🌿 Capítulo 1

Seguir em frente parece uma ideia distante. Quase cruel.

Desde que Pedro se foi, tudo perdeu a cor. A casa dos meus pais, onde ainda moro, está cheia de lembranças dele — cada canto, cada fotografia, cada silêncio. Pedro era meu único irmão, meu parceiro de vida. E agora, é como se metade de mim tivesse sido arrancada.

Acordo cedo, mas não por vontade. O sono virou refúgio, e mesmo ele anda falhando. Mamãe b**e na porta do quarto com delicadeza, como se tivesse medo de me quebrar. Às vezes, acho que já quebrei mesmo.

Minha melhor amiga, Luísa, tem sido meu fio de sustentação. Ela aparece quase todos os dias, trazendo café, palavras doces e uma paciência que parece infinita. Só ela consegue me fazer rir, mesmo que por segundos. Só ela entende que não é questão de superar — é questão de aprender a respirar com esse buraco no peito.

— Clara, abre a porta, por favor… — a voz da minha mãe atravessa a madeira com uma ternura que me corta por dentro.

Mas eu não consigo. Não é por falta de amor. É por excesso de dor. Ver o rosto dela, ouvir os passos do meu pai pelo corredor, sentir o cheiro do café que Pedro adorava… tudo me lembra que ele não está mais aqui.

Ela b**e mais uma vez, espera, e depois se afasta. O silêncio volta, pesado, como sempre.

Me levanto devagar, como quem carrega o mundo nas costas. Olho ao redor do quarto — o mesmo desde a infância, agora transformado num santuário de lembranças. A camiseta do Pedro jogada na cadeira, o livro que ele me emprestou e que nunca devolvi, a foto de nós dois no porta-retrato. Tudo me prende aqui. Tudo me machuca.

Penso em sair. Ir pra qualquer lugar onde ele não tenha deixado rastros. Talvez ficar uns dias na casa da Luísa. Ela entenderia. Ela sempre entende. E talvez, longe daqui, eu consiga respirar sem sentir que estou traindo a memória dele.

Mas mesmo essa ideia me assusta. Porque se eu fugir, será que algum dia consigo voltar?

                                                                    💞

Os dias passam como se fossem todos iguais. O tempo não cura — ele apenas arrasta. Cada manhã é uma repetição da anterior: o mesmo quarto, o mesmo silêncio, o mesmo peso no peito. Fugir do mundo virou rotina. Fugir de mim mesma, impossível.

A dor não diminui. Ela muda de forma. Às vezes é um nó na garganta, outras vezes é um grito preso que me faz querer quebrar tudo. E o ódio… esse cresce. Cresce como uma erva daninha, se enraizando em cada pensamento.

Ódio por quem tirou o Pedro de mim. Ódio por quem segue vivendo como se nada tivesse acontecido.

Júlia aparece nos meus pensamentos com frequência. Ela se aproximou de Pedro por algum motivo que ainda não consigo entender. De alguma forma, meu irmão acabou envolvido numa história que não era dele — uma história que, no fim, tirou sua vida.

Parte de mim quer culpá-la. Outra parte quer entender. Mas entender exige força, e eu ainda estou em pedaços.

Pedro viu nela uma moça doce, frágil, alguém que precisava de cuidado — e Pedro sempre cuidava. Era da natureza dele. Mas Júlia não era só isso. Ela carregava histórias mal resolvidas, relacionamentos tóxicos, um passado que ele nunca teve tempo de conhecer.

Ela não contou. Não avisou. Não o protegeu.

E por isso, ele se foi.

Repito essa frase todos os dias. Como um mantra amargo. Como uma sentença sem apelação.

Pedro morreu por causa de Júlia. Por causa do ex dela. Por causa de um jogo emocional que ele nunca quis jogar.

O ódio que sinto por Júlia é como uma febre que não passa. Quero respostas. Quero saber o que ela fez, o que deixou de fazer, o que escondeu. Mas mais do que isso, quero que Júlia sinta. Que ela sofra. Que ela carregue o mesmo peso que agora vive nos ombros de quem ficou.

— Você vai pagar por isso — sussurro para mim mesma, encarando o teto do quarto como se fosse um tribunal.

