(Narrado por Hellen)
Já estava chegando ao hospital e, enquanto saía do meu carro simples – agradecendo mentalmente ao mecânico por ter feito um bom trabalho –, encontrei a louca da Anya me esperando. Ela havia chegado mais cedo que o normal; afinal, ao que tudo indicava, o Senhor Salvatore teria uma reunião com a equipe antes do trabalho começar. Alguém ajudara com uma boa quantia para reformar a ala de oncologia pediátrica, e ela estava eufórica. Sabia, porém, que durante a reforma, muitas alas ficariam um pouco desativadas. Coisas de reforma. — Bom dia, minha amiga linda! — Bom dia, minha linda e maluca amiga! — falei, sorrindo e abraçando-a. Estava com saudades de vê-la pessoalmente. Trabalhávamos no mesmo hospital, mas, como atuávamos em alas separadas, quase não tínhamos tempo para nos ver, nem mesmo na hora da saída, visto que nossos turnos muitas vezes terminavam em horários alternados. Ela foi logo sorrindo, com aqueles olhos azuis cheios de malícia, quando me viu com o livro de Adélia Prado nas mãos. — Sabia que hoje teu admirador, aquele coroa gato e milionário, estará aqui? — cochichou, se aproximando. — Soube que foi ele quem investiu na reforma. E eu não duvido que foi por sua causa. Eu dei uma risada nervosa e fiz um gesto de silêncio para ela, olhando para os lados com medo de alguém ouvir. — Deixa de ser maluca, Anya! O senhor Vance sempre investe no hospital; afinal, ele também é um dos sócios. E não é ‘por minha causa’, sua doida! Ela deu uma daquelas gargalhadas que sempre me faziam rir, mesmo quando eu estava aborrecida. — Tá bom, tá bom… Se você prefere acreditar em renas e no Papai Noel… — disse, revirando os olhos. — Quem sou eu para contestar? — Ora, deixa de falar bobagens e vamos logo trabalhar! O tempo corre! — Entramos e fomos cada uma para sua ala. Duas horas depois, olhei meu relógio e percebi que eram 9h da manhã. Confesso que esqueci do meu espresso hoje devido à correria. Ao chegar, havia um bebê em urgência e corri para atendê-lo. Agora, finalmente, estava a caminho do café do hospital. Mas meus pensamentos… meus pensamentos estavam longe dali. Estavam mergulhados no sonho que tive com o Sr. Vance na noite passada. Meu rosto pegou fogo instantaneamente, um calor que subia do pescoço até as têmporas, enquanto me lembrava de detalhes… íntimos. Dos seus olhos azuis fixos nos meus, das suas mãos… Pare, Hellen. Pare agora. Acho que, no fundo, Anya tem razão. Estou mesmo precisando me divertir e fazer sexo com alguém, nem que seja somente de forma casual. Porém, acredito que sou muito careta, e pensar em me entregar a alguém sem o mínimo de intimidade me deixa sem palavras. Mas quando lembro daquele sonho, me pergunto: E o que seria me entregar ao Sr. Vance? Se não o conheço direito, não seria algo casual? Ainda estava mergulhada nesses pensamentos proibidos, o rosto provavelmente ainda corado, quando, de repente, uma voz grave e já conhecida ecoou logo atrás de mim, tão próxima que pareceu um toque. — Doutora Bennett. Meu corpo inteiro deu um sobressalto. Meu coração pareceu parar e, em seguida, disparou como frenético contra minhas costelas. “Não. Não pode ser. É minha imaginação”, pensei. Me virei lentamente, com a sensação de que estava me movendo sob a água. E dei de cara com ele. Sergio Vance. De pé, impecável em um terno que custava mais que meu carro, com um leve e perigoso sorriso nos lábios. Ele não disse mais nada. Apenas ficou me olhando, seus olhos azuis percorrendo meu rosto como se pudessem ler cada pensamento pecaminoso que havia passado pela minha mente segundos antes. Parecia saber. Parecia saber tudo. Meu rosto, que já estava quente, tornou-se uma fornalha vivente. Eu podia sentir o rubor se espalhando, traindo-me completamente. Ele observou a onda de cor que invadiu meu pescoço e meu rosto, e seu sorriso se aprofundou, um flash de pura satisfação masculina cruzando seu