Capítulo 6

MADISSON

Eu precisava respirar.

A aula de história tinha sido uma tortura e, para piorar, Harper Liney decidiu existir de novo. Dessa vez, insinuou que fiz um salto duplo mal-executado na apresentação do time de líderes de torcida como se fosse a reencarnação da perfeição atlética. Spoiler: ela não era. Só uma garota mimada, arrogante e que conseguiu o título de capitã graças ao patrocínio do pai.

— Compraram a técnica dela com o uniforme novo, só pode — murmurei, bufando, enquanto me aproximava da fonte mais esquisita do campus.

Dois lobos de pedra. Lado a lado. Olhos vazios, bocas abertas, cuspindo água cristalina em um tanque de mármore antigo. Estranhamente bonito e bizarro ao mesmo tempo. Assim como a cidade inteira.

Estiquei o corpo, inclinando para sentar na ponta da mármore, de frente para o lobo maior, quando ouvi uma risada baixa, grave.

Congelei.

Lentamente, virei o rosto e dei de cara com ele.

Kael Thorne.

Ou, como eu o chamava em segredo: Kael Fodido Thorne. O noivo da Cruela.

Ele estava sentado na mureta ao lado da fonte, um livro apoiado na perna, fones pendurados no pescoço.

Mas nada disso importava.

O que me acertou primeiro foi o olhar dele.

Dourado.

Quase âmbar.

Tão intenso que parecia me atravessar.

— Seus olhos... — sussurrei antes de perceber que tinha falado alto. — São lindos.

Ele sorriu. Lindo demais para ser legal. 

Covinhas.

Que tipo de monstro genético nasce com olhos dourado e covinhas?

— Obrigado — disse ele, e juro, sua voz tinha textura. Era quase quente.

Minha boca secou. Tentei parecer natural, mas percebi, pela pontada em sua sobrancelha, que ele estava se segurando pra não rir de novo.

— Você é do time de líderes? — ele perguntou, indicando minha roupa. Top vinho com a inicial da escola no peito, saia pregueada e tênis brancos.

— Uhum.

— Nunca. Eu respeito quem tem coragem de voar no ar e fingir que não vai cair de cara no chão — respondeu, e dessa vez fui eu quem riu.

Pausa. Um segundo de silêncio estranho. Confortável demais.

— Qual curso você faz? — ele perguntou, inclinando levemente a cabeça.

Abri a boca para responder, mas meu olhar caiu sobre o caderno em suas mãos. Reconheci de imediato as anotações desorganizadas, as setinhas tortas e a letra garranchuda da minha irmã.

— Esse caderno é da Gwen — falei, estreitando os olhos.

Ele deu de ombros, um sorriso divertido nos lábios.

— Peguei emprestado de uma amiga.

Uma amiga?

Gwen nunca mencionou que era amiga dele.

— Não sabia que vocês se conheciam — comentei, tentando soar casual.

— A gente faz o mesmo curso. Engenharia Bioestrutural. Aula chata. Ela empresta bons resumos.

Antes que eu pudesse responder, uma voz familiar ecoou atrás de mim.

— Aí está você! — Gwen apareceu, suada e ofegante. Usava o mesmo moletom da universidade e segurava um copo de café com as duas mãos. — Maddy, esse é o Kael... Kael, minha irmãzinha.

Kael arqueou uma sobrancelha. E, por um segundo, algo passou por seu rosto. Decepção? Surpresa?

Irmãzinha.

— Você ainda tá no ensino médio? — ele perguntou, a voz neutra, quase casual.

Assenti, desconfortável de repente.

— Último ano.

— Entendi — ele murmurou, desviando o olhar, como se reorganizasse mentalmente alguma coisa.

Silêncio constrangedor.

Kael então se levantou com naturalidade, entregou o caderno à Gwen e olhou de novo pra mim.

— Tem uma festa na minha casa no fim de semana. Gwen, você tá convidada. — Depois, seus olhos pousaram em mim. — Você também pode ir... se quiser.

