— Eu quem pergunto. Este é o bangalô número quatro. Está reservado para mim.
Sentei-me na cama, e a luz finalmente se acendeu.
Diante de mim, o homem de cabelos grisalhos, mas não velho. Seu semblante era cansado, mas não abatido. O olhar, negro e profundo, fixava-se em mim com o cenho franzido. Havia algo de inquietante naquela presença, uma força contida, quase perigosa, seu corpo alto e de postura imponente, eu o conhecia, e o admirava.
Ele exalava uma elegância rara, daquelas que não se aprende, apenas se carrega. Cada movimento era silenciosamente calculado, mas cheio de uma sensualidade natural, como se o próprio ar ao redor dele soubesse que precisava abrir caminho. Era lindo, mas de um jeito que doía, não pela perfeição, mas pelo impacto. Tinha charme e mistério nos gestos, desejo nos silêncios e uma beleza cruel que parecia feita para ser proibida.
Eu tinha corrido contra o tempo, naquela quarta-feira para assistir a sua palestra, enfrentando dois ônibus lotados, correndo pelos corredores, somente para pegar uma boa fileira, todos queria assistir aquela palestra. Alexandre Xavier, era um profissional com méritos, reconhecido por seu trabalho e pesquisas.
Quando seus olhos pousaram sobre os meus, algo dentro de mim tremeu. Não era apenas o homem diante de mim. Era o perigo disfarçado de cavalheirismo, a culpa vestida de desejo. Irresistível. Indecente. E, mesmo assim, inevitável.
Mas naquela noite, ele não era apenas o médico, o palestrante, ele era o tipo de homem que chamava atenção sem pedir licença. Os traços marcantes do rosto carregavam uma beleza austera. Segurava um livro na mão e, por alguma razão, me parecia familiar.
— Você poderia me dizer o que... — Ele olhou para algo acima de mim, depois voltou a me encarar. Segui seu olhar.
Uma placa: Quarto Laranjeiras. Que eu também olhei assim que ele olhou, como se conferisse como ele, o nome do quarto. Eu sabia que aquele não era o meu.
— ...o que está fazendo aqui?
Minhas mãos tremiam diante daquele olhar calmo, mas atento. A ideia de que uma mulher furiosa poderia surgir a qualquer momento me assustava. Nunca havia estado tão perto de alguém tão belo, tão inteligente... ele me deixou estarrecida.
— Desculpe, perdão, senhor... Eu... eu pensei...
Saltei da cama, procurando pelo vestido jogado no chão.
— Garota, onde está a sua roupa? — Ele virou o rosto, desconfortável.
O anel na cabeceira da mesa brilhava como a luz no meio do quarto.
— Eu... eu não sabia que aqui tinha gente... Eu só... — As lágrimas voltavam, diante da humilhação.
Vesti o vestido rapidamente, nervosa.
Tentei explicar enquanto calçava as botas. Era estranho e, ao mesmo tempo, vergonhoso. Em meio à tensão e ao medo, mal conseguia pensar; minhas mãos, pernas, corpo inteiro tremiam.
Ele me deixou passar a noite no bangalô. Lendo seu livro, adormeci. Era manhã quando ele me acordou dentro do banheiro, eu mal havia dormido, ele se apresentou e eu não sabia onde enfiar a minha cara. Ainda o olhava, perdida e envergonhada.
— Hum... agora estou lembrando de você. Acha que o meu corpo mente? — Ri fraco.
— Não acho nada a seu respeito, doutor. Só fiz uma pergunta que me incomodava.
Doutor Alexandre me olhou por longos minutos. Eu não me lembrava dele ser tão bonito. Mas também... nunca estivemos tão perto. Ele me parecia ainda mais atraente do que naqueles dias em que sua inteligência se impunha nos corredores da universidade.
— A medicina exige que sejamos corretos, alheios... que não nos deixemos absorver por sentimentos pessoais. Era só sobre isso que quis saber. É possível ser médico ignorando todas as nossas emoções, mesmo sabendo que...
Vi-o engolir em seco. Ele assentiu.
— Que bom que não fez essa pergunta naquele momento. Eu não saberia responder — disse, sem me deixar concluir, esborçando um sorriso curto.
Naquelas semanas, eu não estava bem. Tudo que estava acontecendo interferia diretamente na minha vida acadêmica. E por mais que fossem só as últimas atividades do semestre, me senti muito prejudicada nas avaliações.
O doutor parecia precisar se arrumar.
— Muito obrigada! — Agradeci, saindo do banheiro. Ouvi o barulho do chuveiro assim que alcancei a porta.
