Evelyn caminhava pelo saguão imponente das Empresas Ashbourne. O chão de mármore branco refletia a luz dourada dos lustres, e o perfume suave de flores frescas misturava-se ao som ritmado dos saltos contra a pedra.À medida que ela se aproximava da porta, esta se abriu suavemente, deixando-a entrar no espaço, onde três recepcionistas, impecavelmente vestidas e maquiadas, se voltaram para ela com sorrisos profissionais.Por um instante, Evelyn hesitou. Sentiu-se pequena naquele mundo de luxo calculado. Segurou a bolsa Tote com firmeza, reunindo toda a coragem que conseguiu, e aproximou-se do balcão.— Boa tarde, senhora. — A recepcionista inclinou-se levemente, seus dentes alvos contrastando com a pele ébano, impecável sob a maquiagem neutra. — Como posso ajudá-la?Evelyn ergueu o queixo, direto ao ponto: — Preciso falar com Lorde Reginald Ashbourne.A mulher — Kalina, lia-se no crachá — deslizou os olhos pelo vestido simples e pela bolsa de Evelyn, antes de perguntar, com polidez trei
O silêncio na biblioteca da mansão Ashbourne era denso como mármore. O velho relógio na parede marcava cada segundo com batidas secas e impiedosas. Henry, sentado confortavelmente, esperava. Sabia que Reginald viria em busca de respostas sobre a paternidade de Donovan. E ele veio — fechando a porta com um estalo firme, os olhos cortantes como navalhas.Reginald parou, observando o irmão. Notou como Henry envelhecera nas últimas semanas: os cabelos mais grisalhos, as linhas fundas no rosto. Sem pedir licença, serviu-se de uma dose de uísque e virou-se para ele.— Você sabia — disse Reginald, a voz carregada de veneno contido. — Todos esses anos, sustentando essa mentira.Henry ergueu uma sobrancelha, indiferente. — Esse assunto pertence à minha família. Eu protegeria nossa honra, custasse o que custasse — respondeu, girando lentamente o anel no dedo.Reginald cerrou os punhos.— Para todos... ou apenas para você? — cuspiu as palavras. — Você soube muito bem esconder es
Era início de inverno. Evelyn olhava pela janela, observando o vento gelado derrubar as folhas das árvores que insistiam em desafiar o tempo. Passou a mão sobre a barriga. Já completara nove meses, e o Dr. Fontex dissera que o bebê estava em posição para nascer. Ela deveria deixar tudo pronto, pois a qualquer momento ele viria ao mundo.Lembrou-se da noite em que Henry informou para os presentes o resultado do teste de DNA — a mesma noite em que vira Reginald pela última vez.Perguntava por ele a Cleice, mas as respostas eram sempre curtas e evasivas: "Está viajando a negócios." E acompanhadas de um frio conselho: "Esqueça-o."Como se fosse fácil esquecer alguém que se ama. Até mesmo Geoffrey, que antes demonstrava preocupação, agora se mantinha distante.Ainda bem que podia contar com Beth, sempre tão presente, ajudando em tudo: das compras às consultas médicas, e até nas noites em que Evelyn chorava em silêncio, sem nem saber ao certo por quê.Beth informara que p
Nos dias que se seguiram ao nascimento de Oliver, Evelyn e Reginald pareciam habitar um mundo só deles. Um mundo onde as velhas mágoas ainda existiam, mas já não eram maiores do que a esperança. Os dias corriam lentos, envoltos numa névoa suave de renascimento e descoberta.Reginald aparecia todas as manhãs, sem falhar. Trazia café quente para ela, flores frescas — às vezes um livro, às vezes só a presença silenciosa e firme. Evelyn, ainda frágil e vulnerável, aprendeu a aceitar. A confiar, um centímetro de cada vez.Era em pequenos gestos que ele a conquistava: quando ajeitava os travesseiros dela sem que precisasse pedir, quando cuidava do bebê com uma delicadeza que fazia seus olhos se encherem de lágrimas. Quando, no silêncio da madrugada, ficava ao lado dela apenas respirando, como se soubesse que ela precisava mais de companhia do que de palavras. Mas nem todos os momentos eram fáceis.Numa dessas madrugadas, Oliver acordou chorando desesperadamente, com cólicas que p
