Nossa casa não era feita de concreto — era feita de vínculos. De afeto. De uma rotina que parecia eterna, como se o tempo tivesse decidido nos poupar. Cresci cercada por amor, por estabilidade, por uma sensação quase mágica de que o mundo lá fora não podia nos tocar.
Éramos quatro: meus pais, meu irmão Pedro e eu. Gêmeos. Dois lados da mesma alma. Uma família pequena, mas inteira. Meus pais se amavam com uma leveza que resistia aos anos, e Pedro... Pedro era meu reflexo. Meu equilíbrio. Meu silêncio e minha voz. Ele sabia quando eu precisava de colo, mesmo sem que eu dissesse. E eu sentia sua dor antes que ele a nomeasse.
Nossa ligação era visceral. Desde crianças, compartilhávamos tudo — brinquedos, segredos, medos. Quando um adoecia, o outro sentia. Quando um chorava, o outro se calava. E quando crescemos, seguimos juntos: eu na arquitetura, ele na engenharia. Complementares. Parceiros. Herdeiros da empresa da família, a Tavares Engenharia e Arquitetura, que nossos pais construíram com suor e visão.
Pedro era o rosto da empresa. Carismático, firme, inspirador. Eu era a mente por trás dos projetos, detalhista, criativa, apaixonada por formas e espaços que contassem histórias. Juntos, éramos a nova geração. O futuro da marca. E, acima de tudo, irmãos que se respeitavam, se admiravam, se amavam.
Naquela noite, Pedro saiu para um evento. Um compromisso social, rápido, segundo ele. Prometeu que voltaria cedo. Que na manhã seguinte tomaria café comigo, como fazia todos os anos. Era nosso ritual: café, risos, planos. Era o nosso aniversário.
Mas naquela manhã, Pedro não voltou.
O telefone tocou às 6h13. E tudo mudou.
Disseram que foi um acidente. Que não havia culpados. Que o carro saiu da pista. Que a colisão foi inevitável.
Mas havia nomes. Júlia Monteiro. Uma festa privada. Um círculo de pessoas que não pertenciam ao nosso mundo — e que, de alguma forma, engoliram Pedro.
A mídia tratou de preencher os espaços que o silêncio deixava. Pedro, jovem empresário, vítima de uma colisão violenta. Júlia, modelo em ascensão, presente no carro. Rafael Duarte, ex-namorado dela, envolvido em perseguições anteriores. Tudo parecia um roteiro mal escrito — e Pedro, o personagem que nunca deveria ter entrado na história.
Júlia Monteiro. Mimada. Egocêntrica. Fútil. Criada em uma bolha de privilégios e bajulações. Modelo em ascensão, mais conhecida por escândalos do que por talento. Seu rosto estampava capas de revistas, mas sua reputação era feita de excessos, festas e relacionamentos conturbados. Pedro se aproximou dela sem saber o que ela carregava — ou quem a perseguia.
Rafael Duarte. Obsessivo. Violento. Incapaz de aceitar o fim. Júlia provocava, instigava, jogava com fogo. E Pedro, com sua integridade e desejo de proteger, entrou no meio. Sem saber que estava pisando em terreno instável. Sem saber que seria o sacrifício.
Naquele dia, deixei de ser só Clara. Passei a ser a irmã que ficou. A que carrega a ausência como uma cicatriz invisível. A que não aceita o silêncio como resposta.
Hoje, dois meses depois, estou diante de uma nova porta. Um novo projeto. Uma nova cidade.
Fui contratada para decorar a casa de Gabriel Monteiro.
O irmão de Júlia.
O homem que nunca conheci, mas que agora é minha ponte para a verdade.
Gabriel é tudo o que a mídia ama: ator internacional, premiado, desejado. Dono de uma produtora de cinema, rosto de campanhas milionárias, presença constante em tapetes vermelhos. Rico, influente, cercado por fama — mas envolto em mistério. Um homem que parece ter tudo, mas que guarda mais do que mostra.
Ele é famoso. Ele é o elo que me falta.
Eu me aproximei com cuidado, com charme, com estratégia. Ele não desconfia. E talvez nunca desconfie — até que seja tarde demais.
Porque eu não vim para criar. Vim para destruir.
Por Pedro. Pela verdade. Pela justiça que ninguém quis buscar.
E se, no caminho, eu perder o que resta de mim... que seja.
Porque há promessas que não se quebram com o tempo.
Só com sangue.