Liam Rodrigues
A luz cearense entrou como um intruso no quarto. O dia depois dos meus vinte e oito anos. Um alívio morno, como escapar de uma sala abafada, tomou conta de mim antes mesmo de abrir os olhos completamente. Ontem tinha passado. E sobreviver. A data nunca foi sobre festa. Era a cicatriz no calendário que doía: o chão frio do orfanato, o silêncio ensurdecedor depois que os passos dos meus pais biológicos se afastaram e nunca mais voltaram. Estar em Fortaleza, a cidade onde tudo aconteceu e que eu evitava como a praga há mais de seis anos, foi como esfregar sal na ferida. Cada sombra na parede, cada grilo cantando no jardim dizia "Aqui. Foi aqui que eles te deixaram."
Virei-me na cama. Em busca do calor da Priscila só meu lado porém estava vazio. O berço da Nina, vazio. Um frio cortou o alívio. Onde estariam?
Saí correndo do quarto, desci as escadas em silêncio. Vi: a bolsa de remédios da Pri, aberta e revirada no aparador. Caixas de Dramin, lenços, termômetro espalhados. M