Capítulo 7

MADISSON

A verdade é que eu não gostava de festas.

Preferia ficar no meu quarto, com meus livros, minhas playlists melancólicas e algum RPG online onde eu não precisava usar salto. Mas Gwen ia. Gwen estava animada. E Gwen era uma garota doce, sonhadora e completamente vulnerável ao charme de idiotas bonitos com sorriso de covinhas.

Então eu ia também.

Pelo bem maior.

Pelo protocolo da irmã mais nova.

Quando saí do quarto e a vi pronta, precisei de um segundo para processar.

Gwen usava um vestido azul royal colado na medida certa, que deixava suas pernas, longas e invejáveis, em evidência. O cabelo preso num coque displicente, maquiagem suave, mas eficiente.

— Uau — murmurei. — Você tá tipo… linda.

Ela sorriu, envergonhada. Suas bochechas ganhando uma tonalidade rosa pêssego.

— Não exagera.

— Sério. Se o Kael tiver olhos funcionando, ele vai travar.

Ela corou até a raiz do cabelo.

— Ele nem vai reparar, porque tem uma noiva. E você… — seus olhos desceram pelo meu look — você tá de saia?

Assenti, ajeitando a barra da saia rosa xadrez. Combinei com uma blusa branca de manga longa, decote em V e minhas botas favoritas.

— Encontrei em um brechó outro dia, gostou?

Ela arqueou uma sobrancelha.

— Sim, você está linda. Só que você odeia festas.

— Eu odeio más intenções — corrigi. — E meu radar está apitando.

— Maddy...

— Só vou ficar de olho. Ninguém vai quebrar o coração da minha irmã. Nem com covinhas.

Ela revirou os olhos.

—Você lembra que eu sou a mais velha, certo?

Dei de ombros e passei por ela.

— Vamos.

Gwen dirigiu até o endereço que Kael tinha enviado, e quando estacionamos na frente, eu quase soltei um palavrão.

— Ele mora em um apartamento?

— Mais como o prédio inteiro. — murmurou Gwen, desligando o carro.

— Você está brincando?! — resmunguei, encarando o prédio de cinco andares.

— Ele mora na cobertura com o primo,mas nenhum outro morador no andar.

Era um daqueles prédios modernos, todo de vidro espelhado e concreto escuro. Havia plantas no terraço, janelas amplas e gente bonita entrando como se estivesse num comercial de perfume caríssimo.

Subimos de elevador até o último andar, e minha irmã nos guiou direto para o apartamento dele, quase senti vontade de perguntar se ela já veio ao apartamento dele antes.

O lugar era... uau.

Não só grande. Enorme. Tipo, conceito aberto, sofás que pareciam nuvens, iluminação baixa e elegante, uma varanda com vista para toda a cidade e uma cozinha gourmet digna de reality show.

— Isso não é um apartamento — sussurrei. — É uma dimensão paralela com acesso a champanhe.

Gwen riu. Estava radiante. E isso me preocupou ainda mais.

— Ele mora aqui? Sozinho?

— Acho que com o primo — respondeu. — O Dorian. Eu o conheci outro dia, tem uma vibe meio... intensa.

Antes que eu pudesse perguntar o que "intensa" significava, a porta de vidro se abriu, e Kael apareceu.

De jeans escuro, camisa preta dobrada até os cotovelos, e o mesmo olhar dourado que me assombrou o dia inteiro.

Ele parou por um instante, observando a gente como se precisasse de tempo para processar.

Seus olhos pousaram primeiro em Gwen. E ela sorriu, tímida.

Depois, ele me olhou.

E alguma coisa passou entre nós.

Como uma corrente elétrica sutil, mas afiada.

Se ele sentiu, não demonstrou. Só sorriu com aquelas malditas covinhas.

— Que bom que vieram.

Kael se aproximou e nos apresentou a alguns dos seus amigos de futebol.O braço dele roçou levemente no meu quando um dos caras me ofereceu bebida, e então aconteceu.

A tontura.

Rápida, mas intensa.

Como se o chão tivesse afundado dois centímetros sob meus pés.

Pisquei algumas vezes.

E então veio a ardência.

Atrás da orelha. Exatamente onde minha marca de nascença ficava.

Merda.

— Maddy? — Gwen me cutucou com o cotovelo. — Você tá bem?

— Sim, só fiquei um pouco tonta. — engoli em seco. — Não comi nada desde o almoço.

Kael me olhava de lado, o maxilar tensionado. Como se estivesse prestes a dizer alguma coisa, mas ainda decidindo se devia.

— Posso pegar alguma coisa pra você — ofereceu ele, já começando a se afastar.

— Eu vou com você — disse Gwen, rápida demais.

Eles sumiram pela cozinha gourmet alguns segundos depois, e eu aproveitei para escapar discretamente pela varanda. A brisa noturna era uma bênção. Fria, fresca, quase limpa. A cidade lá embaixo parecia um tabuleiro de luzes tremeluzentes.

Apoiei as mãos na grade e respirei fundo.

Ar. Precisava de ar.

