Capítulo 82DanteO ar da manhã parecia mais fresco do que eu lembrava. Ou talvez fosse eu, diferente. Desacostumado a sentir o mundo de verdade, depois de tanto tempo entre a vida e o quase. A cadeira de rodas avançava devagar pela rampa do hospital, empurrada por um dos enfermeiros. Ao meu lado, Luna caminhava em silêncio. Mãos firmes no encosto, coração palpitando como se ela estivesse empurrando não só meu corpo, mas todo o peso do que atravessamos até ali.Ela sorriu quando nossos olhos se encontraram. E eu soube que não importava o tempo que levaria, ela estaria ali. Até eu ficar de pé de novo. Até voltarmos a ser algo mais do que sobreviventes.— Está pronto para voltar pra casa? — ela perguntou.Assenti. E mesmo com o corpo ainda frágil, a mente cansada e os músculos endurecidos pelo coma, aquela palavra — casa — teve um sabor doce e cheio de possibilidades.***A mansão estava diferente.Mais leve, talvez. Ou só mais viva.As flores do jardim estavam bem cuidadas. Os portões
Capítulo 83LunaMeses depoisA madrugada chegou com um silêncio estranho.Não era o silêncio tenso dos dias em que vivíamos à sombra da guerra. Era outro tipo. Um silêncio cheio de expectativa. Como o momento que antecede um trovão — você sente antes mesmo de ouvir.Acordei com uma pressão na barriga. Não era só desconforto. Era diferente. Um aperto profundo, como se meu corpo tivesse despertado junto com a criança dentro de mim, e ele dissesse: “É agora.”Sentei na cama devagar. Dante dormia ao meu lado, o braço estendido em minha direção, como se mesmo dormindo quisesse me proteger.— Amor… — toquei seu ombro, tentando não transparecer o medo que começava a crescer. — Dante, eu acho que tá começando.Ele abriu os olhos no mesmo instante. Os instintos dele eram tão afiados que às vezes eu me esquecia do quanto ainda estava aprendendo a me sentir segura. Mas com ele, eu sempre soube que podia.— Agora? — ele se ergueu, completamente alerta. — Tem certeza?Respondi com um olhar e outr
EpílogoLunaO sol começava a se pôr quando vi meu reflexo no espelho.O vestido era simples. Branco, de tecido leve, moldando meu corpo com a delicadeza que eu jamais imaginei merecer. As alças finas expunham meus ombros e as cicatrizes suaves que a vida me deixara. Eu não as escondi. Pelo contrário. Elas estavam ali como parte do que me trouxe até este dia.Mariana prendeu os últimos fios do meu cabelo em um coque baixo e elegante, deixando algumas mechas soltas ao redor do rosto. Chiara entrou no quarto com um sorriso discreto, segurando um pequeno buquê de lavandas — as flores que Dante havia plantado para mim no jardim da casa.— Ele está lá embaixo — disse Chiara. — Esperando por você. Com cara de quem vai desmaiar.— Ele sempre foi mais forte na guerra do que em cerimônias — sorri, mas a garganta apertou. — Meu Deus… estou mesmo casando com ele?— Está. Com o homem que você salvou — disse Mariana, se aproximando. — E que também te salvou.— Que sorte a de vocês dois — acrescent
Capítulo 1MarianaEra uma manhã comum, ou pelo menos parecia. O sol teimava em surgir entre as nuvens de uma primavera indecisa, e o cheiro de café fresco preenchia o ar da casa onde Luna morava agora. Eu não a via há semanas, não por falta de saudade, mas por medo. Medo de encarar tudo o que havíamos vivido. Medo de ver nos olhos dela a lembrança viva da guerra que quase nos matou.Mas naquele dia, eu fui. De táxi, olhando pela janela o tempo todo, como se a cidade também tivesse mudado, como se cada prédio novo apagasse um pouco do passado que insistia em me acompanhar. O motorista mal falou comigo, e eu agradeci por isso. Não queria falar. Queria chegar. Só isso.Luna me recebeu com um sorriso contido, mas caloroso. Seu ventre já exibia o desenho discreto da vida crescendo, e isso me emocionou mais do que eu esperava. Ela estava bem. Vitoriosa. Não sem marcas, claro, mas viva. Fortalecida.— Entra — disse ela, abrindo espaço para mim. A casa estava mais aconchegante do que me lemb