Não sei como. Ainda não. Mas sei que vai. Porque há dores que não se enterram. Há perdas que não se aceitam. E há promessas que só se quebram com vingança.

Dois meses.

Dois meses desde o dia em que tudo desmoronou.

Me pego pesquisando sobre Júlia Monteiro. Digito seu nome no navegador, com os dedos trêmulos e o coração acelerado.

Júlia Monteiro.

A tela se enche de manchetes. Algumas antigas, outras recentes. Todas carregadas de escândalo e tragédia.

“Após o acidente que chocou a cidade, Júlia Monteiro está reclusa. A família não comenta, mas fontes próximas afirmam que ela está em tratamento psicológico. A jovem, envolvida com o empresário Pedro Tavares, foi apontada como peça central em um conflito que terminou em morte. Seu ex-namorado, Rafael Duarte, está preso, acusado de perseguição e tentativa de homicídio. Júlia não foi vista desde então.”

“Ainda assim, não há confirmação oficial sobre seu estado. Há quem diga que o suposto tratamento pode não passar de uma desculpa conveniente. Júlia sempre foi conhecida por seu temperamento mimado e por fazer tudo o que queria, sem medir consequências.”

“A família de Pedro Tavares não se pronunciou sobre o caso. Nenhuma entrevista foi concedida, e o silêncio permanece absoluto.”

Ela sumiu. Como se pudesse apagar tudo. Como se o silêncio fosse suficiente para enterrar o que fez.

Fecho o navegador com raiva. A imagem dela, mesmo ausente, me persegue.

— Ela não pode simplesmente desaparecer — murmuro, encarando a tela preta do computador.

— Ela precisa ouvir. Ela precisa sentir.

Luísa entra no quarto e me observa em silêncio.

— Você ainda está procurando por ela?

— Eu vou encontrá-la — digo, sem hesitar.

— Nem que seja no inferno. Ela vai me ouvir. Vai saber o que fez. Vai carregar essa dor como eu carrego.

Luísa se aproxima, com aquele olhar que mistura preocupação e carinho.

— Clara… às vezes, a justiça que a gente quer não é a que a vida entrega.

— Então eu vou buscar a minha — respondo, com a voz firme.

— Do jeito que for.

Pedro não era só meu irmão. Era meu melhor amigo. Meu confidente. Meu equilíbrio.

Desde que ele se foi, tudo desmoronou. Abandonei meu trabalho. Minha carreira como arquiteta, que eu construí com tanto esforço, ficou em segundo plano. Não consigo me concentrar, não consigo fingir que a vida continua. Porque ela não continua. Ela parou no dia em que Pedro morreu.

— Ele era minha outra metade — digo a Luísa, com os olhos fixos na xícara de café em suas mãos.

— Como eu posso seguir em frente se metade de mim foi enterrada?

Ela não responde. Apenas segura minha mão com força.

— Eu vou conhecer Gabriel Monteiro — continuo, com a voz firme.

— Ele está voltando ao Brasil. Vi numa matéria que ele é ator, mora fora há anos, mas vem apoiar a irmã. Ele sabe onde Júlia está.

Luísa arregala os olhos.

— Você vai se aproximar dele?

— Sim. Ele é a chave. Ele vai me levar até ela. E eu vou descobrir.

— Clara… você acha que ele não vai te reconhecer? Não vai perceber quem você é?

— Não saiu foto minha em lugar nenhum. Meu pai proibiu. Em meio a tanta dor e tragédia, ele quis proteger o pouco que restava. Gabriel não vai saber quem eu sou. E mesmo que soubesse… eu faria de tudo para chegar até ela.

Luísa respira fundo, como quem tenta encontrar palavras que não existem.

— Isso é perigoso.

— A dor também é — respondo.

— E eu já estou vivendo com ela todos os dias.

Eu ainda não consigo aceitar. Pedro se foi, e eu não tive a chance de me despedir. Não pude abraçá-lo uma última vez, nem dizer o quanto ele era importante para mim. Não disse que o amava. Essas palavras ficaram presas, engasgadas, como se esperassem um momento que nunca veio.

E agora, o que mais dói não é só a ausência dele — é o vazio do que não foi dito.

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