Ou de explicações sobrenaturais para tonturas aleatórias e marcas de nascença que queimam em festas com garotos bonitos demais para o próprio bem.

— Você está perdida, ou só evitando a multidão?

A voz masculina veio de trás de mim, suave, segura. Girei o corpo devagar.

E lá estava ele.

Alto. O mesmo porte de Kael, mas com traços mais refinados, quase aristocráticos. O cabelo castanho-escuro caía de maneira estratégica na testa, e seus olhos eram de um cinza escuro e atento, como se analisassem tudo em silêncio.

— Desculpa — falei, automaticamente. — Eu tô atrapalhando?

Ele sorriu.

— Relaxa. Todo mundo vem aqui quando precisa fugir um pouco do caos.— então, ele sorrir, um sorriso contido de lábios fechados. — Bem, eu venho aqui enquanto o resto deles bebe.— Pausou, me observando. — Você está bem? Parece um pouco pálida.

Toquei a própria testa, embaraçada.

— Tive um momento de tontura... talvez só fome, ou gente demais. Ou... sei lá, problemas técnicos.

Ele deu uma risada leve e gesticulou para um dos bancos altos da varanda.

— Quer sentar?

Hesitei por um segundo, depois fui.

— Obrigada. Eu sou Madisson — falei, só por educação.

Ele arqueou uma sobrancelha.

— Allen? Irmã da Gwen?

— Isso.

— Eu sou Dorian. Primo do Kael.

Sorriu de novo. Irritantemente bonito. — Bem-vinda a Lunaris Valley.

Suspirei, apoiando os braços nos joelhos.

— Bom... seria muito grosseiro dizer que não estou gostando, considerando que essa é a cidade da sua família?

Ele soltou uma risada verdadeira. Nada forçado.

— Só um pouco grosseiro. Mas sinceramente, não te culpo.

— Então você admite?

— Lunaris Valley é linda por fora, mas por dentro... é um pouco mais complicada do que parece.

Estava prestes a perguntar o que ele queria dizer com aquilo quando a porta de vidro da varanda se abriu.

Kael.

Com Gwen logo atrás, segurando um copo de suco e dois salgadinhos que pareciam chiques demais pra ser chamados de salgadinhos.

— Achei que estivesse passando mal — ele disse, direto pra mim. Mas a voz era diferente. Rígida. Tensa.

— Vim pegar ar — respondi, me erguendo devagar.

Kael me encarou fixamente, como se estivesse tentando decifrar uma equação invisível. Como se quisesse dizer alguma coisa, mas não pudesse.

E então ele desviou.

— Coma alguma coisa.. — E saiu, sem esperar resposta.

Estranho. Mais estranho do que o normal.

Dorian acompanhou a saída do primo com os olhos, depois se virou pra mim com aquele mesmo sorriso que misturava charme e provocação em doses perigosas.

— Ele costuma ser assim?

— Ahn… só o vi duas vezes. Então, tecnicamente, ele tem cem por cento de aproveitamento no quesito comportamento esquisito.

Dorian riu.

— É, isso parece com o Kael.

— Vocês moram juntos? — perguntei, tentando soar casual, mas estava claramente pescando informação.

— Mais ou menos. Tenho um quarto aqui, mas quase nunca paro em Lunaris. Vim visitar ele na faculdade outro dia, foi quando conheci sua irmã, aliás — disse, fazendo um gesto leve com o queixo em direção à Gwen.

Ela sorriu, um pouco corada.

— Ele apareceu do nada no laboratório e me assustou — comentou, divertida. — Depois compensou com um café horrível, então estamos quites.

— Ei — protestou Dorian, rindo. — O café era ótimo. A culpa foi da máquina, não minha.

Fiquei em silêncio por um instante, observando os dois trocarem olhares cúmplices. Ok. Legal. Nada alarmante. Ainda assim, havia algo no jeito como Dorian me olhava... como se estivesse me lendo sem minha permissão.

Mas também não tive tempo pra processar, porque a energia do ambiente mudou de novo.

Como um perfume ruim atravessando o ar.

Harper Liney.

Ela entrou na sala como se estivesse chegando num desfile exclusivo. Vestido justo, salto assassino, cabelo platinado brilhando sob a luz e o ar de quem acredita piamente que o mundo gira em torno da sua cintura fina.

— Kael, amor — ela chamou, em alto e bom tom, atravessando a sala até ele e se agarrando ao seu braço.

Como se estivesse marcando território.

Como se todas as outras pessoas na sala fossem invisíveis.

Ele não reagiu. Nem um sorriso ou palavra.

Mas também não a afastou.

Ficou lá. Com ela pendurada no braço como um acessório de luxo. E, por cima do ombro dela, me olhou.

Não como quem vê um amigo ou colega.

Como quem quer entender algo.

Sua noivinha já falou sobre mim?

Algo dentro de mim se contorceu, uma sensação incômoda de estar... quebrando.

E foi aí que eu soube.

Algo estava muito errado.

Não com a festa.

Não com Harper.

Comigo.

Porque eu estava com ciúmes de um cara que nem conhecia.

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