Senti um leve calor subir pelo meu pescoço.

Ele se despediu com um aceno curto, virando-se para ir embora. Mas, antes de desaparecer por completo, me lançou um último olhar e sorriu de novo.

As covinhas apareceram. Eu quis matá-lo por isso.

Fiquei ali, parada, vendo Gwen observar a saída dele com um olhar que eu conhecia muito bem.

Merda.

Minha irmã certinha gostava de Kael Thorne.

E mesmo que eu estivesse a começando a achar que ele não era tão babaca quanto imaginei, eu não podia confiar nele.

— Você gosta dele?

Gwen levantou os olhos do telefone como se eu tivesse perguntado se ela secretamente fazia parte de um culto satânico.

— O quê?

— O Kael — repeti, cruzando os braços. — Você gosta dele?

Ela franziu a testa, surpresa. Depois riu. Riu. Como se a ideia fosse hilária.

— Maddy, claro que não. Ele é só um colega de curso. Inteligente, meio fechado... só isso.

"Meio fechado" era um jeito polido de dizer que o cara parecia esconder trinta camadas de trauma atrás daqueles olhos dourados.

— Aham — murmurei, desconfiada.

Gwen não mentia bem. E também não era do tipo que ficava toda sorridente por causa de um "colega". Aquela era minha irmã: doce, reservada, quase monástica no quesito homens. Um cara como Kael, noivo oficial da Barbie Satânica, podia partir o coração dela em mil pedacinhos.

E eu não ia deixar isso acontecer.

Não com a Gwen.

Não mesmo.

Chegamos em casa antes do pôr do sol. A luz dourada atravessava as janelas da cozinha e deixava tudo com aquele ar de comercial de margarina... só que a versão cortada e melancólica.

A mesa estava posta.

Três lugares.

— O pai não vem de novo? — perguntei, largando a mochila na cadeira.

Minha mãe respondeu enquanto mexia alguma coisa no fogão.

— Ele está trabalhando num projeto novo, importante. Disse que chega tarde.

Importante. A palavra preferida dos adultos quando querem que você pare de fazer perguntas.

Sentei à mesa, tentando não deixar a decepção transparecer. Meu pai já tinha perdido quatro jantares naquela semana.

Gwen se sentou ao meu lado, ainda grudada no telefone.

Minha mãe colocou uma travessa de lasanha no centro da mesa e me olhou com um sorriso animado.

— E então, como foi o dia? Alguma novidade no time de líderes?

Engoli a primeira garfada e sorri também.

— Ah, foi ótimo! A apresentação de hoje deu tudo certo. Eu consegui acertar o salto duplo.

Não exatamente mentira. Só... não toda a verdade.

Melhor deixar de fora o fato de que a treinadora tinha me cortado da apresentação do próximo jogo. Ou que Harper tinha dado um showzinho no vestiário só pra me provocar. Minha mãe já tinha o suficiente pra se preocupar com os turnos no hospital e com o pai "trabalhando em algo importante".

— Fico tão feliz em ver você empolgada com essas coisas — disse ela, com os olhos brilhando. — Você é tão talentosa.

Senti um nó na garganta, daqueles que a gente engole com a comida. Fingi que precisava de água.

Quando voltei a encarar a mesa, vi Gwen sorrindo para o celular como se ele estivesse contando piadas internas.

— Com quem você tá falando? — perguntei, semicerrando os olhos.

Ela não respondeu de imediato.

Só virou o celular um pouco, escondendo a tela com naturalidade demais.

— Ninguém. Grupo da faculdade.

Mentira descarada número dois.

Gwen não sorria desse jeito nem assistindo comédia romântica. E eu conhecia muito bem aquele tipo de sorrisinho bobo com pausa dramática. Era o sorriso de "ele me mandou uma mensagem".

Meu estômago afundou.

Kael Thorne. Ele. Era com ele que ela estava falando.

Droga.

Suspirei, sentindo um alerta invisível vibrar em algum lugar atrás da nuca.

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