Maria Vitória Bocci

— Eu quem pergunto. Este é o bangalô número quatro. Está reservado para mim.

Sentei-me na cama, e a luz finalmente se acendeu.

Diante de mim, o homem de cabelos grisalhos, mas não velho. Seu semblante era cansado, mas não abatido. O olhar, negro e profundo, fixava-se em mim com o cenho franzido. Havia algo de inquietante naquela presença, uma força contida, quase perigosa, seu corpo alto e de postura imponente, eu o conhecia, e o admirava. 

Ele exalava uma elegância rara, daquelas que não se aprende, apenas se carrega. Cada movimento era silenciosamente calculado, mas cheio de uma sensualidade natural, como se o próprio ar ao redor dele soubesse que precisava abrir caminho. Era lindo, mas de um jeito que doía, não pela perfeição, mas pelo impacto. Tinha charme e mistério nos gestos, desejo nos silêncios e uma beleza cruel que parecia feita para ser proibida.

Eu tinha corrido contra o tempo, naquela quarta-feira para assistir a sua palestra, enfrentando dois ônibus lotados, correndo pelos corredores, somente para pegar uma boa fileira, todos queria assistir aquela palestra. Alexandre Xavier, era um profissional com méritos, reconhecido por seu trabalho e pesquisas. 

Quando seus olhos pousaram sobre os meus, algo dentro de mim tremeu. Não era apenas o homem diante de mim. Era o perigo disfarçado de cavalheirismo, a culpa vestida de desejo. Irresistível. Indecente. E, mesmo assim, inevitável.

Mas naquela noite, ele não era apenas o médico, o palestrante, ele era o tipo de homem que chamava atenção sem pedir licença. Os traços marcantes do rosto carregavam uma beleza austera. Segurava um livro na mão e, por alguma razão, me parecia familiar.

— Você poderia me dizer o que... — Ele olhou para algo acima de mim, depois voltou a me encarar. Segui seu olhar.

Uma placa: Quarto Laranjeiras. Que eu também olhei assim que ele olhou, como se conferisse como ele, o nome do quarto. Eu sabia que aquele não era o meu. 

— ...o que está fazendo aqui?

Minhas mãos tremiam diante daquele olhar calmo, mas atento. A ideia de que uma mulher furiosa poderia surgir a qualquer momento me assustava. Nunca havia estado tão perto de  alguém tão belo, tão inteligente... ele me deixou estarrecida.

— Desculpe, perdão, senhor... Eu... eu pensei...

Saltei da cama, procurando pelo vestido jogado no chão.

— Garota, onde está a sua roupa? — Ele virou o rosto, desconfortável.

O anel na cabeceira da mesa brilhava como a luz no meio do quarto.

— Eu... eu não sabia que aqui tinha gente... Eu só... — As lágrimas voltavam, diante da humilhação.

Vesti o vestido rapidamente, nervosa.

Tentei explicar enquanto calçava as botas. Era estranho e, ao mesmo tempo, vergonhoso. Em meio à tensão e ao medo, mal conseguia pensar; minhas mãos, pernas, corpo inteiro tremiam.

Ele me deixou passar a noite no bangalô. Lendo seu livro, adormeci. Era manhã quando ele me acordou dentro do banheiro, eu mal havia dormido, ele se apresentou e eu não sabia onde enfiar a minha cara. Ainda o olhava, perdida e envergonhada.

— Hum... agora estou lembrando de você. Acha que o meu corpo mente? — Ri fraco.

— Não acho nada a seu respeito, doutor. Só fiz uma pergunta que me incomodava.

Doutor Alexandre me olhou por longos minutos. Eu não me lembrava dele ser tão bonito. Mas também... nunca estivemos tão perto. Ele me parecia ainda mais atraente do que naqueles dias em que sua inteligência se impunha nos corredores da universidade.

— A medicina exige que sejamos corretos, alheios... que não nos deixemos absorver por sentimentos pessoais. Era só sobre isso que quis saber. É possível ser médico ignorando todas as nossas emoções, mesmo sabendo que...

Vi-o engolir em seco. Ele assentiu.

— Que bom que não fez essa pergunta naquele momento. Eu não saberia responder — disse, sem me deixar concluir, esborçando um sorriso curto. 

Naquelas semanas, eu não estava bem. Tudo que estava acontecendo interferia diretamente na minha vida acadêmica. E por mais que fossem só as últimas atividades do semestre, me senti muito prejudicada nas avaliações.

O doutor parecia precisar se arrumar.

— Muito obrigada! — Agradeci, saindo do banheiro. Ouvi o barulho do chuveiro assim que alcancei a porta.

Por mais estranho que fosse admitir, poucos estavam sendo gentis comigo naqueles dias. Voltei para o bangalô de solteiros. Entrei examinando a bagunça no quarto. A chuva insistia em cair.