olhar. — Acredito — ele disse, sua voz um baixo sedoso que parecia vibrar direto na minha coluna — que te devo um café? A pergunta pairou no ar entre nós, carregada de uma segunda pergunta não dita. “E talvez muito mais”. Eu abri a boca para responder, mas nenhum som saiu. Eu era uma profissional, uma médica, uma adulta. Mas naquele momento, sob aquele olhar que parecia ver através do meu jaleco e do meu verniz de compostura, eu me senti exatamente como aquela garota de vinte e poucos anos que tinha sonhos úmidos sobre um homem que não devia. Porém, tentando me recompor, respondi lentamente, tentando disfarçar o tremor na minha voz. — Acredita que sim, senhor Vance? — Você não faz ideia do quanto acredito nisso — ele respondeu, sua voz era uma promessa suave que ecoou em algum lugar profundo dentro de mim. Então como lhe pedi, ele não me levou para o café do hospital, onde certamente seríamos vistos por metade do hospital – e onde os olhares curiosos e os cochichos das minhas colegas me fariam morrer de vergonha. Em vez disso, guiou-me para um café pequeno e aconchegante, um pouco mais discreto, embora não muito longe dali. A praticidade me acalmou um pouco; eu realmente teria que voltar em alguns minutos. Enquanto caminhávamos, os meus pensamentos estavam a mil, havia percebido, como Anya disse não sou nenhuma boba, sei que Sérgio Vance interesse por mim – além disso aquela corrente elétrica no ar entre nós era totalmente notável. E era recíproco, muito mais do que eu queria admitir. Achava ele incrivelmente bonito para a idade… e, o melhor, percebi que ele aparentemente não era o esnobe que a própria Mary havia dado a entender. Havia uma simplicidade em sua maneira de falar, uma atenção que parecia genuína, que me desarmou completamente. Jamais imaginei me envolver com um homem rico outra vez. Ainda mais depois do que me aconteceu cinco anos atrás. As cicatrizes daquela época eram profundas demais, e a simples ideia me dava calafrios. Mas Sergio … Sergio tinha um ímã tão poderoso, uma energia tão dominante e ao mesmo tempo tão focada em mim, que eu não fazia ideia do porquê ou de como resistir. Assim que chegarmos ao café a primeira pergunta que consegui formular, tentando soar mais confiante do que me sentia, foi: — Como… como você sabia que eu adorava Adélia Prado? — perguntei, meus dedos traçando a capa do livro sobre a mesa, como se ele pudesse me dar coragem. Ele não hesitou. Seus olhos azuis mantiveram o contato, e um sorriso casual surgiu em seus lábios. As suas palavras saíram suave como seda. — Bem, eu estava em uma livraria outro dia, procurando algumas coisas… e a vi comprando alguns livros dela. Ouvi a vendedora comentando sobre o lançamento deste novo livro que você tem nas mãos — ele gesticulou levemente em direção ao meu livro — e vi sua excitação ao saber da notícia. Decidi que seria um presente perfeito. Por quê? — a palavra saiu antes que eu pudesse parar para pensar. Ele inclinou-se ligeiramente para frente através da mesa, diminuindo a distância entre nós. Seu olhar intensificou-se, tornando-se íntimo e desarmante. — Para ver se você me notaria. Eu sorri, um sorriso tímido e involuntário. Como não notar um homem como ele? Sergio era notável, não por ser um homem rico – embora, vamos combinar, aqueles ternos não saíam baratos –, mas porque era impossível não sentir sua presença. Ele dominava o espaço, o ar, os olhares, com uma autoridade natural que era ao mesmo tempo intimidante e fascinante. Eu sabia que ele tinha 47 anos, mas era um homem impressionantemente bonito, e eu notei isso desde o primeiro momento. Mas fiz de tudo para me afastar, por motivos que só eu conhecia… ou assim esperava. Então, encontrando uma centelha de coragem que não sabia que tinha, retruquei: — Acha mesmo que eu não o notei? — perguntei, minha voz um pouco mais firme. — Ou você só está me fazendo dizer a verdade em voz alta?