Capítulo 5

Capítulo 5

Do alto da janela rachada do armazém, Beatriz observava o brilho alaranjado dançar contra a escuridão da madrugada. Ela sabia o que estava queimando. Sentia como se algo dentro dela também estivesse sendo consumido. A casa, o abrigo que lhe havia dado algumas horas de esperança, agora era cinzas. Um gesto cruel de Denis para lembrá-la de que, aos olhos dele, ela ainda era dele.

Yago aproximou-se em silêncio, entregando-lhe uma garrafa de água. Seus olhos acompanharam os dela, e por um momento, ambos ficaram ali, em silêncio, apenas assistindo o reflexo de tudo o que haviam perdido e o que ainda poderiam perder, se hesitassem.

— Ele realmente fez isso... — sussurrou Beatriz, sua voz embargada pela incredulidade e pela dor. — Denis nunca perdoa o que ele considera traição — ela continuou com a voz baixa, mas firme. — Mas ele cometeu um erro. Mostrou que está agindo por impulso. Está começando a perder o controle.

Ela apertou a garrafa nas mãos, tentando transformar a dor em força. Beatriz já havia sentido medo demais, chorado demais, fugido demais. Agora, tudo que restava era lutar, por si, por sua liberdade e pelo futuro que começava a desenhar, mesmo sob a ameaça constante.

— Acha que ele ainda está por perto? — perguntou, virando-se para Yago.

— Aposto que sim. Ele quer garantir que a mensagem foi recebida — respondeu. — Mas não vamos esperar por ele aqui.

Yago se afastou, indo até uma pilha de caixas metálicas e puxando uma mochila surrada. De dentro, retirou mapas, munição e dois rádios de comunicação.

— Temos que nos mover. Agora. — Ele estendeu um dos rádios a ela. — Conheço um lugar onde podemos encontrar apoio. Mas vamos precisar ser rápidos.

Beatriz pegou o rádio, sentindo o peso dele como se fosse um símbolo da escolha que acabara de fazer. Ela não era mais uma vítima. Estava entrando na guerra.

Enquanto Yago organizava os suprimentos, ela se aproximou da parede descascada do armazém e deixou a mão escorregar por uma rachadura no concreto. Estava cansada. Machucada. Mas viva. E isso era mais do que Denis esperava.

— Você acha que podemos vencer? — perguntou, quase num sussurro.

Yago parou por um momento. Não por dúvida, mas por respeito à pergunta. Então olhou nos olhos dela.

— Não se trata apenas de vencer. Se trata de não deixar ele vencer você. E isso... você já está fazendo.

Beatriz assentiu, com os olhos marejados, mas firmes. Ela queria vingança. Queria justiça. Mas, acima de tudo, queria paz. E só conseguiria isso encarando Denis de frente.

Um barulho do lado de fora interrompeu os pensamentos. Pneus cantando, faróis cortando a noite.

— Temos companhia — avisou Yago, pegando a arma e gesticulando para que ela se abaixasse.

Beatriz se escondeu atrás de um dos caixotes enquanto Yago espiava por uma fresta da porta metálica. Um carro escuro havia parado do outro lado da rua. Dois homens saíram rapidamente, armados, e começaram a examinar os arredores.

— Eles estão vasculhando armazém por armazém. Sabem que corremos pra cá — murmurou Yago.

O sangue de Beatriz gelou. Eles estavam ficando sem tempo.

— Tem outra saída? — perguntou, quase sem fôlego.

Yago assentiu, apontando para uma escada estreita nos fundos, que levava ao segundo andar e, dali, ao telhado.

— Vamos subir. Da cobertura, posso levá-la por cima dos prédios até o velho terminal de carga. Se conseguirmos atravessar antes deles perceberem...

Beatriz já estava correndo antes que ele terminasse a frase. Subiram os degraus enferrujados o mais silenciosamente possível, enquanto vozes dos capangas ecoavam pelas paredes do térreo. Quando alcançaram o telhado, o vento frio os atingiu com força, mas também trouxe liberdade.

— Por aqui — Yago indicou, puxando-a por uma passagem entre os prédios conectados.

Saltaram de uma laje para outra, rastejando quando necessário. A cidade embaixo deles seguia viva e indiferente à caçada. Mas para Beatriz, cada batida do coração era uma contagem regressiva.

Finalmente, ao alcançarem o velho terminal, pararam atrás de uma chaminé quebrada.

— Vamos descansar um pouco aqui. Eles ainda vão procurar nos armazéns por um tempo — disse Yago.

Beatriz respirava com dificuldade. O medo ainda estava ali, mas algo novo começava a se impor sobre ele: determinação.