Tomei um banho demorado. Meu corpo reclamava do dia anterior, fosse pela trilha, por ter dormido no chão de um banheiro ou por ter ido a uma festa contra a minha vontade. Arrumei a minha mala pronta para partir.

Corri até a luxuosa área de alimentação. As opções eram limitadas. Isis e Thiago já almoçavam. Montei meu prato e me juntei a eles. Os casais estavam dispersos, eram seis casais por ali.

— Decidiu vir? Pensei que estivesse devorando livros — disse Isis assim que me sentei.

— Você sabe perfeitamente que não vivo só de livros — respondi, levando o garfo com macarrão aos lábios.

— É, estou vendo que não. Está ficando com aquele homem? — Thiago perguntou, pouco amigável. Endureci o olhar para ele, que riu.

— Thiago!— Isis disse chateada.

— Não adianta reclamar com ele se você pensou a mesma coisa — falei, enquanto Isis bufava, aborrecida. — Você sabe quem ele é? Sabia que me emprestou o livro que eu estava procurando?

Isis não se deu ao trabalho de responder. Havia marcas em seu pescoço, chupões, talvez até uma marca de mão, e ela não parecia se importar com aquilo.

— Não acredito, Mavi. Você só pensa em estudar, estudar e nada mais? — Voltei à minha refeição, ignorando suas queixas.

Não sou filha de uma família estruturada, com futuro garantido. O que ela queria? Que eu tivesse um namorado como o Thiago? Mal o vejo na faculdade. Suspeito até que ele não consiga terminar o curso conosco.

Thiago saiu para fumar. Foi um alívio ficarmos a sós. — E aí, rolou?

Olhei para Isis, atônita com a pergunta. — Está ficando no bangalô com ele. Vai dizer que não? Ele é bonitão, hein, um jeito de homem. 

Neguei. Eu não o via dessa maneira. Apesar de bonito, Alexandre Xavier me parecia muitas outras coisas: um homem briguento, julgador e precipitado. Ele sequer me deixou explicar, simplesmente me julgou irresponsável. Mas, sim, eu estava errada. Fui eu quem invadiu o quarto que ele havia reservado.

Após o almoço, esperei Thiago partir. Como ele não foi, fui até a recepção para fechar a conta. Mas logo fui informada:  — A chuva, apesar de fina, é intensa. Não para, não cessa. É coisa da temporada. As estradas estão fechadas, são muito ingremes.

A recepcionista falou como se eu tivesse escolha. Ficar com uma amiga louca e um namorado maconheiro em uma lua de mel improvisada não me parecia viável.

Conversei pouco com Isis no bangalô, mas não queria atrapalhar, o que era uma viagem de amigas, parecia que eu era um castiçal, ali entre beijos com o namorado, me respondendo monossílabos. Já era meio da tarde quando bati à porta do quarto do Doutor Alexandre. Eu devia, ao menos, agradecer.

— Não, Maria Clara, eu não vou voltar pra casa.

— Xande, me escuta...

— Estou ouvindo. Mas estou sendo sincero: nosso casamento não tem conserto. É hora de cada um seguir seu caminho. Você o seu. Eu, o meu.

— Não, Alexandre, por favor... Eu sei que errei, eu sei que...

A mulher insistia do outro lado da linha. Fiquei de pé na porta, ouvindo uma conversa que nem era minha. Eu não tinha nada a ver com eles. Mas me sentia curiosa.

— Você errou, e eu também, Maria Clara. Mas isso não tem conserto — declarou.

Ouvi a ligação por um tempo. O sono me dominava. A noite anterior tinha cobrado seu preço, bati na porta devagar. Olhei para o meu celular em busca de algum sinal também, apenas dois traços. 

— Doutor... — Ele me olhou diretamente, os seus olhos desceram em avalia por mim.

Como quem buscasse outra coisa, umedeci os lábios ao sentir um calor intransigente invadir meu corpo. Alexandre me olhou, engolindo em seco. Eu me estranhei naquele momento, o olhando de volta usando aquela camisa de linho branca com um decote no peito , aquela calça no mesmo tom, como um deus. E mesmo com aquele olhar em mim, com toda a calmaria de tudo, do mundo.

— Depois nos falamos, tchau — ele disse, encerrando a ligação. Indicou que eu entrasse.

— Vim lhe agradecer, eu... — Tentei dizer, meu celular não tinha uma ligação da minha mãe, apenas um numero estranho, quem ia me ligar?

— Você parece alguém que está com sono. A cara amassada, os olhos...— Sorri fraco. Sim, eu estava com tudo isso. Levantei o livro em mãos.

— Se quiser, fique com ele um pouco mais. Às vezes, um bom livro responde mais do que a gente consegue dizer.— Disse com a sua confiança invejável. 

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