Felipe
No dia seguinte, eu a observo como quem estuda uma peça vulnerável num tabuleiro: de longe, medindo cada gesto, cada hesitação. Ela tenta manter a postura — coluna reta, passos contidos — mas a fissura por dentro é óbvia: as mãos tremem sobre o teclado, o café esfria ao lado sem que ela perceba, e o olhar dela escapa assim que encontra o meu. Há uma transparência que eu não pedi, mas agradeço.
Não sei exatamente de quem ela tem mais medo — de mim, dos cantos escuros do passado, ou de quem hoje a encurrala — mas a ansiedade pulsa dela como um som que posso ouvir. O medo não é só emocional; é físico: a pele pálida no pescoço, a mandíbula tensa, o modo como respira curto quando alguém passa perto. São sinais, e eu os decodifico como um instrumentista decifra música.
Medo é fraqueza? Sim. E fraqueza é uma vantagem cirúrgica. Não me envolvo em piedade; envolvo-me em cálculo. Observar Helena assim é como descobrir uma porta entreaberta: não vou derrubá-la de imediato, porque há poder