Capítulo 2MarianaA universidade era maior do que eu imaginava. Os prédios altos e modernos contrastavam com as árvores antigas que cercavam os caminhos entre os blocos. Era como se o tempo tivesse resolvido fazer uma pausa ali, misturando o novo e o velho de um jeito estranho e bonito. Mas, naquele primeiro dia, tudo o que eu conseguia pensar era: o que estou fazendo aqui?A decisão de voltar a estudar parecia muito mais simples na teoria. Mas agora, sentada sozinha no banco de concreto ao lado do bloco de Humanas, cercada por vozes desconhecidas e rostos jovens demais, eu me sentia uma intrusa.Suspirei, apertando a alça da mochila contra o colo. Algumas pessoas passavam apressadas, com cadernos nas mãos, outras caminhavam com calma, como se aquele ambiente fosse a extensão natural de suas vidas. Eu apenas observava, tentando absorver tudo. Sentia como se estivesse trinta passos atrás de todo mundo.— Oi, esse lugar tá ocupado? — uma voz feminina me tirou do devaneio.Era uma garot
Capítulo 1LunaTrabalhar para um mafioso nunca foi parte do meu plano de vida, mas planos mudam quando a sobrevivência fala mais alto que a moral. E eu sobrevivo. Sempre. Meu pai dizia que a vida era como um jogo de xadrez. Você não precisa ser a rainha, só precisa saber quando mover suas peças. E eu vinha movendo as minhas com cuidado, desde o dia em que entrei no escritório de Marcelo Rivas: olhos baixos, ouvidos atentos, boca calada. Marcelo era exigente, imprevisível, mas ele confiava em mim. O suficiente para me manter por perto, o suficiente para me fazer sentir indispensável.O relógio marcava 20h47 quando deixei minha mesa, já com os sapatos nas mãos, e segui pelos corredores silenciosos do prédio. Era tarde demais para estar ali, mas um relatório urgente precisava ser entregue antes da reunião da manhã seguinte. A cidade do lado de fora parecia quieta, mas São Paulo nunca dorme de verdade. Sempre há alguém observando, esperando, tramando. E naquela noite, senti isso mais do
Capítulo 2LunaNa manhã seguinte, acordei com a luz dourada atravessando as frestas da cortina, mas não foi a claridade que me tirou do torpor, foi o silêncio. Um silêncio estranho, espesso, como se o mundo lá fora estivesse em pausa e tudo ao meu redor estivesse esperando que eu fizesse o primeiro movimento.Os lençóis ainda estavam macios, os pulsos livres dessa vez, e uma bandeja com café da manhã repousava sobre a mesa ao lado. Frutas cortadas com precisão, suco fresco, croissants quentes. Luxo. Cuidado. Manipulação.Sentei-me com cautela, cada músculo tenso, cada pensamento disparado em direções diferentes. Dante Moretti ainda estava naquele lugar, em algum canto observando. Era o tipo de homem que nunca deixava de ver. Mesmo quando não estava à vista.Peguei uma maçã da bandeja com dedos trêmulos. Morder ou não morder? Comer o que o inimigo te serve era sempre um risco, mas minha fome venceu o orgulho. E no segundo em que dei a primeira mordida, a maçã estalou em minha boca, fr
Capítulo 3 Luna A escuridão que me engoliu foi curta, mas sufocante. Quando acordei, o ar tinha um cheiro novo, couro, madeira polida, e algo mais… perigo. Estava deitada em um sofá de couro escuro, a luz amarelada da luminária ao lado projetando sombras longas nas paredes. Um lugar elegante, silencioso. E estranho demais para ser meu. Me sentei devagar, o coração disparado. Os sapatos tinham sumido. Minha bolsa também. Mas minhas roupas estavam intactas, e isso, por algum motivo, me tranquilizou. Por um instante. — Bom dia, Bella. A voz veio de um canto da sala, baixa, controlada. Dante. Ele estava ali de novo. Sentado em uma poltrona de veludo, um copo de uísque entre os dedos. Terno impecável, cabelo arrumado, olhar predatório.Me encolhi por receio.— Luna, você está com medo? Ele perguntou com a voz rouca, se aproximando devagar de onde estava. Queria sumir, desaparecer, mas reagi com perguntas. . — O que você quer de mim? O que sou para você? — Disse com raiva e curiosid