Por mais estranho que fosse admitir, poucos estavam sendo gentis comigo naqueles dias. Voltei para o bangalô de solteiros. Entrei examinando a bagunça no quarto. A chuva insistia em cair.
Tomei um banho demorado. Meu corpo reclamava do dia anterior, fosse pela trilha, por ter dormido no chão de um banheiro ou por ter ido a uma festa contra a minha vontade. Arrumei a minha mala pronta para partir.
Corri até a luxuosa área de alimentação. As opções eram limitadas. Isis e Thiago já almoçavam. Montei meu prato e me juntei a eles. Os casais estavam dispersos, eram seis casais por ali.
— Decidiu vir? Pensei que estivesse devorando livros — disse Isis assim que me sentei.
— Você sabe perfeitamente que não vivo só de livros — respondi, levando o garfo com macarrão aos lábios.
— É, estou vendo que não. Está ficando com aquele homem? — Thiago perguntou, pouco amigável. Endureci o olhar para ele, que riu.
— Thiago!— Isis disse chateada.
— Não adianta reclamar com ele se você pensou a mesma coisa — falei, enquanto Isis bufava, aborrecida. — Você sabe quem ele é? Sabia que me emprestou o livro que eu estava procurando?
Isis não se deu ao trabalho de responder. Havia marcas em seu pescoço, chupões, talvez até uma marca de mão, e ela não parecia se importar com aquilo.
— Não acredito, Mavi. Você só pensa em estudar, estudar e nada mais? — Voltei à minha refeição, ignorando suas queixas.
Não sou filha de uma família estruturada, com futuro garantido. O que ela queria? Que eu tivesse um namorado como o Thiago? Mal o vejo na faculdade. Suspeito até que ele não consiga terminar o curso conosco.
Thiago saiu para fumar. Foi um alívio ficarmos a sós. — E aí, rolou?
Olhei para Isis, atônita com a pergunta. — Está ficando no bangalô com ele. Vai dizer que não? Ele é bonitão, hein, um jeito de homem.
Neguei. Eu não o via dessa maneira. Apesar de bonito, Alexandre Xavier me parecia muitas outras coisas: um homem briguento, julgador e precipitado. Ele sequer me deixou explicar, simplesmente me julgou irresponsável. Mas, sim, eu estava errada. Fui eu quem invadiu o quarto que ele havia reservado.
Após o almoço, esperei Thiago partir. Como ele não foi, fui até a recepção para fechar a conta. Mas logo fui informada: — A chuva, apesar de fina, é intensa. Não para, não cessa. É coisa da temporada. As estradas estão fechadas, são muito ingremes.
A recepcionista falou como se eu tivesse escolha. Ficar com uma amiga louca e um namorado maconheiro em uma lua de mel improvisada não me parecia viável.
Conversei pouco com Isis no bangalô, mas não queria atrapalhar, o que era uma viagem de amigas, parecia que eu era um castiçal, ali entre beijos com o namorado, me respondendo monossílabos. Já era meio da tarde quando bati à porta do quarto do Doutor Alexandre. Eu devia, ao menos, agradecer.
— Não, Maria Clara, eu não vou voltar pra casa.
— Xande, me escuta...
— Estou ouvindo. Mas estou sendo sincero: nosso casamento não tem conserto. É hora de cada um seguir seu caminho. Você o seu. Eu, o meu.
— Não, Alexandre, por favor... Eu sei que errei, eu sei que...
A mulher insistia do outro lado da linha. Fiquei de pé na porta, ouvindo uma conversa que nem era minha. Eu não tinha nada a ver com eles. Mas me sentia curiosa.
— Você errou, e eu também, Maria Clara. Mas isso não tem conserto — declarou.
Ouvi a ligação por um tempo. O sono me dominava. A noite anterior tinha cobrado seu preço, bati na porta devagar. Olhei para o meu celular em busca de algum sinal também, apenas dois traços.
— Doutor... — Ele me olhou diretamente, os seus olhos desceram em avalia por mim.
Como quem buscasse outra coisa, umedeci os lábios ao sentir um calor intransigente invadir meu corpo. Alexandre me olhou, engolindo em seco. Eu me estranhei naquele momento, o olhando de volta usando aquela camisa de linho branca com um decote no peito , aquela calça no mesmo tom, como um deus. E mesmo com aquele olhar em mim, com toda a calmaria de tudo, do mundo.
— Depois nos falamos, tchau — ele disse, encerrando a ligação. Indicou que eu entrasse.
