— O quê? — Eu congelei, o vinho quase escorregando da taça enquanto eu o encarava.
Ele suspirou novamente, os ombros caindo como se carregasse quilos de cimento dia após dia.
— Não é tão simples quanto parece, Letícia. Eu e sua mãe, a gente se tratava bem, nunca brigava muito. Mas, quando você tinha uns oito anos, ela arrumou um trabalho fora. Saía muito cedo, chegava tarde da noite. — Ele fez uma pausa, e eu me lembro vagamente daqueles dias: minha mãe sempre apressada, o cabelo preso em um coque bagunçado, saindo antes do café da manhã e voltando quando eu já estava na cama. — Depois que ela começou nesse emprego, algo mudou. Rita ficava irritada, arrumava briga por qualquer coisa. O casamento caiu numa rotina, e as brigas foram ficando mais frequentes.
Ele pegou a colher de pau novamente, mas era como se estivesse mexendo a panela por instinto, os olhos distantes.
— Um dia, ela esqueceu a carteira em casa. Eu resolvi levar até o trabalho dela, achando que ia fazer uma surpresa