda.
— Está linda — disse suavemente, seus olhos se fixando no reflexo da menina.
Isabela virou-se, nervosa e encantada.
— Eu... nunca vesti algo tão bonito.
— Está pronta para se tornar mulher? — perguntou Helena, ainda olhando-a através do espelho.
Isabela hesitou. As mãos tremeram levemente.
— Acho que sim...
Helena caminhou devagar até ela, como quem se aproxima de uma jóia rara prestes a ser roubada. Colocou uma mecha de cabelo da jovem atrás da orelha e sussurrou:
— Então aproveite cada segundo dessa festa, Isa. Porque a vida... a vida muda em um piscar de olhos. E você vai se lembrar desse dia para sempre.
No extremo oposto da casa, onde os corredores eram escuros, frios e longínquos — Leonardo Villar dormia.
O herdeiro da fortuna.
O noivo silencioso.
O fantoche do destino.
Seu corpo permanecia imóvel, o rosto sereno como um cadáver em repouso. Ele não sabia o que estavam fazendo com seu nome. Com seu corpo. Com sua herança.
Mas o altar estava montado.
A noiva sorria.
E ele… não podia dizer não.