— Vim lhe agradecer, eu... — Tentei dizer, meu celular não tinha uma ligação da minha mãe, apenas um numero estranho, quem ia me ligar?
— Você parece alguém que está com sono. A cara amassada, os olhos...— Sorri fraco. Sim, eu estava com tudo isso. Levantei o livro em mãos.
— Se quiser, fique com ele um pouco mais. Às vezes, um bom livro responde mais do que a gente consegue dizer.— Disse com a sua confiança invejável.
Mavi entrou no quarto, usando um vestido branco de alças finas, com desenhos em tons azuis bastante marcantes por baixo uma cacharel quase do tom da pele fina, desde o almoço, ela usava aquela peça, uma linda garota, que chama a atenção sem perceber. Ela sentou na mesma poltrona novamente, e sem hesitar abriu o livro lendo de onde parou, era como se buscasse paz, o que me fez imaginar que em nenhum outro bângalo teria, eram casais até mesmo no de solteiro naquele momento, a chuva fina, era como uma premissa convidativa para atos afetuosos e liberações de desejos sexuais. Me olhou por algum momento, como se soubesse que eu ainda a olhava, nossos olhos fixaram por algum momento que não controlei, ela em silêncio me observou e eu fiz o mesmo, até que desviou os olhos para o livro novamente. No quarto bângalo, o quarto laranjeiras, com um aroma agradavel, naquele momento, eu oscilava entre ter tomado a decisão correta, em pedir o divórcio me separando da unica mulher em que me unir para
Tudo nele me atraia, em pouco tempo de conversa com Alexandre, era melhor do que esta naquela palestra, inteligente, sábio, experiente, os seus modos de gesticular, as pausas entre as falas, além do modo gentil, cavalheiro e educado. Eu nunca, nunca me senti tão protegida, tão acolhida na vida. Adormeci na sua cama, e apesar de algumas vezes termos trocado olhares, ele não se aproveitou disso, ele mexia comigo, provocava sensações que eu achava que nunca ia sentir. Houve uma paixão aqui outra ali, mas nada que me fizesse senti o corpo em chamas somente com um olhar, os olhos de Alexandre não ia diretamente ao meu corpo, eles se demoravam em meus olhos, como se os lesse e se importasse com o que eu dissesse em cada palavra. Até parar em minha boca, acompanhando cada movimento dela, e ali se demorava. Achei que ele ia me beijar pela tarde, depois na fogueira, Isis até comentou que nós estavámos nos olhando demais, que eu tinha dado para ele, rolei os olhos ao ouvir, e em seguida, f
Mas como eu, um dos rapazes também a olhava, ignorando a namorada ou esposa do lado, a cantoria durou até a madrugada, a chuva se intensificava, andei em direção ao bângalo sem conseguir ignorar aquele, olhei para o bângalo dos ipês dourados. Vendo a porta fechada, então finalmente haviam se acertado? Me perguntei, eu nunca havia pensado em estar com outra mulher durante anos, e sequer olhado para outra com interesse, Mavi me parecia quebrar um ciclo de anos, isso só mostrava o quanto a minha união com Maria Clara estava enfraquecendo. Entrei no quarto reflexivo, a solidão da madrugada se ambientava ao cômodo. Eu jamais conseguiria confiar, esquecer aqueles gritos, gemidos e como ela conseguia ser tão...eu a sequer reconheceria naquela cama, daquele jeito. A intimidade entre eles, me incomodava ainda mais. Saber que ela havia sido de outro, enquanto era minha, como poderia? Estranhei que Mavi não estivesse na cama, ou no quarto, então eles se entenderam? Bebi algumas doses
Eu decidi parar de adiar aquele momento. O homem acima de mim, estocando firmemente, era lindo, embora não mais jovem, seus cabelos grisalhos, desgrenhados, os olhos nos meus, até que as suas mãos seguraram as minhas levando-as acima da minha cabeça, eu jurava que não ia gostar daquilo. Franzi o cenho, engolindo em seco, e quando ele aprofundou. Abaixou me beijando nos lábios, até que grunhiu contra eles. — Hoooo. — Soltou um gemido com a sua voz rouca, beijou o meu ombro suado, até se jogar para o lado. Enquanto eu ainda tentava entender o que tinha acontecido, eu tinha lhe dado a minha primeira vez. O observei caido ao meu lado, retirando a camisinha, jogando no chão, adormeceu ao meu lado, tomei um banho tentando me acalmar, me vesti, cheguei ao bângalo de Isis peguei as minhas coisas, ignorando Thiago ali sentado, fumando, voltei ao bângalo. Observei o homem deitado apagado na cama, ainda de camisa, calça, o seu semblante calmo não denunciava sinais quaisquer do que havia feito.
