Não sei se odeio mais quando ele some… ou quando aparece.
Foram duas semanas. Duas semanas sem uma mensagem, sem um “oi” sequer após a festa.Só silêncios que eu preenchi com perguntas que ele nunca respondeu. E, claro, quando finalmente me acostumei à ideia de que não ia vê-lo tão cedo… a campainha tocou.
Olhei para o relógio: 2h47 da manhã.
Meu estômago se contraiu. Eu sabia quem era antes mesmo de abrir.— O que você quer, Benjamin? — perguntei assim que a porta se abriu, mas ele não respondeu.
Ele simplesmente entrou, como se o apartamento fosse dele. O cheiro do seu perfume, amadeirado, inconfundível, invadiu o espaço junto com ele.— Saudade — disse, sem nem fingir que estava pedindo desculpas.
— Saudade? — ri, mas sem humor. — Duas semanas sem dar as caras, e tudo que você tem pra me dizer quando aparece é “saudade”?Ele não disse mais nada. Em vez disso, segurou meu rosto com as duas mãos e me beijou. Sem pedir, sem esperar. Foi um beijo firme, decidido, como se quisesse gravar seu nome na minha boca. Eu devia ter empurrado, mas minhas mãos agarraram o moletom dele, puxando-o para mais perto. Era sempre assim: ele chegava carregado de ausência, e eu me deixava queimar.
Quando ele se afastou, o ar frio da madrugada entrou entre nós.
— Você não pode aparecer assim, Benjamin — falei, tentando recuperar o fôlego. — Não pode sumir e… — Posso — ele interrompeu, a voz baixa, quase preguiçosa. — Porque você sempre me deixa entrar.Meu coração apertou. Era verdade. E ele sabia.
— Isso não é justo comigo. — sussurrei, tentando conter o choro que queria me tomar. — Nunca prometi que seria. — ele respondeu prontamente.Ficamos em silêncio por um instante. Ele me olhava com aquele meio sorriso, como se estivesse satisfeito por me ver ali, ainda dele, mesmo depois de todo o sumiço. Então, como se tivesse cumprido a missão, deu um passo para trás.
— Vou indo. — Ele já se virava para a porta.
— Vai embora? Assim? — perguntei, a incredulidade misturada ao cansaço. Ele parou na soleira, me encarou e disse:A porta se fechou. O apartamento ficou vazio.
Eu fiquei parada no meio da sala, com o gosto dele ainda nos lábios e uma raiva latejante no peito.[][][][][][]
O sol da tarde caía preguiçoso sobre o campus, espalhando sombras longas e douradas pelo gramado onde Lisa, Carla e eu sentávamos. Era aquele tipo de dia em que o tempo parecia desacelerar, e até o barulho distante das bicicletas e passos apressados parecia distante. A brisa leve mexia nos livros e folhas espalhados ao nosso redor, enquanto falávamos sobre a aula de literatura inglesa que tínhamos acabado de ter.
— Sério, gente — começou Lisa, com aquele brilho nos olhos que só ela tinha quando falava de teatro —, a gente tem que fazer algo diferente na nossa versão de Hamlet. Tipo, atualizar a linguagem, colocar uns elementos modernos, mas sem perder o drama.
— Eu não sei — respondi, tentando parecer interessada, mas minha mente estava noutro lugar. — O texto original tem uma força que é difícil superar. Às vezes, acho que a gente perde mais do que ganha quando tenta mudar demais.Carla, sempre prática, riu.
Tentava focar na conversa, mas meus olhos insistiam em olhar para o outro lado do campus, onde Benjamin estava. Ele parecia estar em seu elemento, rodeado por um grupo de amigos. O riso dele se destacava, contagiante, enquanto ele falava com uma facilidade que sempre me incomodou e me fascinou ao mesmo tempo.
Uma das meninas no grupo estava particularmente perto dele. Ela tinha o cabelo castanho claro preso num rabo de cavalo bagunçado, e de repente, de forma tão natural que parecia rotina, ela passou a mão no cabelo dele. Um gesto simples, íntimo demais para ser apenas amizade.
Meu peito apertou, mas eu me forcei a respirar fundo e me convencer do contrário. Talvez fosse só amizade. Talvez aquela mão no cabelo fosse só um gesto bobo, sem significado. Benjamin não ia me trair outra vez. Não podia.
— Mi-Suk? — Lisa cutucou meu braço, e eu quase pulei. — Você está bem? Tá meio longe…
— Ah, só estou cansada — menti, tentando sorrir. — Só pensando na peça, mesmo.Carla levantou as sobrancelhas, desconfiada, mas não perguntou mais nada.
— Vai, a gente tem que começar a ensaiar logo. Eu não quero passar vergonha na apresentação! — disse, se levantando e espreguiçando.Caminhamos até a biblioteca, o som dos nossos passos ecoando entre os prédios antigos, cheios de história. Eu ainda podia sentir o olhar de Benjamin atravessando o campus, mesmo que ele não soubesse que eu estava olhando.
— Sabe — comecei, quando estávamos só nós duas, — às vezes eu me pergunto se ele realmente mudou.
Lisa parou, e virou para mim com um olhar sério. Ela era a única em quem eu confiava meus segredos. — Por que tanta dúvida? — Porque, quando eu olho para ele, eu vejo o mesmo garoto que me deixou em pedaços após aquela festa. — A voz saiu baixa, quase um sussurro. — Mas aí ele aparece do nada, com aquele sorriso, aquela confiança… e eu quero acreditar. Queria que ele fosse diferente.Ela me puxou para um abraço rápido.
— Eu sei que é difícil. Mas você tem que pensar em você também, Mi-Suk. Não só nele.Assenti, mas a sensação de vazio no peito não foi embora.
Quando finalmente entrei no meu quarto naquela noite, o silêncio foi esmagador. Fechei os olhos e tentei afastar a imagem dele rindo, com a mão daquela garota no cabelo. Mas a cena grudou em mim, como uma sombra que não se dissipa.