O som seco da tampa da caixa de correio se fechando chamou a atenção de Geoffrey, que estava no quarto conversando com um velho conhecido — um homem simples, assim como ele, que também não tinha família por ter dedicado a vida a servir a dos outros. Doente e solitário, o amigo agora vivia com Geoffrey, a quem ele chamava de irmão de alma.Curioso, Geoffrey se levantou da poltrona e foi até a entrada. Voltou carregando um envelope pardo, sem marca aparente, mas endereçado a ele. O remetente era desconhecido. Com as sobrancelhas franzidas, abriu o envelope cuidadosamente.De dentro, tirou duas folhas. Seus olhos se arregalaram à medida que lia o conteúdo — palavras que pareciam rasgar o véu das mentiras tecidas ao longo dos anos. No verso da segunda página, um pequeno bilhete estava colado com fita adesiva. “Espero que essa informação lhe seja útil. — De seu amigo, B.”Geoffrey reconheceu imediatamente a caligrafia. Era do novo mordomo da mansão.A primeira folha era uma
"O FUTURO ÀS VEZES CHEGA DISFARÇADO: DE CAFÉ OU DE SORRISO" C.R.SANTOS Evelyn acordou com a chuva forte batendo na janela do pequeno quarto que alugava no subúrbio de Bell Buckle, no Tennessee. Olhou as horas no pequeno relógio da mesa de cabeceira e percebeu que ainda faltava meia hora para se levantar, mas já não conseguia mais dormir. Levantou-se e foi tomar um banho.Uma hora depois, estava dentro do trem a caminho do Daisy's, uma charmosa lanchonete com estilo anos oitenta, onde trabalhava. Olhando pela janela, avistou uma mulher com duas crianças caminhando pela calçada. O grande guarda-chuva protegia os três. A menina mais nova carregava uma mochila rosa nas costas, o objeto parecia maior que ela, deixando-a um pouco curvada para frente. Órfã de pai e mãe, Evelyn nunca conheceu aquela sensação de proteção que toda mãe deveria ter po
Eram quase oito e meia da manhã quando Donavan despertou. O calor do corpo de Evelyn ainda envolvia seus sentidos, e a lembrança da noite maravilhosa de amor o fez sorrir. Há muito tempo não sentia aquela mistura de liberdade e autonomia. Com cuidado para não acordá-la, saiu da cama, calçou os chinelos e vestiu o roupão. Antes de sair do quarto, ficou ali, parado, admirando-a. Evelyn dormia tranquilamente, sua respiração suave, os fios de cabelo espalhados pelo travesseiro. Uma pontada no estômago o atingiu. O peso do passado sempre voltava, e ele se condenava por não ter contado toda a verdade a ela.— Espero que um dia você me perdoe, minha Evelyn... Queria ter te conhecido antes das decisões que tomei — sussurrou, sua voz carregada de arrependimento.Seguiu para a cozinha, sentindo falta dos cafés da manhã londrinos. Por mais que quisesse esquecer sua vida passada, certos hábitos eram difíceis de abandonar.Enquanto preparava o café, Evelyn acordou ao escu
O tempo passava lentamente, e Evelyn se arrastava com ele. Alguns dias depois, retornou ao trabalho, tentando esquecer sua dor. Mas a saudade rasgava seu peito a cada manhã, a cada vez que se levantava, e nas longas noites mal dormidas. Alguns fregueses a olhavam com dó, outros trocavam palavras de encorajamento. O xerife entrava todos os dias para tomar um café e perguntar como ela estava indo. "Conforme o tempo", ela respondia, agradecida, mas vazia.Os dias seguiam, e as contas começaram a se acumular. A conta do hospital, o aluguel da casa, as dívidas... Sem seguro e sem conseguir localizar o responsável pela tragédia, tudo estava se agravando. O dono da casa onde morava exigiu que ela desocupasse o imóvel. Sem alternativas, Evelyn retornou ao antigo quarto alugado, aquele lugar onde nunca imaginara que voltaria.Ainda fechada em sua dor, tentando lidar com a perda, algo inesperado aconteceu. Após um longo expediente na lanchonete, Evelyn desmaiou. A out