Era um corpo diferente ao meu lado, e isso, no momento não houve estranheza alguma, ficamos deitados, cada um em seus pensamentos, após ter descartado o preservativo, e pelo esforço, pela bebida e noite de sono em claro, apenas adormeci. Talvez eu compreendesse Maria Clara, era preciso estar com outra mulher para entendê-la, eu já não era o mesmo, e o desejo por sexo, parecia ter diminuido com o tempo, acordei com uma tremenda dor de cabeça, levantei notando e talvez grato pela cama vazia, as memórias dos nossos ultimos momentos juntos na cama. Me trouxe pontadas de dores mais intensas. Engoli em seco sentado na cama, o preservativo ainda estava no chão, cheio de gozo, e pelo quarto nenhum resquício dela. — Mavi? — A chamei receoso, mas também no banheiro não a encontrei, eu lhe diria que tinha sido um erro, que aquilo não deveria ter acontecido, mas ao olhar a cama em que haviamos transado.Era mais que o suficiente para ter cautela quanto a isso, eu sequer havia percebido que era
Sobrevivi a uma semana trabalhando na lanchonete Sabor é Mais, mas a ideia de conhecer meu pai ainda pairava sobre minha mente. Era um pensamento insistente, uma sombra que me acompanhava nos momentos de silêncio.Depois de um expediente surpreendentemente tranquilo, saí do shopping, aliviada por finalmente poder voltar para casa. O pequeno apartamento ainda estava vazio, sem muitos móveis. A ideia de montá-lo aos poucos era mais um plano distante do que uma realidade palpável. Com um salário mínimo e a mesada que meu pai depositava, gastar tudo de uma vez seria loucura. Melhor deixar na poupança. Logo viria a formatura, e eu precisava estar preparada para qualquer imprevisto.Minha vida tinha mudado rápido demais. Cresci com certo conforto ao lado da minha mãe, mas agora estava aprendendo a viver diferente. Ainda me acostumava a depender de ônibus, algo que nunca precisei fazer quando morava com ela. O carro, afinal, era dela.Já era noite quando saí do shopping. As chaves do estabele
Os dias longe do consultório me trouxeram um acúmulo absurdo de trabalho. Horas intermináveis. Pilhas de anotações. Pacientes agendados sem pausa para respirar. E, ainda assim, Heitor conseguiu aparecer para me atormentar. — A Maria Vitória é igual à mãe. — Ele começou, caminhando de um lado para o outro na minha sala. Sempre inquieto quando está nervoso. — Você acredita que ela foi morar sozinha? Que está trabalhando numa lanchonete, Alex? Suspirei, largando meu material de lado. — Hum... isso não seria bom? — perguntei, pegando o caderno para continuar minhas anotações. — Evidente que não! Como pôde permitir que ela trabalhe numa lanchonete, Alex? Laura é louca? — Ele bufou, passando a mão pelos cabelos, os olhos brilhando com indignação. — A Laura teve a audácia de me dizer que eu tenho que instalar a Mavi aqui na cidade. E quando perguntei o que ela cursava, aquela mulher mentiu, dizendo que faz Medicina! Como pôde uma adolescente fazer medicina? Fiz um traço no papel, sem ol
Eu esperei que ela me ligasse.Dias se passaram. Semanas e nada, decidi ligar, era preciso falar com ela, esclarecer, ao ver o nome mãe, liguei. A cada toque do celular, meu coração disparava, ansioso por ver o nome "Mãe" no visor. Mas, toda vez que tocava, a demora me fazia corroer por dentro, eu precisava ouvir a sua voz, dizer o meu lado da história.Até que, enfim, ela atendeu.Respirei fundo, tentando ignorar o tremor na minha voz.— Mãe?A resposta veio afiada, carregada de impaciência e algo pior: Desprezo.— Mavi, pelo amor de Deus, me deixa em paz.Minha respiração falhou. Franzi o cenho, como se tivesse escutado errado.— O quê?— Você ouviu. Para com isso. Para de inventar coisas, de perseguir o Marcelo. Ele já me contou tudo.O sangue gelou nas minhas veias.— Ele contou? Contou que tem ido atrás de mim? Que tem aparecido no meu trabalho?— Você tá imaginando coisas.— Não estou! Eu tenho provas!O silêncio do outro lado foi curto, mas cortante.— Que provas?Engoli em sec