— Ele acha que me quebrou — disse, olhando para o céu. — Mas não. Ele só me acendeu. Como o fogo que ele mesmo acendeu.

Yago sorriu, orgulhoso.

— E é assim que a gente vence.

Yago estendeu a mão, tocando de leve o ombro de Beatriz. O olhar dela estava firme, mesmo com os olhos ainda úmidos da tensão. A fumaça do incêndio ainda era visível ao longe, uma coluna escura que cortava o céu da cidade, mas ali, entre os destroços do velho terminal e a sombra da chaminé quebrada, uma centelha de esperança se acendia entre os dois.

— Vamos sair daqui — ele disse. — Tenho um lugar seguro. Eles não vão te encontrar lá.

Beatriz assentiu. Não perguntou onde era. Confiava em Yago, mais do que confiava em si mesma nos últimos tempos. Ele ofereceu a mão de novo, e ela a segurou sem hesitar. Saíram do terminal pelos fundos, atravessando trilhas esquecidas que só Yago parecia conhecer. Evitaram ruas principais, cruzaram vielas, cortaram por entre prédios abandonados até encontrarem o carro velho que Yago havia deixado escondido dias antes, prevendo que talvez precisasse fugir com pressa.

O motor tossiu, mas ligou, e eles partiram. O silêncio dentro do carro era confortável. Beatriz observava as ruas passando rápido pela janela, as luzes da cidade se afastando, o caos ficando para trás. Aos poucos, o cenário mudou, o concreto deu lugar a colinas cobertas de árvores, os sons urbanos substituídos pelo farfalhar das folhas das árvores balançando com o vento.

Quase uma hora depois, o carro subiu por uma estrada de terra estreita, cercada por vegetação alta. No alto de um morro, envolta por um portão de ferro e ladeada por muralhas cobertas de hera, surgia a silhueta de uma casa grande, de arquitetura antiga, com varandas de madeira e janelas amplas. Era a mansão de Yago.

Beatriz arregalou os olhos.

— Isso é... seu?

Yago riu de leve, estacionando o carro diante do portão.

— É. Ficou com meu nome depois que meu pai morreu. Nunca pensei que fosse precisar voltar. Mas hoje... parece o único lugar onde a gente pode respirar.

Um sensor ativou o portão automático, e o carro avançou pela entrada ladeada por roseiras crescidas. A casa parecia saída de um tempo diferente — não era ostentosa como as mansões modernas. A madeira escura da fachada refletia a luz da lua, e havia algo de acolhedor na estrutura, apesar da imponência.

Yago abriu a porta para ela.

— Bem-vinda à minha bagunça.

Beatriz desceu do carro, sentindo os joelhos ainda trêmulos pela fuga, mas mais firme do que antes.

— Nunca pensei que um lugar assim me traria paz.

Entraram. A casa cheirava a madeira antiga e livros velhos. Um cachorro grande — um pastor belga — correu até Yago, abanando o rabo.

— Esse é o Lobo — disse ele, rindo ao acariciar o animal. — Ele vai gostar de você.

Beatriz agachou-se, deixando o cachorro cheirá-la. Lobo lambeu sua mão com delicadeza e se deitou aos pés dela como se já pertencessem um ao outro.

— Acho que ele já gostou.

Yago acendeu algumas luzes, revelando uma sala ampla, com estantes altas cheias de livros, poltronas surradas, uma lareira apagada e cortinas pesadas que dançavam com a brisa daquela noite.

— Aqui estamos seguros. Pelo menos por enquanto.

Beatriz se virou para ele, hesitante.

— Eu não quero só fugir, Yago. Eu quero lutar. Quero acabar com isso. Com Denis. Com o medo. Com tudo.

Ele se aproximou, com aquele olhar sério que ela já começava a entender.

— E vai acabar. Mas não hoje. Hoje, você descansa. Amanhã... a guerra começa.

Ela assentiu, deixando-se levar por ele até um dos quartos do andar de cima. O quarto era simples, mas aconchegante: uma cama grande, lençóis limpos, uma janela com vista para o vale escuro e silencioso.

Antes de fechar a porta, Yago olhou para ela mais uma vez.

— Se precisar de mim... meu quarto é o do lado.

— Obrigada — ela respondeu, baixinho. — Por tudo.

Ele não disse nada, apenas sorriu e se afastou. Sozinha, Beatriz olhou em volta e se aproximou da janela. O vento fresco da noite tocou seu rosto. Lá fora, o mundo parecia distante, mas ela sabia que, mais cedo ou mais tarde, Denis viria. E quando viesse... ela estaria pronta. Porque agora, finalmente, ela tinha mais do que medo: tinha um motivo para resistir. E o fogo que ele acendeu… era dela agora.

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