3: Regras e Limites

Amanda acordou com o barulho da porta da suíte se fechando. Olhou para o relógio ao lado da cama: 6h45 da manhã. Lucca já estava saindo. A cama ainda arrumada indicava que ele provavelmente nem dormira ali.

Ela se levantou devagar, ainda com a cabeça pesada. A cena da coletiva do dia anterior voltava como um filme. Os flashes, os sorrisos forçados, os abraços ensaiados. E o toque leve da mão dele em sua cintura quando desceram juntos do palco, como se fossem mesmo um casal apaixonado.

Mas não eram.

Ela ainda se sentia deslocada, como uma intrusa em um universo que não era seu.

A campainha tocou. Amanda foi até a porta e deu de cara com uma mulher elegante, na faixa dos cinquenta anos, com um sorriso profissional nos lábios.

— Bom dia, senhora Mancini. Sou Elisa, assistente pessoal do senhor Lucca. Ele me pediu para ajudá-la com o que for necessário — disse, entrando sem ser convidada.

Amanda ergueu uma sobrancelha.

— Isso inclui invadir a suíte alheia?

Elisa sorriu com educação, ignorando a ironia.

— Tenho ordens para levá-la até a empresa no fim da manhã. Há uma apresentação oficial do novo casal aos executivos e acionistas. Lucca acredita que a senhora deva estar preparada.

Amanda cruzou os braços.

— A senhora acha mesmo que eu vou continuar bancando a esposa troféu?

— Eu não acho nada, senhora Mancini. Só sigo ordens.

A calma da assistente a irritava, mas Amanda sabia que não adiantava discutir. A verdade é que ela precisava pensar. Precisava se adaptar, entender as regras do novo jogo.

Elisa caminhou até a sala, abrindo uma pasta sobre a mesa de centro.

— Aqui está a programação da semana, com eventos sociais, reuniões e compromissos onde a presença da senhora será necessária. Lucca deixou claro que deseja sua participação ativa, ao menos por enquanto.

Amanda folheou os papéis, incrédula.

— E se eu disser não?

— Então terei que avisar ao seu marido. E, com todo respeito, ele não costuma gostar de negativas.

Amanda olhou para os papéis por mais alguns segundos antes de deixá-los de lado.

— Pode avisar o Lucca que eu estarei pronta às dez.

Elisa assentiu e se retirou, deixando a suíte em silêncio. Amanda respirou fundo e se dirigiu ao quarto. O “jogo” havia começado — e ela precisava jogar bem.

§

Às 10h em ponto, Amanda desceu com um vestido elegante cor vinho, cabelos presos em um coque baixo e maquiagem leve. Estava impecável. Se Lucca queria uma esposa perfeita para mostrar ao mundo, era isso que ele teria — mesmo que só por fora.

Um carro a aguardava. Elisa a acompanhava, com o tablet em mãos e o ar de quem controlava o tempo de todos.

Ao chegarem à sede do Grupo Mancini, Amanda ficou sem fôlego. O prédio era enorme, imponente, de vidro espelhado, ocupando um quarteirão inteiro na região mais cara da cidade.

Lucca a esperava na entrada, impecável como sempre. Terno escuro, cabelos penteados, expressão impassível.

— Você está linda — disse ele, estendendo a mão.

Amanda a ignorou e passou direto.

— Vamos acabar logo com isso.

Ele sorriu, sem se abalar. Caminhou ao lado dela até o elevador privativo, que os levou direto ao último andar.

— A diretoria quer conhecê-la — disse ele. — E, mais do que isso, confiar em você. A imagem do nosso casamento precisa passar verdade.

Amanda se virou para ele.

— E se eles não comprarem essa mentira?

— Não é mentira se todos acreditarem — respondeu, calmo.

As portas se abriram e um grupo os aguardava em uma sala de reuniões ampla, de frente para a cidade.

Homens e mulheres de terno se levantaram, apertando suas mãos, sorrindo, bajulando. Amanda percebeu que, ali, ninguém estava preocupado com amor. Só com reputação e lucros.

— É um prazer tê-la conosco, senhora Mancini — disse um dos acionistas mais velhos. — Esperamos que sua presença traga ainda mais estabilidade ao Grupo.

Amanda sorriu com elegância.

— Estabilidade é algo que eu aprendi a valorizar.

A reunião durou menos de uma hora. Ao final, Lucca a conduziu até seu escritório particular. A sala era ampla, moderna, com detalhes em madeira escura e vista panorâmica.

— E então? — ele perguntou, servindo dois cafés.

— E então, você me jogou aos lobos e achou que eu não saberia sorrir?

— Pelo contrário. Eu sabia que você saberia.

Amanda pegou a xícara.

— Por que você confia tanto em mim?

— Porque você poderia ter fugido como o Daniel. Mas não fugiu.

Ela o encarou.

— Ainda posso fugir.

Lucca deu um passo mais perto.

— Mas não vai. Porque, assim como eu, você quer vencer. E vencer nesse jogo exige sangue frio.

Amanda bebeu o café sem desviar o olhar.

— E você acha que eu tenho isso?

— Eu acho que você tem muito mais. Só ainda não percebeu.

§

Nos dias seguintes, Amanda mergulhou naquela nova realidade. Almoços com empresários, aparições públicas, fotos para revistas de negócios e jantares beneficentes. Ao lado de Lucca, era vista como uma mulher elegante, forte, sofisticada. O casal perfeito.

Mas por trás das câmeras, o clima era tenso.

Cada conversa entre eles era como um duelo. Palavras afiadas, provocações sutis, olhares desafiadores.

E, aos poucos, Amanda percebeu que Lucca Mancini não era só frieza. Ele observava tudo. Sabia o nome de todos os funcionários. Dava ordens com firmeza, mas ouvia com atenção. E mesmo em silêncio, seu olhar dizia muito.

Uma noite, ao voltarem de um evento, Amanda largou os saltos no hall da suíte e foi direto até a cozinha.

— Chega. Não aguento mais esses sorrisos falsos.

Lucca apareceu logo atrás, afrouxando a gravata.

— Está indo muito bem. Ninguém desconfiou de nada.

— Mas eu tô exausta, Lucca. Eu não sou isso.

Ele se aproximou devagar.

— Você pode ser o que quiser. Não precisa fingir o tempo todo.

Amanda se virou para ele, cansada.

— Então me responde com sinceridade. Por que você está fazendo isso? Não me venha com aquela história do Daniel. Você podia ter cancelado o casamento. Preferiu se casar. Por quê?

Lucca ficou em silêncio. Por alguns segundos, o homem seguro pareceu hesitar.

— Porque eu sou o plano B da vida de todo mundo. Do meu pai. Do Daniel. E agora, seu.

Amanda arregalou os olhos.

— Eu não...

— Eu sei. Você não me escolheu. Mas eu estou aqui. E se vamos passar por isso juntos, quero que você me enxergue. Não só como o irmão substituto. Mas como alguém que, pela primeira vez, tem algo pra perder.

Ela não soube o que dizer. Aquela foi a primeira vez que viu vulnerabilidade nos olhos dele. E, de repente, Lucca Mancini não parecia mais tão distante.

Parecia humano.

Parecia real.

E isso a assustou.

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